Cardeal Scherer: Sinfonia de vocações
Cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo
Uma orquestra sinfônica é composta de muitos instrumentos, que tocam juntos e produzem sons harmônicos. Cada instrumento tem seu papel, seu momento e seu jeito de tocar. Individualmente, em grupos ou todos tocam juntos, os instrumentos seguem a regência do diretor da orquestra. E a música sai bonita e harmoniosa. Mas se cada instrumento tocasse aleatoriamente, sem obedecer à batuta do regente, teríamos, certamente, uma grande cacofonia, uma produção caótica de sons.
O lema do mês de agosto, mês das vocações no Brasil, lembra que “a Igreja é uma sinfonia de vocações”. A comparação, tirada de palavras do Papa Francisco, é muito feliz e fala das muitas vocações existentes na Igreja; cada uma com suas características e dons e com sua missão. Porém, mesmo sendo pessoais e contando com a adesão de cada um, as múltiplas vocações têm uma origem comum: é Deus quem chama e capacita para as diversas missões na Igreja. E a vivência do chamado vocacional não acontece simplesmente por decisão subjetiva de cada um, mas como participação no conjunto da vida e missão da Igreja.
Na Igreja, a vocação de cada pessoa é parte do chamado da própria Igreja, comunidade de fé, povo de chamados para experimentar o amor de Deus e proclamar suas misericórdias vida afora. O chamado à vida é a primeira vocação e cabe a cada um perguntar-se: Senhor, o que queres de mim? Por que me chamaste à vida? Por que existo? Que posso fazer de bom e belo de minha vida? Seria uma pena, passar a vida sem se dar conta do motivo da própria existência e desperdiçar a vida, sem dedicá-la a um projeto que faça sentido. A descoberta dessa primeira vocação deveria fazer parte do processo educativo de todas as crianças, adolescentes e jovens.
A vocação sacerdotal é o chamado a servir a Cristo Sacerdote para o bem do povo de Deus. Jesus Cristo, palavra de Deus, sacerdote e bom pastor, quer continuar a realizar sua obra santificadora da humanidade e, para tanto, são necessários os sacerdotes para O representar sacramentalmente no desempenho da missão da Igreja. Os sacerdotes não deixam de ser membros do povo de Deus; mas eles também recebem a missão de representar Cristo, cabeça do corpo da Igreja, entre seus irmãos. Em nome de Cristo, eles devem reunir as comunidades de fé, anunciar- -lhes o Evangelho e formá-las nos caminhos do Evangelho e servi-la nos bens de Deus.
Os religiosos, consagrados a Deus nos diversos carismas da vida consagrada, procuram exprimir pela sua vida e testemunho a primazia de Deus e de seu reino, pelo qual já vale a pena renunciar a muitos bens desta vida. Por essa forma de vida, que existe na Igreja desde os primeiros séculos do Cristianismo, os religiosos e consagrados a Deus ajudam os demais irmãos a compreender melhor o Evangelho e a também orientar suas vidas no seguimento de Jesus. Os “religiosos” contribuem de muitas formas com a missão da Igreja.
E os cristãos leigos e leigas, membros do povo de Deus, são chamados a viver o Evangelho nas condições ordinárias da vida, no casamento e na vida familiar, no trabalho e nos muitos serviços à sociedade. Ali, os cristãos leigos são vocacionados a viver como testemunhas do Evangelho e a serem sal, fermento e luz do reino de Deus. Mediante a sua presença e atuação, enquanto discípulos de Jesus, ajudam o mundo a acolher o que é de Deus e salva o homem e a superar o que não é de Deus e oprime o homem.
A “sinfonia de vocações” é própria de uma Igreja sinodal, onde todos os membros recebem dons e graças diversas mediante o Espírito Santo e são feitos membros do povo chamado por Deus e enviado ao mundo como testemunha do Evangelho. Todos os membros da Igreja participam do bem da Igreja e da missão da Igreja. Não todos do mesmo modo, mas de modo complementar. A vocação de cada um é um bem também para a Igreja toda.
Quem nos chama é Deus. Jesus Cristo nos reúne e o Espírito Santo concede dons e capacidades a cada membro da Igreja. É Ele o divino regente dessa sinfonia de vocações na Igreja, a quem devemos ser dóceis e deixar-nos conduzir por Ele; é Ele que fecunda a nossa ação e concede os frutos à missão.
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