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Papa Francisco com Mar Awa III, Patriarca Catholicos da Igreja Assíria do Oriente e delegação Papa Francisco com Mar Awa III, Patriarca Catholicos da Igreja Assíria do Oriente e delegação  (VATICAN MEDIA Divisione Foto)

Inclusão de Isaque, o Sírio, no Martirológio Romano, ‘um maravilhoso passo em frente’

O Vatican News conversou com Sebastian Brock, um dos maiores estudiosos do cristianismo siríaco do mundo, sobre a recente decisão do Papa Francisco de incluir Santo Isaac, o Sírio (ou Isaque de Nínive), do século VII, no Martirológio Romano.

Joseph Tulloch - Cidade do Vaticano

No início deste mês de novembro, o Papa Francisco anunciou que Isaque de Nínive (ou Isaac, o Sírio), místico e eremita do deserto do século VII, e um santo da Igreja do Oriente*, seria inserido no Martirológio Romano.

Já há muito Santo Isaac era conhecido pela beleza e força de seus escritos espirituais, mas até agora não era oficialmente venerado fora de sua Igreja nativa do Oriente - uma antiga Igreja cristã autóctone do atual Iraque e Irã, que se separou do resto do cristianismo após o Concílio de Éfeso em 431.

O Vatican News entrevistou Sebastian Brock, um dos maiores estudiosos do cristianismo siríaco do mundo. A transcrição a seguir foi levemente editada poe estilo e brevidade.

Como o senhor reagiu à notícia de que Santo Isaac seria inserido no Martirológio Romano?

Bem, fiquei absolutamente encantado. Acho que é um avanço maravilhoso. Curiosamente, acontece que a Igreja do Oriente só colocou oficialmente Isaac no calendário alguns meses antes, em um Sínodo, se não me engano em abril. Esta é uma das curiosidades sobre o status de Isaac — ele é imensamente popular no mundo ortodoxo, mas, até os tempos modernos, ele nunca havia sido formalmente canonizado por nenhuma tradição. Outra coisa intrigante sobre Isaac — suponho que você poderia chamar isso de uma espécie de "canonização não oficial" — é que a Igreja Greco-Ortodoxa em Doha, Catar, é na verdade dedicada a "Santo Isaac do Catar", porque agora é reconhecido que Isaac é oriundo daquela região. Então é por isso que estou realmente encantado com esta decisão do Papa, e acho que é muito importante por todos os tipos de razões. Isaac é um santo ecumênico - ele é reverenciado em todas as tradições orientais, não apenas no Oriente Médio - mas até recentemente ele nunca tinha sido oficialmente canonizado por ninguém.

Na sua opinião, este é um passo em frente nas relações entre a Igreja Católica e a Igreja do Oriente, e talvez com as Igrejas Orientais de forma mais ampla?

Eu acho que é um passo em frente. Espero que estimule outras pessoas a tomarem conhecimento. Estou particularmente interessado no que pode acontecer na tradição copta, porque a Igreja copta Ortodoxa sempre considerou muito as obras de Isaac - ele estava por trás do renascimento monástico na década de 1960 - mas ele vem da Igreja do Oriente, o que infelizmente, pelo menos na visão do [anterior Papa copta] Shenouda, é inaceitável. A Igreja do Oriente foi impedida de se unir ao Conselho de Igrejas do Oriente Médio, o que é realmente uma tragédia. É horrível que uma Igreja autóctone do caráter venerável da Igreja do Oriente seja impedida desse órgão tão importante. Se a decisão do Papa terá algum efeito sobre isso, eu simplesmente não tenho ideia.

 

Esta não é a primeira vez que o Papa Francisco insere um santo não católico no Martirológio Romano; ele também o fez com os mártires coptas há cerca de um ano. Como alguém que dedicou sua vida ao ecumenismo, bem como aos estudos siríacos, qual é sua avaliação desses gestos?

Eu acho maravilhoso. É, por assim dizer, a contrapartida de algo que a Igreja do Oriente fez há cerca de 15 anos ou mais, que é remover todos os anátemas sobre santos de outras Igrejas. Acho que a Igreja do Oriente é a única que fez isso oficialmente, e é um movimento maravilhoso. A iniciativa do Papa é, por assim dizer, o oposto da maneira usual de proceder, e eu sou totalmente a favor. Obviamente, no caso de alguns santos, seria bem difícil - certos santos seriam bem difíceis de serem aceitos na tradição católica romana. Um equivalente ortodoxo sírio de Santo Isaac seria Severo de Antioquia, que é um grande santo na tradição siríaca, mas se opôs fortemente ao Concílio de Calcedônia e escreveu contra ele. Pode ser problemático para a Igreja Católica Romana aceitar alguém assim. É muito melhor escolher um santo monástico - eles são bem inofensivos!

 

O que os católicos podem aprender com Santo Isaac?

Isso é bem difícil de dizer! Acho que o que mais me impressiona nos escritos de Isaac é que ele tem a habilidade de falar através dos séculos. Embora seu público em sua época fosse provavelmente inteiramente monástico, muito do que ele diz é realmente muito aplicável a qualquer cristão, leigo ou não. Isaac certamente fala comigo, e sei que ele fala com muitas outras pessoas hoje. Há uma passagem maravilhosa em um livro de um monge grego no Monte Athos, descrevendo o efeito de dar a um novato alguns escritos de Isaac para ler. O novato diz que Isaac é como alguém contemporâneo que vem e coloca os braços em volta de seus ombros e o encontra onde ele está. Acho que há muita verdade nisso, e tenho certeza de que muitas pessoas tiveram esse tipo de experiência.

Algo que o senhor gostaria de acrescentar?

Acredito que esse tipo de ação por parte do Papa é realmente encorajador. Acho que é um caminho maravilhoso a seguir. Se cada um dos encontros do Papa fosse com um Patriarca de uma das Igrejas Orientais, poderíamos passar por muitos santos...

*A Igreja do Oriente ou Igreja Siríaca Oriental, também chamada Igreja de Selêucia-Ctesifonte, Igreja Persa, Igreja Assíria, Igreja da Babilônia ou Santa Igreja Católica Apostólica do Oriente, ttambém erroneamente conhecida no passado como Igreja Nestoriana, é uma Igreja Cristã Oriental pertencente à Tradição Síria.

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29 novembro 2024, 08:17