Busca

Arcebispo de Teerã, dom Dominique Joseph Mathieu, será criado cardeal no sábado Arcebispo de Teerã, dom Dominique Joseph Mathieu, será criado cardeal no sábado 

Irã terá seu primeiro cardeal. Saiba quem é o franciscano e astrônomo Dominique Joseph Mathieu

«Ao longo da minha vida, aprendi a viver em situações de fronteira, a reconhecer a diversidade e a libertar-me dos estereótipos e dos clichês no olhar pessoas e povos. Certamente a população do Irã é muito acolhedora e percebo que é um país cheio de contrastes, longe das caricaturas que circulam”, diz o arcebispo de Teerã, que será criado cardeal no próximo sábado. No Irã, os católicos de rito latino são cerca de 2.000 pessoas, das quais pelo menos 1.300 são provenientes das Filipinas.

por Gianni Valente

O Papa Francisco chamou-o para guiar a antiga sede episcopal de Ispahan, ereta já em 1629, depois de ter mudado o  nome para Arquidiocese de Teerão-Isfahan dos Latinos. Depois decidiu criá-lo cardeal, no Consistório de sábado, 7 de dezembro.

Padre Dominique Joseph Mathieu, 61 anos, franciscano conventual, será o primeiro cardeal titular de uma sé episcopal em solo iraniano. Ele não ostenta “títulos” específicos que de alguma forma o predestinaram para tal posição. Não estudou e não se preparou toda a vida para assumir aquela singular missão, tão delicada.

No entanto, se agora olhar para trás, tudo se recompõe e se realinha em sua vida repleta de coisas. No fluxo das recordações, detalhes à primeira vista secundários aparecem para ele agora como peças-chave do percurso. E cada passo – confidencia hoje – “parece ter-me preparado de alguma forma para a condição que estou vivendo agora”.

Abadias, mosteiros e terras de fronteiras 

 

Dominique Joseph nasceu em Arlon, na Bélgica francófona, e cresceu na região flamenga de Bruges, a "Veneza do Norte". Das terras da sua infância e adolescência recorda também os mosteiros e as grandes abadias, como as de Orval e Zevenkerken, frequentemente visitadas com a família. E se depara imediatamente com as modulações invisíveis, linguísticas e culturais, que também dividem pessoas e classes colocadas pela história para partilhar o mesmo recanto do mundo.

Aos domingos, em Bruges, Dominique serve na Missa como coroinha até os 20 anos, também na catedral. Participa da Missa diária, junto com alguns amigos da escola. No início são cerca de dez, e no final dos seus cursos dois. A certa altura, por falta de participantes, a Missa deixou de ser celebrada. «Eu tinha 13 ou 14 anos», recorda hoje o arcebispo Mathieu, «e fui ao diretor da escola para perguntar se a celebração diária poderia ser restomada. O sacerdote voltava propositalmente à tarde, quando as aulas terminavam, para celebrar uma Missa especialmente para os estudantes. Ele fez isso durante vários anos, e muitas vezes o único presente na Missa era eu. Qando penso nisso, me toca mesmo agora. Foi um testemunho muito forte. Agora acontece também também comigo de celebrar sozinho. E então penso naquele padre, que durante muitos anos celebrou Missa para uma só pessoa, e fez isso por mim. Repito para mim mesmo que nem ele nem eu celebramos nunca sozinhos, porque a Missa é sempre celebrada em comunhão com toda a Igreja universal. E esta é a Igreja».

Jesus e as estrelas

 

Em Bruges, desde muito jovem, o futuro arcebispo de Teerã entrelaça o seu caminho cristão com a sua paixão pela astronomia. O seu primeiro telescópio chegou quando ele tinha 12 anos. À noite, perscruta o céu e as estrelas. «Mas eram como dois paralelos que seguiam separadamente. Até o dia em que percebi que mesmo perscrutando o espaço estava cheio de estupor e gratidão pelas maravilhas de Deus.”

