Ramadã: jejum que envolve o coração
Cidade do Vaticano
Domingo, 5 de maio abriu-se para os fiéis muçulmanos o mês do sagrado Ramadã, um período de oração e de jejum que terminará em 3 de junho com a festa do Aid al-Fitr a Celebração do fim do jejum. Neste ano o Ramadã chega poucos meses depois da publicação do Documento sobre a Fraternidade do Papa Francisco e do Grão-Imame de Al-Azhar Al Tayyeb, máximo representante do islã sunita. E também poucos dias depois do sangrento atentado terrorista de matriz islâmica ocorrido no Sri Lanka.
Ainda é possível ler o Ramadã como momento propício para o encontro entre as várias fés?
Shahrzad Houshmand, teóloga muçulmana, professora na Faculdade de Estudos Orientais da Universidade “La Sapienza” e na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma responde:
Houshmand: Certa vez o Papa Francisco disse que a única alternativa ao encontro entre as civilizações é o conflito entre as ‘incivilidades’. Então, se quisermos ficar no campo da civilização devemos aprender o quanto é belo olhar para o outro, acolhê-lo, com todos seus diversos perfumes culturais. Neste sentido, diria que o Ramadã poderia ser reconhecido como uma espécie de Jubileu mensal islâmico. Isso porque o Islã afirma que no mês do Ramadã abrem-se todas as portas do perdão, da misericórdia e da acolhida divina. Como se sabe, durante o Ramadã todos os muçulmanos – sunitas, xiitas e outros – dedicam seu tempo à oração, à recordação e principalmente a um exercício autêntico que envolve – além do estômago – também a mente e o coração: ou seja, jejuar. O jejum é prescrito do amanhecer ao entardecer, e é proibido comer, beber, mas também ter relações sexuais. É um exercício que compreende a mente, a vontade, porque o homem e a mulher decidem com a sua liberdade de abster-se, de controlar seus próprios sentidos, mesmo os mais essenciais, mais basilares. Mas envolve também o coração, porque a oração e o jejum devem ter uma intenção objetiva, que segundo o islã deveria ser “para Deus”, deveriam ser atos que nos aproximam a Deus.
Por conseguinte, a mensagem central deste mês sagrado para os muçulmanos é a importância de abster-se, de privar-se de alguma coisa, então, seria uma mensagem de sofrimento?
Houshmand: De modo algum: o mês do Ramadã é chamado pela religião islâmica “o banquete de Deus”. Mas como? Um banquete onde é proibido comer e beber? Esta é a resposta: o jejum é um modo para se exercitar a abandonar-se, alargando as portas da alma e do corpo ao infinito. Não a caso, no final do jejum do Ramadã, os muçulmanos reúnem-se para comer e compartilhar os alimentos na festa do Id al Fitr, a festa da fraternidade. É o banquete de Deus que se abre a cada um dos seres humanos: o sentido é matar o egoísmo, o individualismo para se alargar a uma visão universal da fraternidade. O Alcorão recorda claramente o jejum em um versículo no qual se dirige aos fiéis dizendo-lhes que “foi escrito para vocês, como foi escrito para os que vieram antes de vocês”. Assim esclarece que não é uma inovação islâmica, mas foi prescrito aos judeus, e aos próprios cristãos, além disso o seu objetivo é a consciência, a custódia.
Neste ano o Ramadã coincide com os 800 anos do encontro entre São Francisco e o sultão do Egito e cai no mês de maio. O que pode sugerir estas circunstâncias?
Houshmand: Espero que este possa ser um ano particular para o encontro entre muçulmanos e cristãos dentro do continente europeu. A coincidência do mês mariano para os católicos é também muito interessante. De fato, o Alcorão usa uma só vez a palavra “jejum” na sua forma perfeita e a usa quando fala de Maria. Mas neste caso não fala de jejum de comida que envolve a mente, o coração ou o estômago, mas do jejum que envolve a alma e o espírito. No Alcorão é dito que Maria “fez o voto do jejum para não falar com nenhum ser humano”. Então o seu jejum é o do silêncio: uma entrega total, recusando toda forma de egoísmo e individualismo para ser o recipiente real e concreto do Verbo, da Palavra e da presença de Deus. E de fato, logo depois o versículo diz “é ela que leva a criança ao seu povo e ao mundo”.
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