Entre 2005 e 2020, mais de 266 mil violações graves de crianças em mais de 30 conflitos
Mais de 266.000 violações graves contra crianças em mais de 30 situações de conflito na África, Ásia, Oriente Médio e América Latina. É o que revela o relatório "25 anos de crianças e conflitos armados: tomando medidas para proteger as crianças na guerra", divulgado nesta terça-feira, 28, pelo Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância.
Longe de representar a totalidade dos casos, os dados representam apenas uma fração das violações que se acredita terem ocorrido, visto que o acesso e a segurança limitados, entre outros fatores, somados à vergonha, à dor e ao medo que as crianças sobreviventes e suas famílias muitas vezes sentem, dificultam a denúncia, documentação e verificação de violações graves contra crianças em situações de conflito armado.
No detalhe, o relatório observa que entre 2005 e 2020 foram verificados mais de 104.100 casos de crianças mortas ou mutiladas em situações de conflito armado, mais de 93.000 crianças foram recrutadas e usadas pelas partes em conflito; pelo menos 25.700 crianças foram sequestradas por partes em conflito; as partes do conflito estupraram, forçaram o casamento, exploraram sexualmente e cometeram outras formas graves de violência sexual em pelo menos 14.200 crianças. As Nações Unidas verificaram mais de 13.900 incidentes de ataques a escolas e hospitais e nada menos que 14.900 incidentes de negação humanitária de acesso para crianças desde 2005.
A diretora-geral do UNICEF, Catherine Russell, afirma que "este relatório destaca nos termos mais cruéis possíveis a incapacidade do mundo de proteger suas crianças de graves violações durante conflitos armados (...). Graves violações – acrescenta - devastam crianças, famílias e comunidades – e rasgam o tecido da sociedade, tornando ainda mais difícil restaurar e manter a paz, a segurança e a estabilidade. Devemos nos recusar a aceitar violações contra crianças como um resultado inevitável da guerra".
Baseado em 16 anos de informações do Relatório Anual do secretário-geral da ONU sobre crianças e conflitos armados, o relatório apresenta o impacto que os conflitos armados tiveram sobre as crianças, apresentando o estado das graves violações em todo o mundo e ao longo do tempo. O relatório examina como as informações sobre modelos documentados de violações graves são usadas para atender às necessidades das crianças e como o empenho com as partes conflitantes - atores estatais e não estatais - permite o fim e a prevenção de violações graves.
Aumento das violações a partir de 2005
O número anual de violações verificadas tem aumentado gradativamente desde 2005, ultrapassando 20.000 por ano pela primeira vez em 2014 e chegando a 26.425 em 2020. Entre 2016 e 2020, a média diária global de violações graves verificadas atingiu a alarmante cifra de 71. O elevado número de violações observado nos últimos anos demonstra o impacto dramático que os conflitos armados – e as crises de proteção cada vez mais complexas e prolongadas– têm sobre as crianças.
O relatório observa que muitas crianças sofrem mais de uma violação, aumentando sua vulnerabilidade. Por exemplo, o rapto está frequentemente associado a outras violações, nomeadamente ao recrutamento e uso de crianças e à violência sexual. Crianças - especialmente meninas - que foram sequestradas e/ou associadas a partes em conflito estão expostas a altos riscos de violência sexual, incluindo estupro, exploração sexual e casamento forçado.
O relatório mostra que graves violações de crianças foram cometidas por todas as partes do conflito, tanto por atores estatais como não estatais. Entre 2016 e 2020, atores estatais - incluindo forças e coalizões nacionais e internacionais - foram responsáveis por pelo menos 26% de todas as violações, enquanto atores não estatais por cerca de 58% de todas as violações verificadas, ressaltando a importância de envolver todas as partes no conflito, incluindo atores não estatais, para pôr fim e prevenir violações contra crianças.
Para fortalecer a responsabilidade, as partes em conflito listadas no Relatório Anual do secretário-geral sobre crianças e conflitos armados desenvolvem e implementam Planos de Ação com ações específicas, concretas e com prazo determinado para estabelecer medidas sustentáveis para proteger as crianças do impacto dos conflitos.
Planos de Ação
Entre 2005 e 2021, um total de 37 Planos de Ação em 17 situações de conflito foram assinados pelas partes em conflito. Cerca de 70% dos Planos de Ação foram assinados com atores não estatais, enquanto os 30% restantes foram assinados com atores estatais. O relatório apresenta vários exemplos que destacam o valor fundamental e o impacto dos Planos de Ação na produção de mudanças positivas para as crianças, tanto imediatamente quanto a longo prazo, bem como delineando desafios e obstáculos.
O número cada vez maior de atores não estatais armados, o desenvolvimento e implantação de novos meios e métodos de guerra, o uso de IED e outras armas explosivas, particularmente em áreas povoadas, são apenas alguns dos muitos fatores que contribuem para criar desafios sem precedentes. para a proteção de crianças em situações de conflito armado.
O relatório também mostra que crianças de origens mais pobres e crianças com status ou características específicas – incluindo refugiados, pessoas deslocadas internamente e crianças indígenas, entre outros - continuam a correr um maior risco de violações graves.
Afeganistão, Israel e Palestina, Síria, Iêmen e Somália
Os dados disponíveis por sexo, indicam que os episódios verificados de violações graves afetaram principalmente os meninos. Por exemplo, em 2020, os meninos representaram 73% das vítimas entre as crianças, a maioria delas vítimas de recrutamento e uso (85% meninos), sequestro (76% meninos), assassinato e mutilação (70% meninos). As meninas, por outro lado, representavam um quarto (26%) de todas as crianças vítimas e 98% das crianças vítimas de estupro e outras formas graves de violência sexual.
Entre 2016 e 2020, 79% de todas as mortes infantis confirmadas – ou aproximadamente 41.900 crianças – ocorreram em apenas cinco situações: Afeganistão (30%), Israel e Estado da Palestina (14%), Síria (13%), Iêmen (13 %) e Somália (9%).
O uso de armas explosivas, particularmente em áreas povoadas e de amplo efeito, representa uma ameaça permanente para as crianças e suas famílias. Somente em 2020, armas explosivas e restos explosivos de guerra foram responsáveis por pelo menos 47% de todas as mortes de crianças, com mais de 3.900 crianças mortas e mutiladas.
É importante notar que o aumento das violações ao longo do tempo também ressalta a força crescente do mecanismo de monitoramento e comunicação ao longo dos anos. O desenvolvimento de diretrizes sobre monitoramento e notificação, formação e capacitação do pessoal da ONU e seus parceiros na documentação de violações graves e na conscientização de famílias e comunidades sobre os riscos de proteção à criança contribuíram para fortalecer o mecanismo e permitir que ele reúna mais informações sobre violações graves contra crianças.
As recomendações do relatório, com base nos dados e análises apresentados visam, entre outros, mobilizar todas as partes interessadas, incluindo partes conflitantes, Estados e o Conselho de Segurança das Nações Unidas, para proteger as crianças de forma eficaz e sustentável e acelerar a ação a nível local, nacional, regional e global.
*Com UNICEF
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui