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Metaverso: arena digital para ação evangelizadora

Na era virtual, nosso cotidiano caracteriza-se muito mais pelo estar on-line do que pelo estar off-line. Estar off-line, aos olhos da sociedade da informação e do consumo, é uma nova expressão de analfabetismo contemporâneo: uma espécie de fracasso.

Dom Edson Oriolo - Bispo da Igreja Particular de Leopoldina-MG.

O metaverso é o teletransportar do ambiente físico para o digital. Ao invés de olharmos para as telas estaremos adentrados no mundo digital. Com essa experiência não podemos ser passivos em nossa ação evangelizadora.

Introdução:

Em maio de 1990, fui ordenado sacerdote e nesse período comecei a escutar as pessoas falarem sobre a Internet. Nessa época, estavam surgindo, de maneira tímida, os portais de notícias e as cartas estavam sendo substituídas por e-mails. No Curso de Filosofia, lecionava Teoria do Conhecimento, e ensinava sobre conhecimentos vulgar, científico, filosófico e teológico. Também tive a oportunidade de trabalhar com os alunos o livro O que é Virtual?, de Pierre Lévy, sobre o conhecimento virtual e a máxima “(...) já o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual”2. Com o passar do tempo, o mundo virtual passou a ser replicado por meio de dispositivos digitais.

Passados alguns anos, depois do surgimento do Yahoo, convidaram-me para falar aos alunos do Curso de Filosofia, no Seminário Arquidiocesano de Pouso Alegre, sobre os impactos da internet na vida das pessoas e como conectar e acessar no computador. Foi um verdadeiro transtorno. A internet era discada. O provedor ficava na cidade de Águas de Lindóia (SP). Foi necessário ligar um cabo da linha telefônica ao computador por meio de um modem para usufruir de uma velocidade de conexão de 56,6 kbps. Quanta dificuldade: demora na conexão e caia o acesso de minuto a minuto. Tínhamos uma grande dificuldade em administrar esse projeto tecnológico e inovador que estava surgindo. Éramos crianças nessa arena tecnológica. Nunca poderíamos conceber estar fora de um modem para acessar internet.

Hoje, a nova geração está mais conectada e faminta por inovações. O que na década de 90 tínhamos dificuldades enormes para estar conectados num computador por causa da velocidade da internet, atualmente, com a vantagem do 5G, temos maior velocidade, conectividade e agilidade de acesso. Especialistas desta área já dizem que “(...) o 5G está potencializando a Internet das Coisas (IoT) e tudo o que está em voltadela. Além da alta velocidade, com ela tudo poderá estar conectado a tudo, da geladeira ao carro, da nossa roupa ao equipamento hospitalar ou o maquinário agrícola”3. Com essa evolução tecnológica estamos caminhando para duplicidade da vida, ou melhor, uma vida dupla: on-line e off-line. A interação dos mundos físico e virtual.

União entre os mundos físico e virtual.

Na era virtual, nosso cotidiano caracteriza-se muito mais pelo estar on-line do que pelo estar off-line. Estar off-line, aos olhos da sociedade da informação e do consumo, é uma nova expressão de analfabetismo contemporâneo: uma espécie de fracasso. A realidade está permeada por informações e comunicações instantâneas. Não há barreiras para esse instantâneo e quebrar a rede é quase ferir uma convenção vital e colocar-se à margem4.

A vida on-line tem causado grande impacto em conceitos e métodos. Mesmo ciências como a Psicologia, a Antropologia e a Sociologia são impulsionadas a repensar convicções. O novo modus vivendi influi decisivamente no desenvolvimento econômico e científico de nosso tempo, forjando uma era de desenvolvimento imprevisível. As próprias relações de tempo e espaço ganharam novas conotações.

A fé não prescinde dessa tensão entre on-line e off-line. Ao contrário, enquanto fenômeno humano, o crer é atingido frontalmente e os resultados desafiam os sistemas religiosos a responderem aos anseios de uma humanidade que, à medida que se desenvolve grandiosamente, sente-se carente de sentido nas suas indagações mais profundas.

A Igreja é convidada a uma ação evangelizadora, com discernimento e ousadia, cumprindo sua missão, nos areópagos de nosso tempo. Uma Igreja ‘em saída’ será necessariamente uma comunidade eclesial missionária que dialoga com as expressões características de nosso tempo. O universo digital já não é um conjunto de instrumentos, mas uma verdadeira linguagem, imprescindível na evangelização do homem contemporâneo5.

