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Padre Tony Neves em uma de suas missões na América Latina Padre Tony Neves em uma de suas missões na América Latina 

Apresentado livro “Lusofonias–de Roma para o Mundo 2”, do Pe. Tony Neves

O livro do missionário espiritiano é uma coletânea de suas crônicas semanais sobre o magistério do Santo Padre, suas viagens missionárias, entre outros

Pe. Bernardo Suate - Cidade do Vaticano

Foi apresentado pelo cardeal José Tolentino no Instituto Santo Antônio dos Portugueses, em Roma, o livro “Lusofonias – de Roma para o Mundo 2”, de autoria do Pe. Tony Neves. Com Prefácio do cardeal emérito de Lisboa Manuel Clemente, a obra traz as crônicas semanais do missionário espiritano sobre o magistério do Papa Francisco, suas viagens missionárias, entre outras.

Na entrevista ao Vatican News, o sacerdote missionário fala de sua história e dos temas das crônicas tratadas no livro:

Ouça a entrevista com Pe. Antõnio Neves

Temos hoje a alegria aqui de ter connosco o Padre Tony Neves, a quase dês dias tivemos a presentação do seu livro “Lusofonias de Roma para o mundo 2”: de que que se trata?

Quer dizer que eu cheguei a Roma em 2018 para à nível dos missionários espiritanos, congregação a que pertenço, coordenar o nosso departamento de justiça e paz e a ecologia integral e, dei continuidade a um projeto que tem vinte cinco anos, iniciado na Rádio Renascença com a partilha por muitas rádios inclusive a Rádio Vaticana e esse projeto começou há precisamente vinte cinco anos, só que em 2018 vindo para Roma a minha geografia mudou por que tinha estado os últimos 24 anos a partir de Lisboa. E então desde que eu cheguei em Roma, continuei a produzir esta crónica semanal e, quando ao fim dos treze anos mais ou menos em 2021 achei que era importante corrigir para publicar em papel dei o titulo “Lusofonia de Roma para mundo”, agora 2024, treze anos depois já tinha mais trezentas paginas para publicar então dei o mesmo titulo “Lusofonia de Roma para mundo II” e se calhar em 2027 se Deus nos der vida e saúde e eu continuar com o projeto como estou a continuar será “de Roma para o mundo 3”.

... de Roma para o mundo, não é só uma questão geográfica, imagino?

Não. É bem mais do que isso, porque é verdade que quem vem para Roma seja para o que quer que seja, vem sempre em termos eclesiais para um centro que não é só simbólico, é centro de decisão, é um centro de animação na escala mundial, e por isso quando a gente está aqui acaba por ter acesso a muito mais informação, e acaba por quando fala ter se calhar um impacto diferente daquele que a gente tem quando está em Lisboa, em Maputo, em Luanda, em Bissau, muda, eu senti isso na minha vida e por isso achei que desta vez devia pôr como subtítulo num livro deste “de Roma para o mundo”, para que as pessoas percebam que quem está a escrever, quem está a falar está em Roma e isso dá-lhe acesso a alguma informação que não teria se estivesse noutro sítio e pronto tem um impacto desta centralidade eclesial

O seu livro leva o prefácio do Cardeal Patriarca de Lisboa, Emérito, Sr. Dom Manuel Clemente, e ele diz que o Padre Tony Neves é artesão de pontes em toda lusofonia, como é que se sente título?

Pois eu acho que é a simpatia do Dom Manuel Clemente, Dom Manuel Clemente e eu conhecemo-nos há muito tempo, ele foi meu professor, depois como Bispo auxiliar de Lisboa e ele que tutelava a comissão de missão que eu presidi durante diversos anos, depois entretanto ele foi nomeado Bispo do Porto que é a minha diocese de origem, mais tarde regressou como Patriarca de Lisboa, e ele já me tinha prefaciado algumas das minhas obras e, agora aceitou este desafio que lhe lancei de prefaciar esta. O que eu acho que ele quis dizer é que eu ao andar muito pelos espaços lusófonos, ao coordenar bastantes projetos missionários nestes países ou em alguns desses países que falam português tenho mais se calhar mais sensibilidade àquilo que nos une, daí o ser o artesão de pontes, é verdade que muitas vezes, quando eu tento dizer que um confrade meu que está em Angola vá trabalhar para o Brasil, que um brasileiro seja nomeado para Moçambique, como foi há bem pouco tempo, estou a construir um bocadinho, estas pontes entre o espaço lusófono, talvez seja isso que Dom Manuel queria dizer, por acaso não lhe perguntei.

