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Católicos tailandeses em frente à igreja Phra Mae Prachak, na província de Suphan Buri, Tailândia, em 26 de outubro de 2019, antes da viagem apostólica “à terra dos sorrisos”. Católicos tailandeses em frente à igreja Phra Mae Prachak, na província de Suphan Buri, Tailândia, em 26 de outubro de 2019, antes da viagem apostólica “à terra dos sorrisos”.  (AFP or licensors)

A missão na Ásia, uma inculturação nas pegadas das grandes testemunhas da fé

É num pontificado marcado pela paixão pela evangelização e pelo desejo de reformar a Igreja num sentido missionário que a viagem asiática e oceânica empreendida pelo Papa se enquadra com total coerência. Hoje autónomas e florescentes, as jovens Igrejas dos quatro países visitados enriquecem a Igreja universal com o seu testemunho. Regresso às transformações da missão na Ásia com o diretor do Instituto de História Missionária do ICP, p. Gilles Berceville.

Entrevista conduzida por Delphine Allaire - Cidade do Vaticano

Com 11 países da Ásia Oriental, meridional e Central, visitados em 11 anos de pontificado, o Papa Jesuíta, de 87 anos, leva o seu cajado de peregrino para uma longa viagem à Indonésia e às jovens Igrejas timorenses, papuas e cingapurianas no mês de setembro. “Um ato de humildade e obediência à missão”, afirmou o Cardeal Luis António Tagle, pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização, numa entrevista publicada esta terça-feira pela Fides, agência de informação do Dicastério presidida diretamente pelo Papa. O cardeal filipino fará naturalmente parte da delegação papal durante esta 45ª viagem apostólica ao Sudeste Asiático e à Oceânia.

Os sinais de uma verdadeira paixão levada por Francisco pela missão são numerosos, desde os sonhos de partir para o Japão noutra vida na Argentina até ao seu magistério como Sucessor de Pedro desde 2013. Tema pastoral fundamental para o Bispo de Roma, a paixão pela evangelização e o zelo apostólico do crente foram também temas de catecismos durante as audiências gerais às quartas-feiras ao longo de 2023. Três deles foram dedicados a grandes figuras espirituais da Ásia, para onde Francisco se prepara para ir como peregrino missionário seguindo os passos de grandes testemunhas da fé.

O padre Gilles Berceville, diretor do Instituto de História Missionária do Instituto Católico de Paris, teólogo dominicano e especialista em espiritualidades missionárias, recorda as particularidades e a história da missão no continente mais populoso do mundo, concentrado nos desafios da modernidade.

Quais são as primeiras ocorrências do Cristianismo na Ásia?

A tradição traz à Índia um apóstolo como Tomé desde as origens do cristianismo. Na verdade, é possível que as comunidades cristãs tenham estado presentes desde muito cedo na Índia. A história estabelece a difusão do Cristianismo através da Igreja Nestoriana para a China a partir dos séculos VI e VII. Após a conversão do Império Mongol ao Islão, no século XIV, a presença cristã foi reduzida na Ásia. Na época das grandes descobertas do século XV, um dos sonhos dos cristãos era contornar o obstáculo muçulmano e juntar-se a antigas comunidades cristãs que teríamos perdido de vista na Ásia. Esta é a origem da descoberta da América por Cristóvão Colombo, no final do século XV. Depois de contornarmos o Cabo Magalhães, encontramo-nos na Ásia e aí, os espanhóis e os portugueses investem territórios e, ao mesmo tempo, têm a responsabilidade confiada pelo Papa de difundir a fé cristã. O cristianismo está, por isso, presente na Ásia de forma muito menor a partir do século XVI.

Como é que a epopeia missionária dos séculos XV e XVI está ligada aos poderes políticos?

Nas últimas fases da Idade Média, o espiritual e o temporal permaneceram indissociáveis. As primeiras missões, levadas a cabo pelos Reis de Espanha e de Portugal, foram assim concebidas a partir da Reconquista no contexto do conflito com o Islão e do cisma na Europa com a propagação do Protestantismo.

