Professor Wilson Candido Braga: Transtorno do Espectro Autista
Wilson Candido Braga – Professor Terapeuta e Escritor
O AUTISMO, como costumamos nos referir a essa expressão ampla em apresentações diagnósticas para uma mesma condição médica que é o TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO – TEA, tem gerado impacto desde muito cedo, principalmente pela notícia do diagnóstico que faz com que muitos familiares vivenciem grande tensão, ansiedade e até desesperança, pois a carência de serviços de suporte, a insegurança e o estigma social ainda são muito fortes, causando sentimentos conflitantes, que os levam a passar por momentos muito particulares como a NEGAÇÃO, a ADAPTAÇÃO e a ACEITAÇÃO, emoções que são vivenciadas por cada família de forma muito distinta e que merecem ser tratadas e respeitados por nós profissionais e pelo próprio grupo familiar de forma sensível.
AUTISMO x FAMÍLIA e ASPECTOS EMOCIONAIS
É natural que inicialmente os pais não queiram ou não acreditem no diagnóstico que lhes é apresentado, e que essa situação está sim acontecendo com eles, dessa forma também é comum que procurem negar a si mesmo e principalmente às demais pessoas que os cercam, a existência da deficiência ou do transtorno em seu filho ou filha, até então visto como um ser perfeito e sem possibilidades de manifestar qualquer condição particular que dificultem o seu desenvolvimento global e sua autonomia. Chamamos a esse momento em particular de fase de NEGAÇÃO.
Nessa fase, a família ainda não se encontra preparada para conviver com algo dessa natureza, até porque, no caso de um nascimento, estava esperando por um bebê “saudável”, “sem problemas”, e isso provoca um grande choque frente ao inesperado, suscitando assim muitas dúvidas e inquietações quanto a essa nova situação e ainda muitos receios, pois não se sabe como será o desenrolar desse novo momento, especialmente em relação a um futuro imprevisível diante de uma sociedade ainda tão excludente e estigmatizante. E é exatamente nesse contexto que algumas famílias se lançam numa busca interminável por outras possibilidades diagnósticas que de alguma forma possam negar aquela constatação inicial, e dessa forma muitos especialistas são consultados e muitos diagnósticos são comparados.
Os resultados dos diagnósticos que se apresentam mais incômodos são ignorados, abrindo espaço para a aceitação dos mais amenos. Com essas atitudes, buscam a negação de uma realidade que se mostra como assustadora e de difícil condução, e dessa forma fecham-se no seu luto pela morte do filho idealizado, do filho planejado, revoltam-se com o mundo e fecham-se na sua própria dor, negando-se muitas vezes ao contato com outras pessoas.
Os reflexos iniciais dessas primeiras emoções podem se apresentar a partir da dificuldade de interação com o bebê, e esperam, nesse caso, que as pessoas mais próximas e os profissionais que acompanham diretamente o caso apresentem disponibilidade para ouvi-los. Muito mais do que críticas por sua postura, a família precisa de um canal empático que favoreça a comunicação para possíveis trocas, que possam de alguma forma minimizar esse momento de dor e sofrimento.
É muito comum nessa fase que o pai demonstre maior dificuldade em lidar com a constatação da deficiência, pois a mãe normalmente intui que seu filho apresenta algum tipo de problema, mas o pai, muitas vezes nega com maior veemência.
A fase de negação pode se prolongar por dias, meses ou anos, mas precisa passar em benefício da própria criança.
Superado esse momento de dor e luto, os pais começam a perceber que seu filho apresenta necessidades que precisam e devem ser atendidas prontamente, e assim começam a perder o medo de serem inadequados frente a essa criança. Chamamos esse segundo momento de fase de ADAPTAÇÃO, quando a família já conseguiu elaborar a perda da “criança idealizada e perfeitamente saudável” e começa agora a tentar descobrir maneiras de adequar-se ao novo momento existencial e real, surgindo assim as primeiras buscas por maiores informações sobre o diagnóstico, agora não mais para negar a existência da deficiência ou a situação real, mas para entendê-la melhor e com isso buscar estratégias e possibilidades que qualifiquem a vida desse sujeito, agora percebido como alguém que necessita de suportes e atenção especial.