Como consegue, semana após semana, cronica após cronica, encontrar uma história que realmente toca os corações?

Essa aí é uma boa pergunta que me têm feito com frequência e a minha resposta vai um bocadinho ao sentido contrário, porque o meu problema não é cada semana encontrar uma história, o problema é a cada semana de todas as histórias com que me encontro escolher uma, esse é um problema maior, claro que depois no plano técnico, há outras questões que entram aí, que é como é que depois tenho disponibilidade de tempo para investigar, para completar, porque sei lá, eu a cedo ou uma história qualquer, alguém conta-me uma história, eu não posso simplesmente dizer alguém me contou isto, quer dizer eu tenho que enquadrar história, eu tenho que aprofundar a história, eu tenho que refletir sobre a história, tenho que se calhar perguntar a uma outra pessoa que me ajuda a perceber este ou aquele aspeto, e isso obviamente toma tempo, mas eu costumo dizer que o meu dia tem vinte quatro oras, e eu para dormir bastam-me 5, portanto o dia é grande.

Padre Tony Neves, uma boa parte das suas histórias contam o Papa Francisco, estamos no decimo segundo ano do pontificado deste Papa, assim numa visão retrospetiva, como é que vê este pontificado?

Eu devo dizer que como toda gente fiquei surpreendido com a eleição, apesar da minha relação bastante próxima com a América latina do sul, Argentina é um dos países onde os espiritanos não trabalham, eu nunca fui a Argentina, um dos raros pais da América do sul que eu não conheço e por isso eu não conhecia pessoalmente o cardeal Giorgio Mario Bergoglio, não conhecia. Quando ele foi apresentado ao mundo e sobre tudo quando ele se apresenta naquela varanda da Basílica de são Pedro com aquela humildade, a pedir as pessoas que rezassem por ele, que o abençoassem, com aquela simplicidade a dizer sou um padre que venho do fim do mundo, foi lá que os cardeais me foram buscar. Aquele primeiro sinal a mim marcou-me muito foi assim uma atitude, e depois há todo um conjunto de dados que se vão acrescentando para mim uma das coisas importantes que marcam o seu pontificado é a alegria, e reparemos que os seus primeiros documentos todos falam da alegria, a alegria do evangelho, a alegria do amor, alegrai-vos e exultai, todos de uma forma ou outra falam disso quando ele  vai buscar Francisco da Assis “Laudato si” é tudo, é louvor, é festa, é comunhão é opção pelos pobres, há um conjunto de valores que o Papa Francisco tem tentado testemunhar, aprofundar, propor, viver que são também valores que eu como missionário espiritano cultivo com muita seriedade, muitas vezes não sou aquilo que Deus gostaria que eu fosse, mas esses valores profundos que o Papa tem veiculado, são valores que  eu também partilho e julgo serem absolutamente evangélicos, talvez por isso desde a primeira ora, este Papa me tem fascinado e agora tem me fascinado pela capacidade de diálogo, pela abertura,  pela ida às periferias, são valores que são absolutamente decisivos para a credibilidade da Igreja, mas sobretudo para a missão da Igreja.

Ontem foi divulgado a quarta encíclica do Papa Francisco “Amou-nos”, Dilexit nos” poderia dar-nos assim uma leitura desse documento no conjunto do pontificado do Papa Francisco e das suas encíclicas e seus documentos?

Eu já li, já sublinhei, já tenho assim os dados ressaltados para fazer um lusofonias e eu acho que o Papa Francisco quer de todo modo que nós olhemos para Cristo, como o grande cardiologista que tenha um grande coração mas que sobretudo tenha uma grande capacidade de tratar corações e então o que eu acho interessante neste documento, é que é estudado de uma forma muito profunda e radical, o mundo que parece ter perdido em alguma dimensão o seu coração, porque há muitos problemas cardíacos no nosso mundo, seja muita injustiça, muita fome, muita violência, muita guerra, muita desigualdade, também muito afastamento a Deus, que é enfim o cardiologista por excelência. E esses valores segundo o Papa, segundo esta encíclica resultam de alguma incapacidade que temos mostrado, em olhar para Deus como a fonte do amor e por isso o Deus ama-nos remete para o essencial da vida para o essencial da humanidade, para o essencial da Igreja, temos que amar, “como o Pai me amou eu vos amei e vocês serão meus amigos se vos amardes, uns aos outros como irmãos”, quer dizer, no fundo no fundo é esta a mensagem, um mundo que tem problemas cardíacos ou seja tem alguma dificuldade de amar a solução está na fonte, o coração de Jesus e por isso olhemos para este coração trespassado, para este Deus que se oferece que se dá pela vida dos outros e façamos aumentar os índices de amor na humanidade, acho que isto resume o essencial desta encíclica.