Nessa união, com interação e diálogo entre mundo físico e o mundo digital, mais a evolução tecnológica, estamos caminhando para uma nova realidade que podemos denominar de metaverso. A principal preocupação dessa realidade é conectar o mundo real e o virtual com a participação das pessoas, isto é, uma fusão dos mundos on-line e off-line. Essa realidade está impactando profundamente o nosso cotidiano como a internet, as redes sociais e o smartphone. Está mudando a maneira como as pessoas estão interagindo com a realidade física. Não podemos fechar os nossos olhos em relação a essa realidade do metaverso que é o verdadeiro elo, acesso e aproximação entre os mundos físico e virtual.

O que é Metaverso?

Metaverso é o futuro da internet, isto é, uma espécie de internet mais encarnada, que ambiente uma vida vivida no mundo virtual. Essa palavra vem do grego meta, isto é, aquilo que está além, ou melhor, além daquilo que a gente vivencia. É estar mais conectado entre o mundo físico e o digital. Tudo o que existe no mundo físico vai estar no mundo digital. A Microsoft já está trabalhando para criar uma cópia perfeita do nosso mundo físico para interagir no mundo digital. Um mundo físico que poderemos vivenciar no mundo digital. No mundo digital, posso ser tudo aquilo que não sou no mundo físico.

O termo metaverso apareceu pela primeira vez no livro de ficção Snow Crash que em português significa Samurai, escrito por Neal Stephenson, em 1992. O autor fala de humanos representados por avatares (bonequinhos comandados por alguém) que interagem em ambiente virtual. É por meio deles que as pessoas estão presentes e expressam nos ambientes digitais e virtuais6.

Os avatares serão uma das formas de autoexpressão das pessoas no metaverso e já são inúmeras as combinações de atributos disponíveis para personalizá-los, incluindo tons de pele, formas faciais e até dispositivos assistivos, como aparelhos auditivos e cadeiras de rodas. Dessa forma, todos podem se sentir representados e incluídos7.

Por meio desses bonequinhos, podemos comprar um tênis, uma casa, um carro. Não é um filme que assistimos mas uma experiência 100% interativa. As pessoas podem se transformar naquilo que mais desejam ser, querer e ter. Podem definir como vão interagir na performance. Num show, o meu avatar estará interagindo como bater palmas, gritar e pular. Os entendidos dizem ser uma realidade aumentada (RA), isto é, projetamos elementos digitais no mundo real. Permitimos sobrepor elementos virtuais à nossa visão da realidade. Os aplicativos Facebook, Instragram e TikTok já fazem uso desse recurso.

Conversando com meus dois sobrinhos, que estão mergulhados na internet e nos aplicativos, eles falaram de duas plataformas: Roblox e Fortnite. A Taciana explicou o Fortnite: é um jogo eletrônico online. É um famoso jogo de tiro onde todos são contra todos e o último sobrevivente é o vencedor. Ela consegue sobreviver neste mundo digital, pode se movimentar na arena, captar recursos, recolher armas, construir casas e eliminar adversários. Por outro lado, o Pedro Samuel falou do Roblox, um outro jogo onde o jogador pode fazer e criar o que quiser. Hoje os adolescentes já estão inseridos no mundo digital.

Ana Paula Hornos, numa entrevista no Jornal Estadão, do dia 28 de fevereiro de 2022, mencionou:

(...) ao colocar os óculos de realidade virtual, equipados com fones de ouvido e sensores, indivíduos mergulharão em um mundo fictício, de realidade aumentada, onde os órgãos dos sentidos serão intensamente estimulados por meios audiovisuais, sensoriais, imagens, objetos e avatares holográficos tridimensionais8.

Nesse mundo, as pessoas poderão comprar e vender bens de serviços, assinar e fazer contratos, recrutar e treinar talentos e interagir com clientes e comunidades. Um show da cantora Ariana Grande trouxe 1 milhão de espectadores para essa arena digital e, com isso potencializou essa plataforma, uma das mais relevantes dentro do universo metaverso. O francês Jean-Michel Jarre, que lançou um show em realidade virtual, na Catedral de Notre-Dame, também foi totalmente aceito9. Nesses eventos ou shows, as pessoas podem sentar-se na primeira fila, comprar souvenir, camisetas e tênis em uma loja virtual.

Para o criador do Facebook, o metaverso é a possibilidade de pessoas se teletransportarem por meio de hologramas (imagens em três dimensões), indo onde precisam, no escritório, trabalho, loja, igrejas, clubes sem precisar se deslocarem. Para viverem nesse mundo necessitam de óculos, capacetes, fones de ouvidos conectados que ajudam nessa imersão. Esse universo digital tende a transformar nossas experiências online. Vai nos levar para um mundo além do que vivemos. Um mundo de sonhos.