Quão especificamente na Ásia está implantada entre os missionários uma ação científica de exploração, estudos e descobertas?

A partir do século XVI, com a grande figura de São Francisco Xavier, os Jesuítas, na Índia, mas sobretudo na China com Matteo Ricci, esforçar-se-ão por dar a conhecer o cristianismo através dos livros e por converter as elites apresentando-se, não como monges ascetas, mas como estudiosos confucionistas. Como tal, os jesuítas foram de facto aceites pelos imperadores da China, enquanto, além disso, o cristianismo foi aí proscrito, uma vez que o Papa proibiu o culto dos antepassados.

São Francisco Xavier, considerado o maior missionário dos tempos modernos, viajou pela Ásia, desde a Indonésia até ao Japão. Qual é o valor do seu testemunho para a missão no Extremo Oriente?

Marcou a história missionária com as suas cartas, com os seus apelos para se juntar a ele na missão e gerações de jesuítas sonharam com a missão graças a ele. Francisco Xavier foi legado do Papa a pedido do Rei de Portugal, em todas as terras que explorou, desde as Molucas ao Japão. Morreu antes de poder entrar na China, a sua atividade missionária abrangeu um território considerável. Não teve grandes efeitos em termos de conversão populacional; só depois dele, sobretudo no Japão, é que as comunidades se desenvolveram antes de serem perseguidas e erradicadas pelos poderes existentes. Francisco Xavier é um grande modelo de missionário que inspirou as gerações de jesuítas que depois dele se dedicaram às missões e que desenvolveram atividades missionárias no Extremo Oriente.

Os espanhóis e os portugueses foram sucedidos pelos franceses e pelos ingleses. Que impulso traça a renovação missionária do século XIX na Ásia?

Entre as missões jesuítas desenvolvidas a partir do século XVI e do século XIX, a Santa Sé recuperou o controlo das atividades missionárias com a criação da Congregação da Propaganda em 1622. O desejo era o seguinte: acabar com o sistema de mecenatos e dissociar a atividade de conquista com a atividade de evangelização. Para o século XIX e os missionários católicos franceses, devemos mencionar as Missões Estrangeiras de Paris fundadas no século XVII para implementar este programa da Congregação de Propaganda da Santa Sé, para dissociar claramente a atividade política da evangelização.

Os missionários protestantes ingleses desenvolveram as suas atividades, sobretudo, a partir do século XIX. Insistirão na distribuição da Bíblia com grande atividade na impressão e tradução da Bíblia.

Ligarão a atividade de evangelização à de civilização, trazendo prosperidade, tentando promover o desenvolvimento económico e cultural dos países onde estão estabelecidos, e também desejando muito rapidamente, mais rapidamente que os católicos, garantir a autonomia das Igrejas das comunidades cristãs que fundaram. Do lado católico, há uma maior ênfase nos sacramentos e na liturgia, uma conceção de Igreja universal centrada em Roma e que, de facto, garante uma certa independência do poder político. Foi também o século das grandes atividades de caridade levadas a cabo, em particular, pelas congregações religiosas femininas. A Igreja Católica insistirá mais tarde, no início do século XX, seguindo o ensinamento dos Papas, na autonomia das Igrejas locais e do clero local.

Deste ponto de vista, há uma espécie de retrocesso, porque no século XVII estávamos muito convencidos, após o virtual desaparecimento do cristianismo no Japão, de que era necessário fazer nascer e desenvolver um clero local indígena, enquanto no século XIX os missionários vieram da Europa e estabeleceu-se uma certa desigualdade de facto entre o clero missionário europeu e o clero indígena

Como é que o catolicismo se foi aculturando gradualmente na Ásia, surgindo cada vez menos como uma religião europeia?

Já não estamos na situação do colonialismo europeu do século XIX, início do século XX, e as Igrejas Católicas locais têm hoje uma autonomia muito grande. Já não dependem dos países que enviaram os missionários, a começar pela França, embora continuem a existir relações de amizade entre as Igrejas, com a profunda expressão de gratidão ao respeito daqueles que enviaram missionários e que fundaram a Igreja em países de missão.