Desde que é bispo, o padre Mathieu deixou um pouco de lado a astronomia. Muito pouco tempo e muito complicado para levar consigo os instrumentos para observar e fotografar as estrelas. Mas o surpreende o destino de viver hoje na terra onde os antigos sacerdotes perscrutavam o céu do alto dos Zigurates. E para os batizados que agora estão com ele, compartilha a sua outra paixão, a gastronomia, preparando doces e coisas boas para comer.

A Ordem franciscana

 

«Nasci no dia 13 de junho, dia de Santo Antônio de Pádua», recorda padre Dominique. E para ele é somente o primeiro sinal com que o Santo de Assis quis atrair a sua vocação para a grande família dos filhos de São Francisco. Mosteiros, encontros com histórias e epopeias franciscanas, como a dos Frades Capuchinhos que em Arlon, sua cidade natal, e em outros lugares escolheram viver nas colinas para vigiar e dar o alarme em caso de incêndios. No quarto da casa do avô encontra os livros de um parente distante que foi missionário capuchinho no Congo.

«Lia com paixão as histórias dos Oblatos de Maria Imaculada no Canadá e aquelas dos missionários jesuítas na China. Mas o livro que mais me impressionou foi um livro antigo sobre São Francisco, com páginas amareladas.”

Um padre de origem holandesa envia a ele material informativo sobre o franciscano conventual Maximiliano Kolbe, martirizado pelos nazistas. Assim, aos 16 anos, Dominique passou a Semana Santa no Convento dos Franciscanos Conventuais de Lovaina.

São os anos que se seguem ao Concílio Vaticano II, quando também a vida religiosa está buscando uma nova identidade. Há também tensões e dialéticas acaloradas. «No refeitório, vi padres discutindo entre si, e isso não me escandalizou, pelo contrário: significava que estávamos com os pés no chão, e os pades se mostravam pelo que eram, não querem oferecer de si mesmos e de sua vida no convento uma imagem adocicada."

Ao entrar na comunidade, padre Mathieu escolhe precisamente os franciscanos conventuais. Durante o período de formação passado na Bélgica, não faltam problemas. Na Flandres de então, havia uma hostilidade crescente em relação aos flamengos de língua francesa, identificados como uma aristocracia que no passado tinha feito sofrer os seus outros compatriotas. «Com o tempo - acrescenta o arcebispo de Teerã - conciliei-me também com aquele período cheio de tensões, o que me ajudou a tomar consciência da diversidade e também dos conflitos, sem cultivar preconceitos em relação aos povos e às culturas».

Dominique Joseph é o primogênito e tem duas irmãs. «Os meus pais diziam-me que estavam felizes com a minha vocação, nunca me bloquearam, mas repetiam-me: se vires que as coisas não vão bem, lembra-te que podes sempre voltar para casa. Isso me incomodou um pouco no começo. Então entendi que o maior sinal do amor deles era justamente deixarem sempre a porta aberta».

Depois do Noviciado na Alemanha, do período de estudos vivido em Roma, padre Dominique recorda também o tempo passado na prisão Regina Coeli, onde era capelão o seu confrade Vittorio Trani, há 50 anos grande testemunha da missão entre os presos. «Havia vários prisioneiros muçulmanos - recorda o arcebispo Mathieu - e queríamos fazer algo para lhes permitir ter um lugar para rezar na prisão. Era um problema novo. Encontramos os tapetes e o Alcorão oferecidos pela Mesquita dos etíopes. Funcionou por algumas semanas, então começaram as discussões. Na época, quem tinha que administrar logisticamente a iniciativa não sabia a diferença entre xiitas e sunitas... Voltando à Bélgica, também lá me interessei pela prática religiosa dos prisioneiros muçulmanos, mas lá o problema já era enfrentado há algum tempo, tudo já estava rigorosamente regulamentado e nós, cristãos, não podíamos sequer ter contacto com os muçulmanos para os ajudar. Foi então que fui estudar árabe literário na Mesquita...".