No entanto, o metaverso é experimentar uma sensação forte, ainda que virtual, da presença das pessoas ao nosso lado. Cada um pode realizar todas as coisas em 3D (três dimensões). Penso ser uma aceleração digital. Os entusiastas do metaverso prometem avanços na ciência, na educação, na medicina etc. Podemos imaginar diversos especialistas de diferentes países reunidos numa sala para uma cirurgia virtual, por exemplo. Muitas empresas estão apostando nessas tecnologias. Acredito ser um aspecto que sutilmente está predominando no presente e será a tecnologia virtual do futuro. À medida que a tecnologia for evoluindo, as experiências dos mundos físico e digital vão se unindo. A revolução tecnológica, a crise econômica de 2008 e a crise sanitária Covid 19 estão fazendo acelerar esse processo obrigando o mundo inteiro a se recolher em casa e entrar nessa virtualização.

Nick Bostrom, filósofo sueco e professor na Universidade de Oxford disse, no ano de 2003, que os avanços na pesquisa de inteligência artificial podem representar um perigo supremo para a humanidade (BOSTROM, 2003). A civilização que atinge o ponto tecnológico que estamos vivendo pode tornar uma civilização fadada à ruina. Tende a se auto destruir por causa da tecnologia antes de atingir a maturidade tecnológica. Assim, em relação ao metaverso temos que ir além da interação física através da tecnologia. Um desafio para nós! O criador do Facebook, Zuckerberg fala que o metaverso é uma “internet incorporada, onde ao invés de visualizar o conteúdo, estamos nele”. “Fica cada vez mais difícil de separar nosso “eu digital” do nosso “eu físico”.

Ação evangelizadora em novos espaços

A Igreja no Brasil, na elaboração das Diretrizes para os anos de 1995-1998, a expressão “ação pastoral” foi trocada para “ação evangelizadora”, mostrando que as diretrizes deixaram de ser programas de ações, mas princípios norteadores no anúncio do evangelho. Devemos vivenciar o mandado missionário de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15)

A ação evangelizadora da Igreja, nos dias de hoje, tem que encontrar meios nesse mundo do “eu digital” e do “eu físico” que estão impactando a nossa cultura. Temos que ter coerência dos valores do evangelho independentes dos ambientes físico ou digital. Nesse mundo do metaverso, temos que demonstrar a nossa fé e o amor para com o próximo (cf. Jo 13,35). Não podemos ser passivos para o metaverso. Devemos produzir conteúdo para enfrentar essa cultura e não apenas consumir conteúdos como vem acontecendo e preparar os nossos fiéis para interagirem com paradigmas evangélicos no “eu digital” do “eu físico”.

Destarte, o metaverso pode ajudar a vivenciar a vida, com seus interesses, necessidades, vontades, o agir, o cotidiano e as relações na dinâmica do digital. Tudo o que fazemos na vida real poderemos fazer no mundo digital graças aos equipamentos de última geração. Nesse espaço, participaríamos de shows, viagens, visita a museus (Vaticano já estuda esse processo para conhecer seu museu), eventos, reuniões, conferências, cursos, reuniões, trabalhos, conselhos, assembleias, debates etc.

Quase sem darmos conta, ficamos condicionados à realidade virtual, aumentando cada vez mais nossos compromissos e atividades online. De acordo com pesquisas realizadas nos últimos anos, passamos mais tempo nas redes sociais, no diálogo com a textualização eletrônica no WhatsApp, nos relacionamentos com Facebook e Instagram tornando-nos totalmente dependentes delas. Já somos nativos digitais. Já não nos preocupamos em focar na vida off-line, sequer percebemos que a todo momento estamos online e a vida adquire essa dinâmica. Nos Estados Unidos, os templos religiosos já vivenciam o metaverso para celebrações de cultos, missas e até batizados.

Nos últimos anos, a revolução tecnológica, as crises econômica (2008) e sanitária (Covid 19) despertaram-nos para um envolvimento com universo virtual. As nossas celebrações foram realizadas pelas redes sociais (Youtube, Facebook, Instragram) e também aprendemos a nos reunir pelo zoom e plataformas similares (orientação espiritual, reza do terço em família e comunidades, momentos de oração, adoração ao Santíssimo Sacramento, aconselhamento espiritual, catequese de batismo, crisma, primeira eucaristia, para noivos, formações e reuniões com o clero, inúmeras reciclagens das forças vivas paroquiais e comunidades eclesiais missionárias, etc..). Nós realizamos isso praticamente sem notar o impacto para o compromisso de fé do “eu físico” com “eu digital”.