Portanto, poderíamos dizer que é uma encíclica que é a chave de interpretação deste pontificado?

Sim. Li também diversos comentários nesse sentido e concordo. Esta encíclica acaba por resumir as grandes linhas do pensamento do Papa Francisco a misericórdia, a ternura, a escuta dos outros, a atenção a quem é pequenino, o ter muito cuidado com desumanidade em atitudes, em decisões políticas, em decisões económicas, em partilhas sociais, eu creio que isso tudo está muito presente na encíclica e sobretudo, há propostas porque o que eu acho de bom neste Papa Francisco é um bocadinho a tradição da Igreja, nós não passamos a vida a deitar a baixo, não passamos vida a denunciar, nós denunciamos o que é de denunciar, mas sobretudo nós anunciamos, propomos, lançamos reflexões que abrem caminhos de felicidade de mais humanidade de salvação dizemos nos, em linguagem mais cristã.

Na apresentação do seu livro, feita pelo cardeal José Tolentino de Mendoza, uma das coisas que o cardeal dizia é que o Padre Tony Neves, é sim um viandante, mas um viandante funcional, e suas viagens poderiam quase ser equiparadas às viagens missionárias de são Paolo ...

Eu achei piada ao que ele disse que caraterizar-me como um viajante funcional, e aí eu tenho a agradecer-lhe isso porque ele esclareceu um ponto que para mim é importante, que é eu não ando por aí a ganhar milhas nas agências aéreas ou seja não passeio por passear, eu todas as minhas viagens são por causa de uma missão, eu viajo porque tenho que viajar, mas as pessoas que me leem, eu tento explicar-lhes onde é que estou e o que que estou a fazer, o que que me levou ali, e como é que eu estou a ver aquela realidade, daquelas pessoas e por isso as pessoas podem viajar comigo a custo zero, as pessoas não pagam, agora eu claro tenho que pagar as minhas viagens, mas são viagens funcionais quer dizer são viagens missionárias e eu faço isso porque tenho uma objetivo missionário e, ao equiparar-me a são Paolo, obviamente que o cardeal não me quer pôr ao nível de são Paolo, a única coisa que quer dizer é que as minhas viagens são como as viagens do são Paolo em função dum trabalho, em função de uma missão, é nesse sentido.

Gostei muito de ouvir a citação que fez do nosso colega o Filomeno Lopes, quando dizia “todos somos corresponsáveis pelas vidas uns dos outros, todos guardiões das nossas vidas (...), mas ninguém é dono ou dona da vida dos outros” ...

Eu escolhi do Filomeno esta citação que é tirada da última obra dele “não amo os racista amadores”, e eu tirei esta frase porque eu acho que é uma frase que traduz bem o que a humanidade precisa de fazer, que é assumir a corresponsabilidade que temos uns com os outros ou seja quando eu vejo que alguém está a passar mal, que tem fome que é vitima de violência, que é vitima de injustiça, não posso achar que esse é um problema dessa pessoa e ela que se arranje, não, se somos verdadeiramente humanos nós temos que pegar na “Gaudium et Spes” naquele início muito profético que diz “as alegrias e tristezas,  angústias e esperanças das pessoas hoje, têm que ser as minhas enquanto Igreja, alegrias e tristezas, angústias e esperanças”, e eu creio que é isso que o Filomeno também diz: a nossa corresponsabilidade, pelo andar da humanidade, e se há coisas de que nos podemos gloriar, quer dizer, nós estamos todos a colaborar para que o mundo seja mais humano, há coisas muito boas no nosso mundo mas infelizmente também há muitas dimensões da vida que estão a andar pra trás, e há indicadores que são preocupantes sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento, a guerra, a violência, a injustiça, a política, a liberdade; e há indicadores que alguns deles são claramente negativos, somos corresponsáveis, portanto temos que nos comprometer e esse é o perfil do cristão, o cristão, a pessoa cristã tem que se comprometer na construção dum mundo mais humano, mais fraterno, mais cristão e é mais ou menos por essas palavras que o Papa Francisco termina esta última encíclica.

Padre Tony Neves temos aqui o “Lusofonias: de Roma para o mundo, segundo volume”, quer dizer alguma coisa aos nossos ouvintes quanto a este livro e quanto às suas crónicas semanais?

