A espiritualidade na vida cotidiana
José Leão da Cunha Filho*
Levamos o hedonismo, o consumismo e o individualismo da nossa cultura a um patamar tão preocupante que, se não inviabilizamos a humanidade para a vivência da interioridade, da convivência e da solidariedade, no mínimo produzimos sequelas graves.
É por isso que, em uma sociedade habituada a praticar a exclusão, a opressão e a exploração, insensível à miséria de milhões, a transformação precisa vir acompanhada de um grande despertar espiritual. Afinal, quando cultivamos nossa vida interior e estreitamos nossos laços de intimidade com o sagrado - no caso dos cristãos, com Deus - conseguimos aumentar a nossa sensação de bem-estar, enfrentar adversidades com ânimo e coragem, desenvolver relações mais humanas e empáticas, aprimorar o autocontrole e nos fortalecer em todos os sentidos. Em resumo, pessoas espiritualizadas costumam fazer bem ao convívio social e à prosperidade da civilização.
Somos templos de Deus, precisamos estar conscientes de que a espiritualidade exige coerência, sendo “fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a fala seja a prática”, segundo nos ensinou o grande educador, Paulo Freire.
Portanto, para levar uma vida preenchida pelo divino, precisamos, em primeiro lugar, nos firmar com um modo de pensar e agir que honre nossos princípios espirituais - tendo em vista que o amor é o mais fundamental deles.
Entender o amor como uma forma de realização espiritual é investir em um intenso poder de transformação, pois a prática amorosa une e conecta todas as vidas. Através dela, podemos experimentar e celebrar o sagrado diariamente em sua máxima expressão.
De fato, é por meio do amor que experienciamos a vida em sua totalidade e, como bem manifestou o escritor Thomas Merton, “não nos tornamos completamente humanos até que nos entreguemos uns aos outros no amor”.
É claro que falar de práticas amorosas e espiritualidade no mundo tal como ele está hoje parece difícil, senão forçado. Mas, com certeza, cuidar da vida interior é a melhor solução para boa parte de nossas mazelas. E, se podemos alimentar esperanças de ressuscitar nossa cultura para uma vivência transformadora, distante desta que conhecemos até aqui, e mais próxima de uma realização transcendental, que vibra comunhão, é inserindo a espiritualidade em nossos cotidianos.
Os caminhos são muitos. Religiões e filosofias, de modo geral, oferecem diversas ferramentas para o desenvolvimento espiritual. Nessa jornada - não importa qual trilha decidimos seguir - alguns hábitos são sempre úteis, como: escuta ativa; cultivo de bons relacionamentos; manter proximidade com a natureza; rezar ou meditar; praticar a caridade.
Com a oração ou meditação, por exemplo, encontramos, no silêncio, uma oportunidade para ouvir nossa voz interior, ou seja, de nos comunicarmos com aquilo que temos de mais profundo e sagrado - Deus. Em ambos os casos, estabelecemos uma conexão intensa e reveladora conosco mesmos e com o mundo à nossa volta. Nestes momentos, é interessante encontrar um lugar silencioso e confortável, colocar uma música instrumental suave, fechar os olhos e escutar o que o coração vai anunciando mansamente.
Outros três elementos indispensáveis ao desenvolvimento da espiritualidade são:
Perdão: perdoar significa dizer que reconhece no outro a fragilidade que há em si. Mas é necessário, antes, aprender a perdoar-se. Quem não se perdoa, enche a alma de amargura; ignora a fraqueza humana que está em si. Por isso, tem dificuldade para perdoar o outro. Perdoar e perdoar-se são atitudes poderosas;
Gratidão: ser grato é uma forma de agir no amor e constitui o reconhecimento de que somos uma construção de tantas outras pessoas que passam por nossa vida. Elas nos fortalecem, sobretudo quando interagem positivamente conosco;
Caridade: a realização de ações solidárias e humanitárias por pessoas, empresas e instituições tem sido fundamental para auxiliar famílias carentes afetadas pela pandemia e é uma ótima forma de desenvolver a espiritualidade. Mas lembre-se de que a caridade também está na indulgência, no perdão e na gentileza.
Todos esses hábitos são importantes instrumentos para introduzir e fortalecer a espiritualidade na vida cotidiana, fazendo com que ela se torne uma força ativa. Mas que a celebração central de sua presença esteja sempre no amor, aquele amor que “todas as grandes religiões veem como o supremo princípio unificador da vida”, como disse uma vez Martin Luther King.
* Licenciado em Filosofia, mestre em Educação e diretor executivo da Província Marista do Brasil Centro-Sul
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