Nesse movimento surgem novas possibilidades e assim iniciam-se tentativas para estabelecer aproximações e contatos com outras famílias que também compartilham do mesmo problema, logo podem restabelecer os vínculos sociais com amizades antigas, conquistam novas amizades, retomam suas vidas e diminuem seu isolamento social.
Os profissionais tem um papel muito importante nessa nova fase, aproveitando o momento em que a família demonstra necessidade de informação e apoio. Eles serão cruciais ao ajudá-la a identificar e a compreender as necessidades desse filho, qual seu real papel enquanto família, e principalmente a descobrir como podem contribuir dando continuidade às propostas de intervenção que cada profissional estabelece como objetivo. Para isso precisam entender que esse movimento de exclusão ou inclusão deve começar em casa.
É nesse momento que a família o perceberá como um ser humano genuíno, singular, com dificuldades, mas também com potencialidades, efetivamente integral e pleno de significado.
A próxima etapa vivenciada pela família é chamada de fase de ACEITAÇÃO, na qual o maior contato possibilitou uma visão mais realista da criança e de sua deficiência, e dessa forma os pais vão conhecendo melhor o seu filho e este também os vai conhecendo melhor, formando vínculos afetivos mais resistentes e significativos para o desenvolvimento global desse indivíduo.
O vínculo emocional já está devidamente reestabelecido e mais sólido, logo a evolução da criança começa a ser percebida gradativamente, e os pais já se tornam mais participativos, buscando cada vez mais apoio, sugestões e esclarecimentos. Cada pequena conquista por parte dessa criança passa a representar uma grande vitória para os pais.
Ao longo desse processo alguns pais já reconhecem que alguns sentimentos como tristeza e frustração são sentimentos que devem e precisam ser encarados com naturalidade, mas que podem também reaparecer em momentos pontuais, e assim buscam estabelecer novos parâmetros comparativos, passando a qualificar e expressar maior satisfação com as mínimas conquistas do seu filho, onde cada pequeno avanço ganha uma dimensão singular e muito mais significativa, onde algumas situações ganham outro sentido, entendendo agora que aprender está para além do processo de leitura, escrita e raciocínio lógico matemático, pois existem conquistas que serão mais qualitativas do que a aprendizagem meramente acadêmica e muitas vezes sem representação funcional para o sujeito. Entendem que autonomia, capacidade de adequação social e elementos comunicacionais são mais importantes do que se previa, pois agora o que mais almejam é a independência de seu filho.
É comum que alguns pais ainda apresentem uma postura superprotetora, mas que com o tempo tende a diminuir, pois também percebem que dessa forma não estarão ajudando, e sim promovendo maior dependência, e não é esse o objetivo para com seu filho.
É nesse momento tão significativo que nos compete enquanto profissionais, de qualquer área de atuação, levar informações relevantes e de qualidade, informações cientificamente comprovadas, que nem alimentem falsas expectativas e nem retirem das famílias o direito de apostar nas potencialidades de seus filhos.
Somos hoje um grande grupo de pais e profissionais construindo conhecimentos sobre TEA, e isso faz uma grande diferença, pois dessa forma estamos minimizando o preconceito e gerando possibilidades para que a inclusão de fato aconteça, assegurando a esses indivíduos o direito de acesso e a garantia de permanência nos mais diversos espaços socioeducacionais com qualidade.
COMPREENDENDO E IDENTIFICANDO O AUTISMO
TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO - TEA, hoje classificado pelo DSM-5 (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – 5ª Edição) como um Transtorno do Neurodesenvolvimento (APA, 2014). O TEA é considerado pela neurociência como um transtorno neurobiológico, um transtorno de funcionamento cerebral, um transtorno sensorial, onde áreas cerebrais específicas funcionam de forma diferente daquela esperada para cada região que compõe o chamado “CÉREBRO SOCIAL”, evidenciando dessa forma respostas inadequadas frente as demandas sociais.
