Papa Francisco na JMJ do Panamá Papa Francisco na JMJ do Panamá 

Comunicação eclesial a partir do Papa Francisco

O método de Francisco é simples, inspirado na comunicação de Jesus no Evangelho de João capítulo 1 versículo 46: “Vem e verás”.

Padre Robson Caramano - Diocese de São Carlos

Não é novidade para ninguém que a pandemia impôs a todos um ritmo de vida muito diferente do que se estava acostumado. Dentre as mudanças significativas pelas quais a sociedade tem passado, o ‘distanciamento’ e ‘isolamento’ social têm sido as mais atenuantes. E porque não dizer a mais difícil característica dos tempos contemporâneos. Somos a geração das pessoas que gostam de estar entre pessoas, a maioria delas ao menos.

Porém, há que se recordar que antes das recomendações sanitárias do coronavírus, a sociedade já vinha vivenciando certo isolamento voluntário. Lembremo-nos que no ano de 2007 a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe já alertava para este isolamento promovido por aquilo que o Documento de Aparecida vai chamar de uma “mudança de época”, na qual “a realidade para o ser humano se tornou cada vez mais sem brilho e complexa” - esta realidade social, na visão do Documento de Aparecida, conduz o homem para a falta de um “sentido unitário”. Bem por isso destacará o texto da Conferência Latino-Americana que: “Surge hoje, com grande força, uma supervalorização da subjetividade individual [...] Deixa-se de lado a preocupação pelo bem comum para dar lugar à realização imediata dos desejos dos indivíduos” (DOCUMENTO DE APARECIDA, 2007, p.32-33).

O que se pode entender aqui por isolamento voluntário é a atitude de cada indivíduo frente aos encantos do mundo globalizado como: tecnologias, novos modos de comunicação, a realidade virtual, dentre tantos outros avanços. Isolamento que encontra fundamentação no que o Papa Francisco chamou de “eremita social”:

A rede é uma oportunidade para promover o encontro com os outros, mas pode também agravar o nosso autoisolamento, como uma teia de aranha capaz de capturar. Os adolescentes é que estão mais expostos à ilusão de que a social web possa satisfazê-los completamente a nível relacional, até se chegar ao perigoso fenómeno dos jovens “eremitas sociais”, que correm o risco de se alhear totalmente da sociedade (PAPA FRANCISCO, 2019).

Ao que todos sabemos o cristianismo não é capaz de compactuar com este isolamento das pessoas. Mesmo porque encontra sua raiz na vivência comunitária. A cultura do encontro desenhada na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, com uma “igreja em saída” e aprofundada na manhã de 13 de setembro de 2016 clamando “por uma cultura do encontro”, nos convida a

Trabalhar pela “cultura do encontro” de modo simples, “como fez Jesus”: não só vendo mas olhando, não apenas ouvindo mas escutando, não só cruzando-se com as pessoas mas detendo-se com elas, não só dizendo ‘que pena, pobrezinhos!’ mas deixando-se arrebatar pela compaixão; “e depois aproximar-se, tocar e dizer: ‘Não chores’ e dar pelo menos uma gota de vida” (PAPA FRANCISCO, 2016).

Talvez, poderíamos dizer aquilo que há muito já observamos no Papa Francisco: há uma dinamicidade que deve mover a Igreja e seus agentes. Esta dinamicidade se expressa numa Igreja mais próxima das pessoas porque, constantemente, encontra-se [ou deve se encontrar] nos caminhos da história. Esta marca está no desejo de uma Igreja em Saída, mas tem sido uma característica forte, como um apelo, nas últimas mensagens para o Dia Mundial das Comunicações Sociais.

COMUNICADORES DINÂMICOS

Os enunciados das três primeiras mensagens do Papa Francisco traziam expressamente a palavra “encontro”. No ano de 2014: “Comunicação a serviço de uma autêntica cultura do encontro”, na qual tornava compreensível a ideia de que diante de um mundo tão marcado pela exclusão e marginalização [sócio-política e cultural] os meios de comunicação poderiam colaborar para que as pessoas se sentissem mais próximas umas das outras.

No ano seguinte a mensagem: “Comunicar a família: ambiente privilegiado do encontro na gratuidade do amor” – diante de uma sociedade marcada pela avalanche de informações, respirando ainda os ares de um Sínodo extraordinário para pensar a família, o Papa entende a comunicação como um auxílio no fortalecimento de vínculo familiar. O encontro com o outro que fortalece e enriquece a todos.