A missão em tempos de secularização 

 

Ordenado sacerdote, padre Mathieu regressa à Bélgica e vive mais de 20 anos a conotação missionária da sua vocação religiosa em terras de secularização, onde se sente fortemente o “desmatamento da memória cristã”, como dizia o cardeal belga Godfried Danneels. Hoje ele recorda: «Há tempos que não existiam vocações e havia um grande abismo entre mim e a geração anterior. Naquela situação, eu sabia que nunca receberia incentivo para partir em missão. A missão era ali"

Trata-se de. aceitar a realidade das coisas. As circunstâncias dadas. Padre Dominique torna-se Vigário Provincial e depois Provincial, enquanto o número de frades diminui. Sucedem-se fusões, movimentos e fechamentos de casas religiosas. Decide-se concentrar os franciscanos conventuais na casa de Bruxelas, onde têm o convento imerso nos bairros de imigração. Para não fechar a Província Belga, pede-se o apoio das outras Províncias conventuais da Europa. «Buscávamos os caminhos em meio às consequências da secularização e da globalização com que nos deparávamos». Leigos e leigas agregavam-se em torno ao padre Dominique. Uma comunidade que já então “mostrava ter necessidade da sua liberdade” para continuar a crescer ao longo do caminho.

A surpresa libanesa

 

Em 1993, o futuro arcebispo de Teerã viaja ao Líbano para a ordenação sacerdotal de César Essayan, seu colega de estudos, atual Vigário Apostólico de Beirute para os católicos de rito latino. Depois da guerra civil, Beirute ainda está tomada por escombros, com tanques por toda parte. No entanto, ele fica impressionado com a força de recomeçar das pessoas mais pobres, que permaneceram no país sofrendo sem poder partir, e com a fé das pessoas que encontra nos santuários. Dez anos mais tarde, e depois de um longo tempo de trabalho na Bélgica, a sua vida vira uma nova página, quando se torna disponível para ir para o País dos Cedros.

«Na minha viagem em 1993 vi que no Líbano havia um potencial de jovens a serem acompanhados em seu crescimento. Em Beirute, encontrei-me trabalhando em uma paróquia de língua francesa, onde pude imediatamente envolver-me em trabalhos pastorais”. No Líbano assumiu também a função de Mestre de Noviços. E experimenta a alegria de poder retomar os ritmos de vida comunitária, aos quais teve que renunciar durante os anos de missão na Bélgica.

No Líbano testemunhou as tensões entre o país, em particular o Hezbollah-Amal, e Israel ("Via no Bekaa o drone que sempre sobrevoava o país e, fazendo astronomia, calculei que passava cada minuto e 52 segundos"). Ainda no Líbano, pela primeira vez soube que nos Palácios Vaticanos começavam a avaliar a possibilidade de convidar um franciscano para ir como bispo ao Irã.

Um nome para o Irã

 

Em 2019, o Geral dos Franciscanos Conventuais pede ao padre Mathieu para retornar a Roma, à Cúria Geral na Basílica dos Santos XII Apóstolos, como Assistente Geral.

Naqueles anos, depois que diminuiu a presença de religiosos de rito latino no Irã entre 2015 e 2018, permaneceu sobre a mesa a proposta da Santa Sé aos Franciscanos Conventuais de indicar um dos frades a serem enviados ao Irã, até que o Padre Geral dos Conventuais o comunica  de ter indicado o seu nome em resposta ao pedido da Santa Sé. Mas são os primeiros meses da pandemia de Covid 19 e o padre Dominique Joseph é atingido por uma grave infecção pulmonar. Hoje ele diz: «Tinha comigo uma relíquia de São Charbel trazida do Líbano. Disse a mim mesmo: se eu morrer e o Senhor me acolher, não precisarei mais pensar em tudo isso. Então, em qualquer caso, não sou eu quem decide».