Nesse sentido o TEA configura-se como um transtorno de início precoce, com características marcantes no processo de desenvolvimento global da criança, comprometendo principalmente o desenvolvimento funcional da linguagem – fala e comunicação, que por sua vez prejudicam diretamente na capacidade de interação social (fala + comunicação + interação social = COMUNICAÇÃO SOCIAL/LINGUAGEM FUNCIONAL), além dessa particularidade deve ser perceptível a presença marcante de prejuízos nos COMPORTAMENTOS COM ATIVIDADES E INTERESSES RESTRITOS, REPETITIVOS E ESTEREOTIPADOS, considerados como elementos pontuais para que o diagnóstico seja de fato apresentado, entendendo que para tal condição esse diagnóstico se dá a partir de observações e relatos familiares, ou seja, o diagnóstico é CLÍNICO OBSERVACIONAL. Esses dois elementos são hoje classificados pelo DSM-5 como “DÍADE DO AUTISMO”, e dessa forma devem estar presente para caracterizar o TEA em qualquer individuo, seja em níveis mais leve ou mais severo. (APA, 2014)
O TEA é considerado na atualidade um quadro diagnóstico com múltiplas possibilidades, do mais discreto ao mais acentuado, e isso implica em diversas formas particulares de manifestações sintomáticas para uma mesma condição diagnóstica. Logo, estamos falamos do “espectro do autismo”, uma multivariedade de tipos para uma mesma condição de funcionamento cerebral.
A manifestação sintomática dos diversos quadros de TEA confundem a família e a muitos profissionais, daí a grande dificuldade para o fechamento de alguns diagnósticos, pois de acordo com o DSM 5 (APA, 2014) os casos mais leves – TEA nível 1 (que necessita de apoio) – passam às vezes despercebidos, pois seu desenvolvimento global aproxima-se bastante do esperado, logo podem não ser entendidos como dificuldades sutis que demandam apoio multiprofissional.
Dependendo de cada nível de comprometimento, muitas pessoas com TEA podem apresentar dificuldades distintas, desde a dificuldade na capacidade de comunicação social a criar laços de relacionamentos sociais representativos, desde aprender conceitos básicos a ser independente nas habilidades ou condutas adaptativas para uma vida funcional e autônoma.
O TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO – TEA é uma condição permanente que se manifesta desde tenra idade, persistindo por toda a vida, evoluindo para uma condição mais funcional ou menos funcional, dependendo de como essa condição se apresenta em cada sujeito e como as intervenções foram iniciadas, realizadas e continuadas. Para tanto não falamos em cura, pois até o momento não existe comprovação científica dessa reversão total do quadro sintomático, logo a DETECÇÃO PRECOCE, o ENCAMINHAMENTO PRECOCE e INTERVENÇÃO PRECOCE fazem toda a diferença para a garantia de um melhor prognóstico.
As propostas interventivas são inúmeras, as promessas de cura também podem existir, porém o que esperamos é que esse indivíduo seja pontualmente assistido e tenha uma melhor qualidade de vida em todos os espaços onde esteja inserido, seja nos contextos familiares, educacionais ou sociais, e isso depende de inúmeros fatores, principalmente do envolvimento da família e das ferramentas de intervenção disponíveis nos espaços clínicos e institucionais, públicos ou privados.
Para que esse processo de intervenção aconteça, se faz necessário que a família e a escola identifiquem precocemente os principais sinais que apontem para esse quadro diagnóstico, e dessa forma a busca por essa definição diagnóstica também aconteça o quanto antes, garantindo assim que a evolução desse sujeito possa ser melhor qualificada, pois quanto mais cedo se estimula, maiores serão as possibilidades neuronais para o processo de plasticidade.