Mesmo sabendo da riqueza da inteligência artificial e dos pretensos benefícios advindos da evolução do metaverso é importante, enquanto Igreja, refletirmos o impacto dessa ferramenta num novo espaço para evangelização. Embora possamos utilizar essa ferramenta para a ação evangelizadora, ela jamais suplantará a realidade comunitária, celebrativa e, principalmente, sacramental da Igreja (casa comum).

O metaverso é algo enigmático para Igreja. É uma dificuldade teológica com repercussão pastoral. É um espaço que nos leva a trabalhar muito os conceitos de matéria e forma, substância e acidentes.  Com a consagração, a hóstia muda de substância, permanecendo os acidentes, e dizemos que o Cristo está realmente presente. Como pode ser real participar de maneira comunitária sem ser física? É possível levar isso ao universo do metaverso?

No melhor espírito do Concílio de Trento, os sacramentos serão sempre realidades reais (sinais visíveis/sensíveis da graça invisível). Os sacramentos necessitam da presença física das pessoas. Sem a presença corpórea os sacramentos não acontecem. O mistério pascal é expressão mais viva do amor de Deus por nós, é núcleo de nossa fé, a razão de ser de nossa Igreja. É também a chave teológica da compreensão de nossa fé, isto é, a celebração do mistério pascal não se adequa à realidade virtual.

Conclusão:

A título de conclusão, recordamos as palavras do Papa Francisco: “a familiaridade dos cristãos com o Senhor é sempre comunitária. Sim, é íntima, pessoal, mas em comunidade. Uma familiaridade sem comunidade, sem Pão, sem Igreja, sem povo, sem sacramento, é perigosa. Pode-se tornar uma familiaridade – digamos – gnóstica, uma familiaridade só para mim, desligada do povo de Deus. A familiaridade dos apóstolos com o Senhor foi sempre comunitária, sempre à mesa, um sinal de comunidade. Sempre o Sacramento com o Pão10”

Referências Bibliográficas

- 2 LÉVY, Pierre. O que é Virtual?, 2007, p.5.

- 3 MATTIAZZO, Maya; MORAIS, Felipe. Metaverso, 2022, p. 25.

- 4 SANTOS, 2021.

- 5 Idem.

- 6 https://www.acebatatais.com.br/noticias:metaverso-e-os-impactos-nos-futuros-modelos-de-trabalho

acessado em 28.12.2022

- 7 Jornal O Globo – dia 9 de dezembro de 2022. Metaverso: o próximo capitulo da internet já começou pg 5.)

- 8 HORNOS, 2022.

- 9 MATTIAZZO; MORAIS; 2022;

- 10 Homilia do Papa Francisco na Casa Santa Marta, 17.04.2020

 

ASANO, Paulo. Metaverso e os impactos nos futuros modelos de trabalho. InforChannel, 21 mar. 2022. Disponível em: https://bit.Iy/3kSQ1ws. Acesso em 12/12/2022.

FRANCISCO, Papa. Evangelii Gaudium: sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. São Paulo: Paulus; Edições Loyola, 2013

HORNOS, A. P. Metaverso: decifre-o ou seja devorado por ele. Estadão. Disponível em: https://einvestidor.estadao.com.br/colunas/ana-paula-hornos/metaverso-consequencias- psicologicas/. Acesso em: 10/12/2022.

Jornal O Globo – dia 9 de dezembro de 2022. Metaverso: o próximo capitulo da internet já começou.

LÉVY, Pierre. O que é virtual? 8.ed. São Paulo: Editora 34, 2007.

LONGO, Walter. Marketing e comunicação na era pós-digital: as regras mudaram. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.

MATTIAZZO, Maya; MORAIS, Felipe. Metaverso. São Paulo: Benvirá, 2022.

METAVERSO será caminho sem volta para quem não quer ser engolido pela concorrência. Economia SC, 2022. Disponivel em https://bit.Iy/37ylgdb Acesso em 15 dez. 2022

SANTOS, Dom Edson José Oriolo. A Ação Pastoral na dinâmica do Novo Normal.

3.ed., Brasília, Edições CNBB, 2021.

Francisco, bispo de Roma e Igreja Particular. São Paulo: Paulus, 2022.

Evangelização nas Cidades: raízes na teologia do Povo. São Paulo: Paulus, 2019.

SZAMOSI, Géza. Tempo e espaço: as dimensões gêmeas. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.

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27 fevereiro 2023, 09:42