Em 2016, encerrando esta tríade de enunciados marcados pelo “encontro” tem-se: “Comunicação e Misericórdia: um encontro fecundo”- imbuído pelo Ano Santo da Misericórdia o Pontífice traz o encontro com a misericórdia e amor a Deus que deve nos levar a sermos misericordiosos com os nossos irmãos e irmãs. Desta mensagem destaca-se a fala do Papa ao dizer que “o acesso às redes digitais implica uma responsabilidade pelo outro, que não vemos, mas é real, tem sua dignidade, que deve ser respeitada”. Entendendo a comunicação como uma ferramenta importante para uma sociedade mais justa, fraterna e solidária.

Arriscaria colocar esta tríade de mensagens como os pilares das que se seguiram até chegarmos ao ano de 2021. Em todas, nos anos antecedentes a este [2021], temos uma preocupação acentuada em uma comunicação das boas notícias, como propusera a mensagem de 2017: “’Não tenhas medo, estou contigo’ (Is 43,5). Comunicar a esperança e confiança, no nosso tempo”; a preocupação com a verdade na informação e na comunicação, temática central no ano de 2018: “‘A verdade vos tornará livres’ (Jo 8, 32). Fake news e jornalismo de paz”; lançando um olhar para a solidariedade, a colaboração das redes para isso, como lemos em 2019: “ ‘Somos membros uns dos outros’ (Ef 4, 25): das comunidades de redes sociais à comunidade humana”; chegando em 2020 resgatando o protagonismo de cada história, reconhecendo em cada realidade e pessoa uma história importante dentro da História da Salvação, com o tema: “ ‘Para que possas contar e fixar na memória’ (Ex 10, 2). A vida faz-se história”.

Há um movimento, se assim podemos dizer, por parte de Francisco que clama por uma ação comunicadora no interior da Igreja que seja promotora dos encontros entre as pessoas; que lhes dê voz, lhes proporcionem serem os protagonistas desta História da Salvação que ainda hoje acontece, a nós que somos parte daqueles que testemunharam o que escrevera o evangelista João no capítulo 21, versículo 25: “E ainda muitas outras coisas há que Jesus fez; as quais, se fossem escritas uma por uma, creio que nem ainda no mundo inteiro caberiam os livros que se escrevessem”. Este movimento culmina na proposta de um método simples, como tudo em Francisco, para que esta comunicação e os comunicadores estejam em saída, estejam em movimento.

O MÉTODO DE FRANCISCO

A mensagem para o 55º dia mundial das Comunicações Sociais, em 2021, é reflexo destas sucessivas reflexões. O fruto delas culmina em um método narrativo proposto pelo Papa Francisco. Expressando seu desejo de ver uma Igreja que se comunica com eficácia. Esta eficácia é medida pela capacidade de testemunhar a fé. Para tanto, faz-se necessário uma comunicação pautada no encontro.

O método de Francisco é simples, inspirado na comunicação de Jesus no Evangelho de João capítulo 1 versículo 46: “Vem e verás”. Em um único versículo bíblico, o Papa como que realiza a condensação de tratados e teorias sobre uma comunicativa assertiva: sobre marketing e propaganda, em síntese o objetivo é que toda narrativa dos agentes de comunicação e, também, dos fiéis da Igreja Católica Apostólica Romana possa provocar no receptor da mensagem uma curiosidade para a experiência e o encontro com o Ressuscitado na comunidade dos crentes.

Afirma o Papa: “Todo instrumento só é útil e válido, se nos impele a ir e ver coisas que de contrário não chegaríamos a saber, se coloca em rede conhecimentos que de contrário não circulariam, se consente encontro que de contrário não teriam lugar” – este fim dos instrumentos e meios de comunicação se aplicam, potencializados pela realidade imposta pela COVID-19, aos inúmeros instrumentos de comunicação e de mídia social que as Pastorais da Comunicação (Pascom) têm a sua disposição para promoverem a comunicação eclesial.

O desafio se coloca na medida em que toda e qualquer narrativa produzida nas redes sociais de uma paróquia, em um programa de rádio ou TV de inspiração católica deve promover este “Vem e verás” de Jesus aos discípulos. O que valida a eficácia deste método é a realidade que ele anuncia. Sobre isso escreve Francisco:

O método “vem e verás” é o mais simples para se conhecer uma realidade; é a verificação mais honesta de qualquer anúncio, porque, para conhecer, é preciso encontrar, permitir à pessoa que tenho à minha frente que me fale, deixar que o seu testemunho chegue até mim (PAPA FRANCISCO, 2021).

É a exposição do concreto da vida. Agradecendo a coragem dos jornalistas, o Papa relembra esse trabalho de cada um deles em escancarar para o mundo realidades que não seriam conhecidas senão através das matérias e narrativas expostas por eles. Ressalta ainda: “Seria uma perda não só para a informação, mas também, para toda a sociedade e para a democracia, se faltassem estas vozes: um empobrecimento para a nossa humanidade”- Um jornalismo pautado no encontro que leva outros a se encontrarem.