ALGUNS DOS PRINCIPAIS SINAIS PARA O AUTISMO:
Desde cedo muitos sinais já podem ser percebidos, alguns podem passar e outros podem ganhar intensidade em sua apresentação:
✔ Prejuízos na sucção - ausência de sucção ou sucção inadequada;
✔ Desmodulação sensorial - Hipo ou hipersensibilidade sensorial (tátil, visual, auditiva, olfativa, gustativa, cinestésica, vestibular e proprioceptiva);
✔ Dificuldades para fixação do olhar no rosto materno ou baixo interesse na busca pela face humana;
✔ Comportamentos repetitivos ou ritualísticos com as mãos, descartando-se os movimentos manipulatórios oriundos do período natural em que o bebê brinca explorando suas próprias mãos;
✔ Não desenvolvimento dos sons apropriados para a idade, ou atrasos significativos no processo de aquisição para a linguagem;
✔ Ausência de atenção compartilhada ou baixa receptividade às investidas da mãe e de outros parentes;
✔ Dificuldades de interações com pessoas e preferência insistente por objetos, ou maior apego a objetos específicos, preferindo-os em detrimento das relações humanas;
✔ Transtornos do sono (quadros de possível indicador para insônia calma ou insônia agitada);
✔ Dificuldades na alimentação, seletividade ou restrição alimentar, dentre outros sinais.
Outros sinais podem ficar cada vez mais evidentes entre os 18 e 36 meses. Dessa forma se faz importante algumas perguntas e a busca por uma avaliação multidisciplinar para maiores esclarecimentos:
✔ Como tem se apresentado o desenvolvimento da linguagem nessa criança?
✔ Há sinais de possíveis atrasos quando comparada com outra criança em idade semelhante?
✔ Como a criança estabelece a comunicação com seus pares (idades semelhantes) para que a interação social aconteça?
✔ Há prejuízos na sua comunicação social?
✔ A criança apresenta interesse ou atividade restrita, repetitiva ou interesse monotemático?
✔ A criança costuma emitir sons ou palavras descontextualizadas?
✔ A criança não responde quando chamada, parecendo apresentar deficiência auditiva?
✔ A criança demonstra dificuldades com frases ou palavras de duplo sentido, piadas, ironias, metáforas, levando tudo ao pé da letra?
✔ Normalmente isola-se dos colegas em atividades que favoreçam a socialização?
✔ Costuma apresentar movimentos repetitivos, com padrões estereotipados?
✔ Ao utilizar os recursos lúdicos, faz uso diferenciado ou inusitado desses recursos?
✔ Como é sua forma de brincar?
✔ Apresenta dificuldades de abstração ou dificuldades na capacidade de criatividade e imaginação para jogos simbólicos?
✔ Apresenta reações de desconforto ou agitação na presença de estímulos sensoriais?
✔ Por que acontecem essas alterações comportamentais?
✔ Responde de forma inesperada a situações sensoriais, inclusive para percepção de dor ou reações de insensibilidade a essa dor?
✔ ...
Esses são alguns dos principais sinais que devem ser observados pela família, pela escola e por uma equipe de profissionais especialistas (médico neuropediatra ou psiquiatra infantil, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo ou neuropsicopedagogo, psicomotricista..., garantindo assim a definição de um diagnóstico preciso e o encaminhamento adequado para o processo de intervenção.
Que esse texto sirva de pretexto para a nossa busca incessante por mais informações, pois o CONHECIMENTO É O PRIMEIRO PASSO PARA A INCLUSÃO, e essa inclusão deve começar em casa com a aceitação da família, devendo se estender a cada profissional de áreas diversas, no sentido de reflexão sobre suas atitudes, que talvez ainda seja a barreira mais difícil de superação, porém necessitamos ainda de espaços abertos para a promoção de oportunizações que favoreçam a esses indivíduos a garantia de seus direitos e maiores possibilidades de acesso, permanência e estratégias que garantam sucesso, por menores que alguns desses avanços possam nos parecer.
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