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Isabel Jonet, presidente da Federação Portuguesa dos Bancos alimentares contra a Fome Isabel Jonet, presidente da Federação Portuguesa dos Bancos alimentares contra a Fome   (Rádio Renascênça)

Portugal. Isabel Jonet alerta para uma “transmissão intergeracional da pobreza"

A presidente da Federação Portuguesa dos Bancos alimentares contra a fome assinala a capacidade comunicativa do Papa Francisco na denúncia da pobreza e, em particular, a sua recomendação para que “haja uma articulação entre as várias entidades que no terreno apoiam a pobreza”.

Rui Saraiva – Portugal

Decorreu em Portugal nos dias 30 de novembro e 1 de dezembro mais uma campanha de recolha de alimentos para o Banco Alimentar contra a fome. A presidente da Federação Portuguesa dos Bancos alimentares contra a fome, Isabel Jonet, foi a convidada da entrevista conjunta da Rádio Renascença e da Agência Ecclesia no passado domingo 1 de dezembro. Damos nota aqui do essencial dessa entrevista concedida aos jornalistas Henrique Cunha da Rádio Renascença e Octávio Carmo da Agência Ecclesia.

P: A “casa” Banco Alimentar Contra a Fome alberga cada vez mais pessoas. Ao contrário do que acontece, por exemplo, na questão da crise da habitação, em que pretendemos alojar todas as pessoas que precisam, a Casa Banco Alimentar terá certamente mais sucesso quanto mais vazia ficar. Pergunto: estamos a fazer o necessário para “desalojar” os inquilinos desta casa?

R: Bom, eu diria que o Banco Alimentar é uma casa com várias moradas. E estas várias moradas são todas as instituições de solidariedade social que, no terreno, ajudam cada uma das famílias. Efetivamente, a nossa taxa de sucesso total era quando pudéssemos encerrar o Banco Alimentar, porque não haveria pessoas a precisar de ajuda. Hoje, não é isso que se passa. Aquilo que vemos é que - infelizmente e apesar de muitas medidas sociais que têm sido tomadas - alterou-se um pouco o perfil das pessoas que pedem ajuda, que precisam de receber ajuda, porque nem todos a pedem. Temos ainda muitas pessoas que dependem da solidariedade de terceiros para poderem chegar até ao fim do mês e ter uma vida mais ou menos digna.

P: Os números mostram que há mais pessoas em situação de pobreza ou em risco de exclusão social, mas falou de uma mudança de perfil. O perfil já não é só o número, é aquilo que define as pessoas. O que é que se está a passar? Por que há um tipo de pessoas diferente a chegar aos bancos alimentares e a pedir ajuda?

R: Os números também são importantes. Eu, sendo economista, gosto de números porque ajudam a quantificar a situação. Hoje, aquilo que é certo é que um quinto da população portuguesa vive com menos de 525 euros por mês. Ora, isto é tremendo: um quinto das pessoas portuguesas vive com muitas dificuldades.

Hoje, temos um perfil diferente daquele que existia quando cheguei ao Banco Alimentar há 32 anos. Dantes, tínhamos, sobretudo, pessoas idosas, que tinham baixíssimas pensões de reforma, muitas vezes mulheres, viúvas, que não tinham tido uma carreira contributiva, e pessoas que não tinham as competências necessárias para o mercado de trabalho. Hoje, apesar de tudo, a situação dos idosos - não é que tenha melhorado -, está menos má porque, apesar de tudo, temos pensões de reforma muito, muito baixas, mas as medidas sociais têm permitido algum pequeno fôlego a estas pensões mais baixas. E também um conjunto de outras prestações sociais como, por exemplo, com participação na totalidade dos medicamentos, etc.

Mas temos hoje trabalhadores pobres, pessoas que têm um trabalho, que têm um salário, que já trabalham num horário completo e, por vezes, andam a saltitar para completar essas horas de trabalho, têm filhos, muitas vezes são mais novas, mas para elas o peso da habitação representa, por vezes, mais de 60% do rendimento disponível. E esse rendimento disponível já de si é muito baixo.

P: Não conseguem escapar à situação de pobreza, mesmo trabalhando?

R: Não, não conseguem porque o peso da habitação é muito elevado, mas também porque, quando tentam procurar uma casa mais barata… Estamos a falar de famílias que dividem apartamentos e que têm cada uma um quarto… No mesmo espaço tem de dormir um casal e os filhos, em colchões. Estas pessoas não vivem de molde a construir uma família que, harmoniosamente, se possa desenvolver enquanto tal.

P: Tem vindo a chamar a atenção nos últimos tempos para a realidade dos trabalhadores pobres. É uma realidade que está a aumentar? E isso é decorrente da crise da habitação?

R: Vem aumentando de forma preocupante, porque, como disse, muitas destas famílias têm crianças, mas vem aumentando sem se ver muito bem como é que isto se vai resolver, porque não basta dar dinheiro e dar apoios sociais, porque aquilo que as pessoas precisam é de uma habitação mais condigna, mas sobretudo, de um emprego que não seja precário e com o qual possam ganhar o suficiente para todas as necessidades do seu agregado familiar. Portanto, enquanto a máquina da economia não se puser em marcha, gerando riqueza e, com isto, eu quero dizer criando melhor e mais emprego, não vejo como vamos conseguir dar a volta a esta situação.

Há também um fator que é muito crítico: nós temos, hoje, muitos trabalhadores precários que vivem de biscates e, portanto, para além de um trabalho declarado, têm um emprego fora da economia, mas que exige um esforço muito, muito grande em termos de horário e acabam por andar a correr de um lado para o outro, muitas vezes são as mulheres, descurando aquilo que era necessário, porque não têm capacidade nem alternativa, isto de forma muito realista, para poder levar para casa o dinheiro todo que precisavam para os filhos terem uma vida confortável.

