LUSOFONIAS: Natal ao som de tiros, na Matola
Tony Neves, na Matola - Moçambique
O domingo 22 foi agitado, com a celebração da Missa na Capela de S. Rafael, paróquia de S João de Deus, naquelas complicadas periferias de Nampula. Participou uma multidão de fiéis em festa, na véspera do dia 23, aquele que se adivinhava violento. Percebi que tinha diante de mim pessoas que, no dia seguinte, estariam a praticar violência umas contra as outras, uma vez que pertenciam a partidos diferentes. Além da grande intenção da Missa ser a pacificação de Moçambique, concluí com um pedido: ‘por favor, que nenhum de nós aceite praticar a violência!’. Os graves incidentes do dia seguinte confirmaram os meus receios!
O P. Alberto Tchindemba, Superior dos Espiritanos em Moçambique, acompanhou-me ao aeroporto onde, pelas 13h, o avião vindo de Chimoio me levou até Maputo. Tudo parecia pacífico demais, só as conversas cruzadas iam levantando o véu dos riscos de violência pesada em todo o país, que resultaria da contestação feroz à fraude que a oposição via nos resultados finais das eleições.
Aterrado no Aeroporto de Maputo, soube que as malas ficaram para trás. Fomos para o Seminário de S. Agostinho, na Matola, situado a uma dúzia de kms, como estava previsto para a conclusão da minha visita a Moçambique. Tudo calmo demais, naquela tarde de domingo. Como havia outro voo de Nampula, com chegada prevista às 23h, o P. Nito Chatulica, Reitor do Seminário, levou-me de regresso ao aeroporto onde recolhemos as malas e voltamos à Matola, chegando após a meia noite. E, para meu espanto, nada mexia, tudo estava pacífico demais!
Mas – como previsto - o dia 23 já acordou agitado, com muitas barreiras nas estradas na expectativa do que diria a Presidente do Conselho Constitucional. O líder da oposição, Venâncio Mondlane, que se proclamou vencedor das eleições e acusara de fraude o processo eleitoral, colocou nas mãos da Dra. Lúcia Ribeiro uma bomba-relógio – como dizia o semanário Savana, de 20 de dezembro, na 1º página!. Esta, a partir das 15h, durante 1h45 minutos, explicou o porquê do Conselho validar todas as eleições, refutando as queixas apresentadas pela oposição. Assim, o Conselho Constitucional declarou a Frelimo vencedora absoluta e o previsto caos tomou conta do país. Os media e as redes sociais mostraram imagens de grande violência em diversas cidades e municípios, com manifestantes a bloquear estradas, queimar pneus, destruir estruturas da Frelimo e do seu Governo, partir e pilhar armazéns e lojas comerciais. Membros e bens das lideranças da Frelimo e Polícias foram os grandes alvos da fúria das populações.
Com o caos instalado, confinou-se o Natal. Em boa parte das Igrejas não houve nem Missa do Galo nem Missas no dia de Natal. O Seminário de S. Agostinho, aqui na Matola, está a paredes meias com o Noviciado das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora Mãe de África, uma família religiosa fundada pelo Cardeal D. Alexandre Santos, Arcebispo de Maputo. Assim, a ‘Missa da Meia Noite’ foi celebrada na Capela das Irmãs, ao fim da tarde, a que se seguiu um jantar festivo, sempre ao ritmo dos tiroteios que se escutavam, ao longe e ao perto. A noite e a manhã de Natal continuaram marcadas pelo barulho dos tiros e pelas conversas das pessoas que passavam junto ao Seminário com sacos de arroz às costas, após invasão e pilhagem de um grande armazém aqui perto. Foi neste ambiente que, desta vez na Capela do Seminário, os Padres e as Irmãs celebraram, com a solenidade possível, a Missa de Natal. E os tiros foram aumentando de intensidade ao longo da tarde. De facto, mais uma vez se verificou que, aliados a grandes causas, sempre aparecem grandes bandidos a aproveitar das manifestações promovidas em nome dessas causas. Matar, destruir e pilhar são verbos que não abrem portas a nenhum futuro!
A TAP, a TAAG e outras empresas de navegação aérea foram informando o cancelamento dos voos para Maputo, evocando razões de segurança. A verdade é que, mesmo que os voos não fossem cancelados, quase ninguém conseguia chegar ou sair do aeroporto!
A única certeza que todos partilham é que nada ficará como dantes. Ninguém ousa arriscar que o futuro pode o povo moçambicano esperar, mas as populações perderam o medo em relação à polícia, aos militares e aos líderes do partido, entidades todo-poderosas e intocáveis, até agora.
Seja feito tudo o que se puder para que regresse a ordem social, pois o povo simples e pobre não aguenta mais. Mas só haverá futuro risonho para Moçambique com verdade, justiça, paz e desenvolvimento integral.
Faço votos que 2025 seja um ano que respeite a dignidade e os direitos de todos.
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