Lendo o que o papa escreve sobre os jornalistas e profissionais da comunicação, aplicamos e reconhecemos estes inúmeros profissionais que estão no interior de nossas Paróquias, Dioceses e Arquidioceses, bem como, aqueles que se voluntariam e, por atitude já natural, tornam-se agentes de comunicação nas comunidades eclesiais. A todos nós comunicadores esta mensagem nos interpela. Provocando-nos a darmos visibilidade, mas não apenas como vitrine, como proposta de trabalho pelo Reino.

Neste aspecto ganha espaço neste novo método as redes sociais digitais. Tão presentes nos indivíduos da sociedade contemporânea, a web possibilita o compartilhamento em rede das informações deste “Vem e verás”, afinal, destaca o Papa: “Graças a rede temos a possibilidade de contar o que vemos, o que acontece diante dos nossos olhos, de partilhar testemunhos”. Sabedores da responsabilidade que temos ao fazemos uma comunicação ou darmos uma informação, o cuidado, no novo método, é que sempre se transmita a verdade. Do contrário, uma fake news de um encontro pode comprometer todo o projeto de evangelização. Porque, como já escrevi, a eficácia deste novo método, garante-se não apenas da forma que se apresenta, mas na continuidade do que se fora apresentado.

Bem por isso, mais que palavras, a força do testemunho importa. Contar este testemunho importa. “A palavra só é eficaz se se vê, se te envolve numa experiência, num diálogo. Por esta razão, o “vem e verás” era e continua a ser essencial”- afirma o Papa, expressando a necessidade não apenas de um contato na web, mas uma comunicação que vai e promove o encontro das pessoas. O novo método tem uma personificação de quem o utiliza. Compromete o comunicador a ser autêntico, a dar testemunho, porque ele [o comunicador] é alguém que fez uma experiência transformadora com o Cristo presente no outro, assim o fez quando foi ao seu encontro e conheceu sua história.

CONSIDERAÇÕES

De maneira sistematizada, o método “Vem e verás” de narrativa, o comunicador precisa ir ao encontro de pessoas e realidades, conhecer suas belezas, seus desafios. Esse processo de conhecimento, de impregnar-se, é importantíssimo, para que a transmissão da mensagem produza o objetivo do método que é motivar o leitor a ir um pouco mais além do texto lido. Nutrir nele o desejo de experimentar e/ou colaborar, com a realidade narrada.

Os sinais do Ressuscitado são presentes, também, nos dias de hoje. Encontrar quem dê visibilidade a eles em nossas comunidades promoverá o fortalecimento do Povo de Deus em vista da construção de uma sociedade mais justa e fraterna. 

BIBLIOGRAFIA

DOCUMENTO DE APARECIDA: Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Edições CNBB. Paulus: São Paulo, 2007.

FRANCISCO. Evangelii Gaudium – A alegria do Evangelho, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulus; Edições Loyola, 2013.

______. Mensagem do Papa Francisco para o 48º dia mundial das comunicações sociais. 2014. Disponível em:

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Acesso em 10/04/2021.

______. Mensagem do Papa Francisco para o 49º dia mundial das comunicações sociais. 2015. Disponível em:

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Acesso em 10/04/2021.

______. Mensagem do Papa Francisco para o 50º dia mundial das comunicações sociais. 2016. Disponível em:

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Acesso em 10/04/2021.

______. Mensagem do Papa Francisco para o 51º dia mundial das comunicações sociais. 2017. Disponível em:

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Acesso em 10/04/2021.

______. Mensagem do Papa Francisco para o 52º dia mundial das comunicações sociais. 2018. Disponível em:

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Acesso em 10/04/2021.]

______. Mensagem do Papa Francisco para o 53º dia mundial das comunicações sociais. 2019. Disponível em:

http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/communications/documents/papa-francesco_20190124_messaggio-comunicazioni-sociali.html.   

Acesso em 10/04/2021.

______. Mensagem do Papa Francisco para o 54º dia mundial das comunicações sociais. 2020. Disponível em:

http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/communications/documents/papa-francesco_20200124_messaggio-comunicazioni-sociali.html.    

Acesso em 10/04/2021.

______. Mensagem do Papa Francisco para o 55º dia mundial das comunicações sociais. 2021. Disponível em:

http://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/communications/documents/papa-francesco_20210123_messaggio-comunicazioni-sociali.html.     

Acesso em 10/04/2021.

______. Meditação matinal – Por uma cultura do encontro. 2016. Disponível em: http://www.vatican.va/content/francesco/pt/cotidie/2016/documents/papa-francesco-cotidie_20160913_cultura-do-encontro.html. Acesso em 10/04/2021.

 

* Padre Robson Caramano é Assessor de Comunicação e Imprensa da Diocese de São Carlos, Mestre em Linguagem, Mídia e Arte pela PUC Campinas/SP.

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20 abril 2021, 10:04