Síria, Zenari: abriu-se uma brecha de esperança, agora paz significa desenvolvimento
Antonella Palermo – Vatican News
No último dia do ano, o líder da Síria Ahmed al-Sharaa, também conhecido como Abu Mohammed al-Jolani, reuniu-se em Damasco com representantes do clero cristão, num contexto de preocupação entre as minorias sírias que esperam garantias do novo poder. Na sequência deste encontro, no Dia Mundial da Paz, celebrado em 1° de janeiro, o núncio apostólico na Síria, cardeal Mario Zenari, que atualmente se encontra na Itália de férias devido ao Natal, mantém uma linha direta constante com os delegados que chegaram na última terça-feira à capital síria vindos de diversas regiões do país. Eis sua entrevista ao Vatican News.
Eminência, que feedback recebeu e que valor tem o encontro nesta fase para a evolução das relações entre os cristãos e as autoridades políticas do governo?
É um acontecimento que na história da Síria era impensável até três semanas atrás. Ouvi alguns testemunhos, os bispos e sacerdotes presentes saíram com uma certa esperança pelo futuro da Síria. Ahmed Al Jolani prometeu que será uma Síria para todos, uma Síria inclusiva e no final desejou um Feliz Natal e um ano de paz. Devo dizer também que, como as autoridades religiosas chegavam de todos os lugares e as de Aleppo estavam um pouco atrasadas, ele quis esperar até que todos estivessem presentes: é algo especial que promete bem. Há uma semana eu também tive a oportunidade de conhecer o novo Ministro das Relações Exteriores, também sou decano do Corpo Diplomático, ele queria me ver. No nível de líderes concordamos, devo dizer, em alguns princípios e valores fundamentais. Naturalmente, será preciso ver os fatos, passar das palavras aos atos. Contudo, no encontro do último dia do ano e em outros encontros – em Aleppo, com os cristãos do centro e do sul – todos os bispos mostraram um certo otimismo, mas alguns cristãos, especialmente no início, permaneceram muito temerosos. Muitos queriam deixar a Síria imediatamente.
Que mensagem o senhor deseja enviar a esses cristãos?
Eu disse imediatamente aos cristãos: não tenham medo, permaneçam. Este não é o momento de deixar a Síria, mas é o momento, mesmo para os cristãos fora do país, de regressar, porque temos que estar na linha da frente. Como cristãos, esta possibilidade nos é dada, pelo menos em palavras. Devemos estar presentes na reconstrução da nova Síria, propondo os valores da salvaguarda dos direitos humanos, da liberdade e do respeito por todos. Não se pode perder isso! Cada um é livre, mas como núncio peço este compromisso, peço sobretudo às pessoas que possam dar contribuições particulares. A elaboração da nova Constituição começará em breve: apelei a quem tem alguma formação na área do direito constitucional, aos médicos, aos engenheiros. É hora de arregaçar as mangas. Disse isto a todos os sírios e aos cristãos em particular. Se um dia, eles não nos quiserem mais, a gente espera que não, então diremos ‘adeus’. Mas temos que estar presentes.
O Natal foi um momento de verdadeiro renascimento para vocês?
O Natal foi celebrado com este clima de alegria, de esperança. Porém, em certas comunidades, também com um certo receio. A este respeito, gostaria de dizer que quando vi na televisão o Papa que abriu a Porta Santa em São Pedro, pensei como a Síria estava morta, enterrada até poucas semanas antes. E eu, na iminência da abertura do Jubileu, fiz a consideração de que no coração de muitos na Síria não havia visão de futuro. De repente, de uma forma completamente inesperada, esta esperança sepultada reapareceu e uma brecha foi aberta. Não se abriu uma grande porta da esperança como a da Basílica de São Pedro, mas uma brecha, uma lacuna, porém, já é alguma coisa.
As portas das prisões na Síria foram abertas, para que a Comunidade internacional pudesse ver os danos causados pela contínua violação dos direitos humanos por parte do governo Assad. Quais são os seus sentimentos, eminência?
Grande dor, grande tristeza. É comovente. Também celebramos o Natal em valas comuns. Esses horrores eram conhecidos. Era quase impossível fazer alguma coisa, mas tinha que tentar. Estas portas do horror que se abriram representam também um exame de consciência para cada um de nós, para a Comunidade internacional: mais poderia ter sido feito para evitar toda esta dor. No entanto, agora também existe um certo receio. Referindo-se ao tema do Dia Mundial da Paz, o tema nos faz pensar porque existe um grande risco de cair na espiral da vingança e das execuções sumárias. Seria um erro cair nesta espiral. Há necessidade de reflexão também por parte da Comunidade internacional. A justiça deve ser regular, justa.
O Papa agradece a quem trabalha pelo diálogo e pelas negociações nas áreas de conflito. Olhando para a experiência síria e, de uma forma mais geral, para o contexto do Oriente Médio, o senhor também sente vontade de expressar agradecimento?
Tive da Providência, nos dezesseis anos que vivo na Síria, no meio de um conflito sangrento, a oportunidade de ver muitos bons samaritanos, pessoas de fé e de todas as confissões religiosas. Também pessoas animadas por uma concepção altamente humana da dignidade da pessoa. Muitas delas perderam a vida e foram mortas enquanto socorriam outras pessoas. Precisamos lembrar delas, temos um grande dever de gratidão.
Sei que entre os pontos que os cristãos, mas não só os cristãos, querem salvaguardar na nova Constituição há também este, no qual teremos de trabalhar. Gostaria também de fazer outro apelo. A comunidade, diante dessas lindas promessas, repete expressões como “esperar para ver”. Mudei, não gosto muito, melhor dizer “trabalhar para ver”. Lanço um grande convite à Comunidade internacional: trabalhe! É uma paz muito, muito frágil para a Síria. Um momento muito delicado. A paz é um dom de Deus que não somos capazes de construir, mas São Paulo VI disse: o nome da paz é desenvolvimento. Uma Síria destruída, com uma economia em ruínas, com infraestruturas danificadas, metade dos hospitais que não funcionam, escolas destruídas, pessoas que passam fome, que não têm eletricidade... Se queremos a paz na Síria, temos de garantir o desenvolvimento. O novo nome da paz é desenvolvimento para ajudar a Síria a manter-se de pé e caminhar autonomamente.
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