P: Voltando à realidade da Federação dos Bancos Alimentares, há um aumento no número de pedidos de ajuda?

R: Eu não diria que os números estão a aumentar, mas que os números não estão a diminuir e é isso que me preocupa: apesar dos apoios sociais e apesar de, ano após ano, se falar disto, de termos estatísticas e sucessivas entidades preocupadas com o tema da pobreza, o número dos pobres não diminui e a taxa de pobreza não diminui. Então, a pobreza alterou-se, o peso que ela tem hoje na sociedade portuguesa é muito, muito elevado.

P: Qual é a perceção que tem sobre a razão de as estratégias não estarem a funcionar?

R: Por um lado, acho que não conhecemos exaustivamente o problema, mas, sobretudo, há medidas que são transversais, porque tem de ser assim, mas que não são adequadas a algumas das situações que são especiais. O que é que nós estamos a fazer? Estamos a padronizar respostas, muitas vezes dando soluções que não são as mais adequadas e tirando, até, aos apoios sociais a capacidade de intervir onde eles são mais necessários. O Estado tem de ajudar mesmo aqueles que precisam e esses têm de ter um apoio. Para tudo o resto, têm de ser criadas condições para que não precisem. Ora, as medidas sociais que temos hoje perpetuam esta situação de assistencialismo e de pobreza porque as pessoas habituam-se a viver com os mínimos sabendo que, se pedirem apoios onde quer que existam, estes vão acabando por aparecer e as pessoas perdem até uma ambição de exigir mais e melhor.

Há que, de forma objetiva, segmentar as várias situações de pobreza e tratar diferente daquilo que é diferente. Tratar a situação dos reformados com pensões baixas de uma maneira, tratar a situação dos sem-abrigo de outra maneira. Mesmo na questão das pessoas sem-abrigo, saber aqueles que estão na rua porque têm problemas de álcool e drogas e aqueles que estão na rua porque não têm casa e trabalho.

Segmentar de forma a ir retirando a cada uma destas categorias todas aquelas pessoas ou famílias que se conseguem ir salvando de uma situação que é indigna, mas dando alguma esperança e não trazendo um conformismo para que os pobres achem que há uma transmissão geracional de pobreza que é natural. Em Portugal, temos uma transmissão intergeracional da pobreza que é elevadíssima e as pessoas parecem quase que estão conformadas com isso.

P: Isso significa que ser pobre é mesmo uma fatalidade no nosso país?

R: Em muitos casos, é e as pessoas estão conformadas com isso. Nós temos hoje pessoas mais qualificadas, a escolaridade é muito mais elevada e, portanto, as pessoas têm mais conhecimentos e isso deveria significar que têm melhores empregos. Mas o que é que temos? Temos, por vezes, pessoas licenciadas que estão a exercer um trabalho que deveria ser desempenhado por pessoas menos qualificadas. Temos hoje caixas de supermercado que são pessoas licenciadas, que não encontram um lugar para as suas qualificações porque elas são desadequadas e, portanto, estão a retirar pessoas que teriam capacidade e competência para fazer esse trabalho que é mais bem remunerado e estão fora do mercado. Ainda por cima, temos muitos jovens que, se puderem, vão embora de Portugal porque aqui não veem futuro e isso é terrível.

P: Faço-lhe uma pergunta sobre uma figura que tem sido muito relevante nesta denúncia da pobreza e do sistema que promove a exclusão, que é o Papa Francisco. Ele tem falado muito no descarte dos mais vulneráveis. É uma voz que precisa de ser mais ouvida?

R: Eu penso que o Papa Francisco tem uma comunicação como nunca nenhum Papa teve. Primeiro porque ele, por si próprio, é um comunicador, mas, depois, porque está numa época onde é muito mais fácil comunicar e onde tudo aquilo que se diz chega mais rapidamente a quem quer ler. O que eu pergunto é se todos querem ouvir e querem ler aquilo que o Papa Francisco diz.

Porque, por exemplo, o Papa Francisco recomenda que haja uma articulação entre as várias entidades que no terreno apoiam a pobreza e nós ainda vemos, em zonas muito bem definidas, que as instituições, ao invés de colaborarem, se disputam...

P: Quando não há mesmo uma sobreposição…

R: Há sobreposição naquilo em que devia haver uma complementaridade. E, portanto, aquilo que eu tenho recomendado é que, para cada família carenciada, se tenha uma espécie de gestor de caso que possa acompanhar essa família em todas as suas necessidades, seja de saúde, seja alimentar, seja de educação.

P: Está previsto numa estratégia em combate à pobreza…

R: Mas, às vezes, quando as previsões não saem do papel, é mais difícil. Portanto, muitas vezes, aquilo a que temos assistido é que as próprias instituições que se organizam no terreno e que fazem espoletar uma situação que poderia estar prevista, mas não é concretizável, se elas próprias não quiserem. E é isso que nós vemos, é que hoje, muitas vezes, são as entidades no terreno que não querem que se mude o "status quo".

Ora, enquanto não se mudar, e é isso que o Papa Francisco diz de uma forma muito clara, enquanto não olharmos para as pessoas mais carenciadas como alguém que precisa de um olhar que não é apenas caritativo, é um olhar total e integral sobre cada uma dessas pessoas, não vamos conseguir ter fórmulas que promovam as autonomias e as responsabilidades.

Segundo a Federação Portuguesa dos Bancos alimentares contra a fome na campanha deste início de mês de dezembro foram arrecadadas 2213 toneladas de alimentos que serão distribuídas por mais de 2400 Instituições de Solidariedade Social que abrangem cerca de 380 mil pessoas.

Oiça

Laudetur Iesus Christus

 

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10 dezembro 2024, 13:05