Em vez disso, o padre Joseph Dominique se recupera. Ainda em mau estado, dirige-se à Congregação para as Igrejas Orientais, onde os superiores lhe agradecem e lhe dizem que “o Santo Padre está muito feliz” com a sua disponibilidade para ir ao Irã. «Para dizer a verdade - confidencia hoje o arcebispo de Teerã–Isfahan - eu não havia comunicado oficialmente qualquer aceitação da minha parte. Não havia dito sim e não havia diro não. Havia somente aquele pensamento quando imaginei que poderia morrer, e havia colocado todas as decisões nas mãos do Senhor»..

Fora dos conformismos

 

Dominique Joseph Mathieu é nomeado arcebispo de Teerã-Isfahan dos Latinos em 8 de janeiro de 2023. Em sua nova aventura, ele percebe que atrás de si, a apoiá-o, está a fraternidade dos Franciscanos Conventuais: «Muitas vezes - reconhece o padre Mathieu  - quando se fala de Frades Menores Conventuais, dá-se maior importância à “pequenez    ” e à pobreza. Na realidade, deveríamos também colocar a ênfase na fraternidade. Antes de tudo, somos uma fraternidade." Em Teerã, agora, não há nenhum sacerdote que o auxilie no seu trabalho pastoral. E diferentemente das Igrejas católicas de outros ritos, aquela de rito latino não tem nenhum reconhecimento legal nem status jurídico definido. É também por isso que os encontros com funcionários de departamentos governamentais podem por vezes tornar-se cansativos.

Para constituir uma associação legalmente reconhecida, são necessários pelo menos 15 iranianos católicos latinos, e agora os membros da comunidade católica de rito latino presentes no Irã são principalmente estrangeiros, funcionários de embaixadas, mulheres provenientes das Filipinas, Coreia e outros países.

Por isso, hoje, o padre Dominique Joseph faz votos que o cardinalato recebido seja útil sobretudo para abrir portas e intensificar a sua consideração por parte dos aparatos iranianos, aumentando as relações e os contactos também por meio dos canais entre o Irã e a Santa Sé, que sempre permaneceram abertos após a revolução de Khomeini.

Existe uma continuidade específica na relação entre a República Islâmica do Irã e a Santa Sé que resiste a todas as campanhas anti-iranianas e à propaganda desenfreada no Ocidente.

«Ao longo da minha vida - sublinha o arcebispo de Teerã - aprendi a viver em situações de fronteira, a reconhecer a diversidade e a libertar-me dos estereótipos e dos clichês no olhar pessoas e povos. Certamente – continua padre Dominique – a população do Irã é muito acolhedora e percebo que é um país cheio de contrastes, longe das caricaturas que circulam”.

As portas fechadas podem se abrir

 

No Irã, os católicos de rito latino são realmente um pequeno rebanho. Cerca de 2.000 pessoas, das quais pelo menos 1.300 são provenientes das Filipinas. Pequenas realidades, que abrem questões sobre o sentido e o horizonte da missão, sobre a escolha de manter uma presença e também uma diocese naquela situação. O arcebispo de Teerã-Isfahan não hesita. Ele diz: «Um confrade irmãos me contou sobre uma pessoa que antes de se tornar cristãa rezou durante mais de 10 anos diante da porta fechada de uma igreja armênia no norte do Irã. Rezar diante de uma porta faz entender a importância de estar ali. Uma porta é uma porta, mesmo que permaneça fechada, e mais cedo ou mais tarde poderá abrir-se para mostrar o amor de Cristo por todos, com os gestos mais do que com as palavras, como sugeria São Francisco”.

No entanto, o trabalho ao qual dedicar tempo e energia está todo contido nas dinâmicas elementares da vida eclesial: as Missas, o catecismo, a celebração dos sacramentos, as obras de caridade. As mesmas dinâmicas que na ordinariedade dos dias eram vividas e partilhadas nos mosteiros e beguinários da Bélgica, entre os quais cresceu o padre Dominique.

*Agência Fides

Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui

04 dezembro 2024, 08:13