Entre os países que serão em breve visitados pelo Santo Padre, por exemplo, as Igrejas de Timor e da Papua Nova Guiné estão muito aculturadas. Também se desenvolveram recentemente e são chefiados por bispos do país e clérigos do país. As próprias Igrejas asiáticas enviam agora os seus missionários para a Europa, tal como a Igreja no Vietname.

Como são as inculturações nos ritos locais?

Quando entramos nas igrejas católicas, em Singapura, no Vietname, em Timor, encontramos igrejas que são, do ponto de vista da arquitetura, da arte, das esculturas, da pintura, muito influenciadas pela arte ocidental. Só neste aspeto exterior e arquitetónico é sinal de uma fé que ainda deve realizar uma grande obra de inculturação. Não é porque as Igrejas têm independência jurídica e o seu clero que trouxeram para a Igreja universal os recursos da sua própria cultura no domínio da compreensão da fé, das suas expressões, nomeadamente as expressões da arquitetura religiosa ou da arte religiosa. Cabe às populações locais e às Igrejas locais inculturar a sua fé e estar presentes nas suas sociedades de uma forma verdadeiramente evangélica, com os desafios da grande pobreza que são esses, especialmente para os países que visitarão o Papa em breve, desde Timor Leste ou Papua Nova Guiné; países onde a Igreja testemunha uma presença muito generosa entre os pobres. Isto foi decisivo na adoção do cristianismo pelas populações locais em países como Timor ou Papua Nova Guiné.

Quais os desafios e as dificuldades da missão em algumas Igrejas locais?

Devemos realmente considerar ultrapassada a ideia de territórios onde missionários de outros lugares, mesmo que haja sempre alguns, nomeadamente as Missões Estrangeiras de Paris, lidam com áreas remotas onde o Cristianismo não está presente. Temos agora comunidades locais que estão inseridas na sociedade, na cultura que lhes é própria, e que devem viver o Evangelho primeiro no testemunho dado, na esperança dada aos mais pobres. E daí surge a fé vivida, que se desenvolve e encontra expressões capazes de enriquecer toda a Igreja.

Existem diferentes desafios missionários. Por exemplo, na Indonésia, o Papa destacará a questão do diálogo inter-religioso, particularmente entre cristãos e muçulmanos; o encontro de religiões percebido na modalidade da estima recíproca e do diálogo.

Depois, a missão é a presença entre os mais pobres e temos territórios, populações que são marcadas pelas dificuldades de acesso à educação, por todos os desastres provocados pela degradação climática. O Sudeste Asiático perdeu 15% das suas florestas naturais desde 2000, a imposição de monoculturas enquanto as populações locais viviam mais da agricultura de subsistência, etc. A presença aos pobres é, depois do diálogo inter-religioso, a segunda forma de presença evangélica proporcionada pelas Igrejas locais.

No início da viagem à Ásia-Oceania, qual pensa ser a conceção de missão do Papa Francisco?

Ao visitar estes territórios, o Papa presta homenagem às periferias das grandes potências. Elevou também os bispos das quatro capitais à categoria de cardeais. Ele torna assim estes territórios presentes à nossa atenção, como cristãos, à nossa fraternidade e à nossa oração. O Papa insiste que toda a vida cristã é missionária, que todo o cristão é missionário e que toda a vida cristã é missão. Poderíamos, por isso, dizer a nós próprios que a missão hoje consiste em ficar em casa e dar testemunho de Cristo que nos rodeia, como diz o Papa Francisco.

Mas isto não nos deve fazer perder de vista a missão universal da Igreja: a especificidade desta vocação missionária que consiste em ir longe no serviço da fé, no serviço de Cristo. Para cada um de nós, mesmo que não nos afastemos como missionários, isto significa manter o coração aberto a estes países geograficamente distantes, mas que, num mundo globalizado, exigem a nossa atenção e a nossa solidariedade. Alguns destes países são de grande pobreza, mas têm enormes recursos espirituais e pastorais para nos oferecer devido à vitalidade da sua fé cristã.

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29 agosto 2024, 09:57