Os livros estão a aparecer com uma periodicidade de três anos, com este titulo “Lusofonias” e a minha ideia é mesmo que estas crónicas dispersas por uma série de rádios e websites e plataformas on-line facilmente se perderiam porque a gente sabe que tudo que é on-line e que é sobre posto, se não houvesse depois um esforço de compilação e de meter juntos aquilo que aparece de forma dispersa ao longo do tempo pronto, e é a razão porque estou a fazer esse esforço e tenho colaborado na plantação de muitas arvores porque também não quero que este livro constitua um desastre ecológico, mas para mim é importante que as cronicas estejam juntas daí a razão do investimento. Em relação ao projeto mais largo, eu quero continuar a refletir sobre o mundo, sobre a Igreja, sobre a missão, sobre a justiça, sobre a paz sobre a solidariedade, quero chamar os bois pelos nomes, ou seja, há muita situação que também é de injustiça é de falsidade, é de violação dos direitos humanos, também quero pôr o dedo nessas feridas, mas o meu grande objetivo é fazer com que o mundo avance, é anunciar o evangelho. Quando o cardeal diz as viagens do Tony são como as de são Paolo, espero que naquele sim dele tivesse só mesmo isto, essa ideia. O Tony quer anunciar o evangelho, quero, não o faço de forma perfeita, estou muito longe de ser um são Paolo, mas o objetivo é esse e espero com esse projeto “Lusofonias” dar uma pequenina colaboração para que esse evangelho chegue cada vez a mais pessoas e com mais profundidade

Estamos muito a gradecidos. Tantas vezes o Padre Tony Neves termina com uma parábola, se tiver alguma pode contar ...

Posso contar a parábola que ouvi em Souanké que é nos confins do Congo Brazzaville, lá na fronteira já com os Camarões, numa área florestal onde a maioria dos povos que os espiritanos acompanham, são povos “Baka” [batalhadores] que na Europa nós costumamos chamar pigmeus, mas é um termo que não se deve usar porque é considerado um bocadinho ofensivo, portanto. Então ouvi lá um dos padres que lá está a contar a estória de que, numa savana viviam apenas um leão que era muito velho já, e depois três búfalos potentes muito fortes, um branco, um preto e um castanho, e o leão bem queria comer aí umas febrazinhas de búfalo, mas os búfalos eram muitos unidos, sempre que o leão se aproximava, bastava os búfalos apontar-lhe os cornos o leão dava meia volta, até porque estava um pouco velhito, e ia dar uma volta

Mas o leão tinha muita sabedoria por causa da idade, e pensou: eu vou resolver isto, eu vou criar uma estratégia para comer carne de búfalo fresca e então pensou e mandou uma mensagem, não sei se foi um WhatsApp ou que ao búfalo preto a dizer assim “olha, vocês estão sempre aí a defender-se uns aos outros, mas eu já vi não sei em website qualquer, o tempo da próxima estação seca, e a seca vai ser muito forte, o que quer dizer que o capim vai ser muito muito reduzido, para três não vai chegar, para dois acho que mais ou menos, por isso por favor fala com o búfalo branco e diz-lhe que me abandonem um bocadinho o búfalo castanho, eu vou tratar do búfalo castanho, e na próxima estação seca o capim é de vocês os dois”. O búfalo preto disse é verdade o capim é pouco, vamos fazer assim e abandonaram o búfalo castanho que o leão obviamente atacou e comeu. Ao fim de poucos meses já o leão estava com fome outra vez, mais o búfalo branco e búfalo preto eram muito amigos e não havia hipótese de aproximar, até que também conseguiu mais uma vez mandar uma mensagem ao búfalo preto a dizer: “olha, li as informações do tempo e a próxima estação vai ser mais terrível que a anterior, o capim vai praticamente acabar p’ra dois, vocês vão morrer os dois à fome, p’ra um acho que vai dar por isso abandona-me um bocadinho o búfalo branco e isto é tudo teu, e  ele achou que sim senhor, abandonou o búfalo branco e o leão comeu o búfalo branco, claro que uns meses mais tarde o leão teve fome e dirigiu-se imediatamente ao búfalo preto que estava sozinho e era presa fácil.

Na altura ainda antes do leão atacar o búfalo preto, este teve uma reação final que foi: “eu se calhar estou a pensar que agora vou ser comido pelo leão, mas a verdade verdadinha é que eu comecei a ser comido no momento em que eu e o búfalo branco decidimos abandonar o búfalo castanho”. Eu ouvi esta história, e disse, a gente quer falar de corresponsabilidade de fraternidade, de mútua proteção, esta história é absolutamente fantástica.

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29 outubro 2024, 14:06