Rezar faz bem à saúde!
Vatican News
Padre Wladimir Porreca, diocese de São João da Boa Vista, pesquisador da Universidade de Brasília, apresenta alguns elementos que possam contribuir para despertar e iniciar reflexões e possíveis diálogo acerca da prática da religião e a espiritualidade como recurso no Cuidado em Saúde (saúde integral), principalmente entre os profissionais da saúde.
A Religiosidade e a Espiritualidade (R/E), um dos aspectos mais significativos da subjetividade humana, são recursos estratégicos para transcender o adoecimento, as perdas e os sofrimentos. São construtos eficazes que podem ajudar a pessoa em estado de adoecimento a encontrar caminhos adequados para a construção de sentido e ordenação de vida, diante das exigências urgentes para manter e promover a própria vida e suas relações, levando em conta as ameaças avassaladoras que nos invadem em estado de fragilidade humana (PORRECA, 2021).
Talvez, por ser um recurso precioso que historicamente, observa-se que a relação entre R/E e o Cuidado em Saúde nunca se rompeu, mas foi ressignificada, deslocada, flexibilizada, remodelada e reconstruída de forma não linear e sequencial. Essa relação continua a fazer parte do cotidiano e da identidade das pessoas, especialmente dos brasileiros.
A dimensão e experiências de R/E são questões de identidade, muito mais do que doutrina ou prática espiritual ou religiosa e, estão profundamente entrelaçadas com todos os outros aspectos da pessoa humana: cultura, etnia, raça, gênero, orientação sexual e, claro, orientação política (DE PAIVA, 2018). Omitir a dimensão da R/E no Cuidado em Saúde seria privar a pessoa de elementos necessários para o estado de completo bem-estar físico, psíquico e social/relacional. Isso poderia colaborar com diversos reducionismos e fragmentações antropológicas, bem como ampliar as lacunas entre formação e prática clínica dos profissionais de saúde.
Daí a importância dos profissionais de saúde em dispensar tempo e atenção e observarem e, se possível, compreenderem os elementos de R/E que as pessoas em estado de adoecimento utilizam para interpretar, significar e dar sentido à realidade da doença que vivenciam. Isso revelaria os caminhos para utilizar esses elementos como suporte e recurso no enfrentamento do acometimento à saúde, tanto para a pessoa doente quanto para seu contexto (SILVA THIENGO et al., 2019). A R/E não se reduz às experiências privadas e intimistas, onde simplesmente um ser humano esteja "ligado ou religado" ao divino ou à dimensão espiritual, mas também influencia, direciona e condiciona a subjetividade humana.
A subjetividade humana que abarca as esferas pessoal, social, espiritual/religiosa, profissional e relacional, facilitam com que as dimensões humanas integrativas ampliem a capacidade de ser e atuar como sujeito, bem como a imprescindível relação de respeito e acolhimento entre os profissionais de saúde e a pessoa adoecida, ambos com suas crenças e experiências espirituais e religiosas.
De fato, a relação entre R/E e Cuidado em Saúde pode ser um recurso e sentido saudáveis no enfrentamento das realidades de doenças, somente quando forem consideradas e respeitadas as especificidades das experiências espirituais e religiosas e do processo de Cuidado em Saúde. Não é possível mais condicionar o espiritual e o religioso à esfera individual e intimista, fruto do pensamento platônico que estabeleceu o afastamento repulsivo de R/E e do Cuidado em Saúde, nem a um paradigma de cientificismo que privilegia o progresso científico e tecnológico, mesmo que extremamente necessário, mas que acaba fragmentando a pessoa humana, deixando de considerá-la como um ser total, integrado, único, belo e bom.
Infelizmente, entre alguns profissionais de saúde, encontra-se, arcaicamente, uma atitude negativa em relação à interface R/E e Cuidado em Saúde, desconsiderando-se as experiências espirituais e religiosas singulares das pessoas, com tendências a ignorá-las ou mesmo reduzi-las a um conjunto de afirmações irracionais a serem extirpadas ou apropriadas pelas ciências para serem explicadas racionalmente. Essas crenças das pessoas são muitas vezes vistas como um fenômeno social ultrapassado e ingênuo, excluindo-se a transcendência da linguagem, as práticas e crenças religiosas, ou utilizando-se de perspectivas científicas para interpretar os conteúdos espirituais e religiosos (WULFF, 1997).
Contudo, deve-se levar em conta que a relação entre R/E e o processo de Cuidado em Saúde pode ser um fator de risco para a vivência humana quando não se respeita a laicidade das fronteiras éticas desses saberes e práticas; quando estão desajustadas da realidade cultural compartilhada e favorecem algum sofrimento pessoal e a alguns desajustes sociais e culturais, ou ainda, procuram naturalizar a desigualdade social, a pobreza ou o cerceamento dos direitos constitucionais.
Com o reconhecimento e a inserção gradual da R/E na prática clínica do Cuidado em Saúde e o aumento de investigações e estudos sobre a relação entre R/E e Saúde, é urgente dar mais atenção à busca da incorporação e fortalecimento de procedimentos epistemológicos, teóricos e metodológicos que sustentem a multiplicidade de olhares sobre o humano como um todo e suas relações no que se refere à sua dimensão espiritual e religiosa. Isso pode colaborar também para diminuir as lacunas entre o saber e o fazer, considerando o ser humano em todas as suas dimensões, e promover um Cuidado em Saúde mais humanizado na prática clínica.
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