A cura através da fé e da ciência
Luiz Felipe Bolis - Massaranduba, Diocese de Campina Grande
A felicidade acompanha as brincadeiras e descobertas de Lorenzo Moreira Collet, de apenas 1 ano e 5 meses. Ao lado do irmão Leonardo, de 5 anos, e de outras crianças na Praia dos Ingleses, em Florianópolis/SC, o menino nascido em Roma e filho de pais brasileiros se diverte nos últimos dias de viagem antes do retorno à Itália.
No testemunho que se espalhou pelo sul do Brasil e pelo mundo, Lorenzo fala de superação, de vitória e de recomeço. Fala da vida que venceu a morte. Fala de um modo tão perfeito que dispensa vocabulários. Lorenzo, sendo apenas um bebê aprendendo umas primeiras e poucas palavras, testemunha com o próprio exemplo a luta travada contra a meningite bacteriana em 2022.
Na virada de ano de 2021 para 2022, o Lorenzo, com 3 meses, estava de visita ao Brasil, onde vivia o primeiro réveillon ao lado de parentes e amigos da família em Florianópolis. Celebrar a chegada do novo ano junto aos dois filhos foi motivo de grande alegria para o pai Marcelo Moreira, de 45 anos, um paranaense dedicado ao futsal profissional e professor de Educação Física, e para a mãe Andressa Collet, gaúcha de 43 anos e jornalista na redação do português da Rádio Vaticano.
Andressa e os meninos permaneceram em terras brasileiras, aproveitando mais alguns dias de verão. Após o feriado, Marcelo retornou ao trabalho na Itália, onde o inverno imperava. Com a primeira bateria de vacinas completa antes de partir de Roma, Lorenzo se preparava para receber no Brasil outras três outras vacinas disponíveis para a sua idade. Essas foram adiadas devido a questões de saúde enfrentadas pela criança.
Em um sábado de janeiro, o pequeno começou a sentir uma leve febre. Atenta aos sinais, a mãe o levou para uma consulta pediátrica logo na segunda-feira. A médica pensou se tratar de uma síndrome gripal, daquelas que em geral passam após um período de sete dias. Ao fim da semana, os sintomas não haviam desaparecido, e ao contrário do que se esperava, Lorenzo teve uma febre ainda mais alta, beirando os 39 graus.
No domingo pela manhã, o menino foi consultado outra vez pela pediatra e já encaminhado para a emergência. Entre os muitos pacientes que àquele horário aguardavam por atendimento no hospital, chegou a vez do Lorenzo. Ele foi posto em observação em uma sala, e sobre o seu corpo a mãe Andressa ia passando um pano com água fria para amenizar a quentura da febre.
Quando pouco se entendia a dimensão do caso do pequeno Lorenzo, o doutor Rodrigo Marzola, infectologista pediátrico, surgiu trazendo possíveis soluções e respostas. O médico notou um semblante pálido sobre o menino, mediu a saturação e deu sequência a alguns outros procedimentos.
Quem é capaz de entender os mistérios da sabedoria e da sensibilidade de uma mãe? Preocupada pelo caminhar das horas de seu filho sem o leite materno, Andressa teve autorização do médico para amamentá-lo. O desafio agora era saber se Lorenzo teria forças e o desejo de se alimentar. Para a alegria de todos, o menino aceitou o leite.
Recordando-se do fato, as lágrimas caem do rosto de Andressa. O choro fala de superação, de dor e de alegria ao mesmo tempo, enquanto as palavras da mãe do Lorenzo e do Leonardo traduzem o verdadeiro significado do sentimento.
“Eu me emociono, porque o doutor Rodrigo, depois que toda aquela situação passou, disse que nunca imaginou que o Lorenzo fosse se amamentar em uma situação gravíssima como aquela. A parte administrativa me indicou que meu filho teria que ser internado, e como não temos plano de saúde no Brasil, o doutor Rodrigo foi um anjo, me aconselhou, nos direcionou ao hospital público infantil em que ele trabalha e administrou os trâmites para pegar ambulância e chegar ao hospital. Eu digo que ele foi o salvador do nosso Lorenzo e que Deus iluminou as mãos e a postura do doutor Rodrigo”, comenta Andressa, que fazendo jus ao Salmo 125, “semeou entre lágrimas para recolher com alegria” a cura de seu filho.
Descartadas as suspeitas de covid-19 através de dois testes, o exame de sangue, no entanto, foi bastante certeiro. Naquele 16 de janeiro de 2021, foi detectada a bactéria de uma meningite, mais precisamente a haemophylus influenzae. Um antibiótico foi receitado pelo doutor Rodrigo, gerando ainda mais esperanças de o Lorenzo ser curado, uma vez que a bactéria atingiu o cérebro da criança, causando duas convulsões focais, uma no pé e outra na mão.
A saga pelo bem-estar do Lorenzo levou à internação do menino por um período de vinte dias. O antibiótico precisava ser dado diretamente na veia e uma vasta equipe médica se pôs de guarda pela saúde da criança, desde o doutor Rodrigo, infectologista, até neurologistas e outras especialidades do SUS (Sistema Único de Saúde).
“O Lorenzo foi um leão. Ele precisava receber o antibiótico através da veia, e o doutor me disse: ‘vamos esperar que as veias dele, com apenas 4 meses, suportem tanta carga de remédio entrando’. Na quarta tentativa de buscar a veia do meu filho, no último pé, o doutor Rodrigo tinha dito: ‘esperemos que fique assim para que ele não tenha que colocar um cateter’, que daí tinha que passar por cirurgia com muito risco de infecção hospitalar para poder receber o antibiótico. Eu rezei muito para Nossa Senhora pelo Lorenzo, que estava lutando pela vida, e por tudo aquilo o que estávamos vivendo, que realmente conseguissem achar aquela veia. E foi o que aconteceu. Fomos abençoados!”. A fé, unida à ciência, traz vida à narrativa de Lorenzo, de quando era preciso ter “certeza a respeito do que não se via” (Hebreus 11, 1): a certeza da cura. É pela fé que Andressa fala com voz de mãe. Um falar que vem do coração.
“Ser mãe é tu se dedicar, tu se doar inteiramente pelos teus filhos, e com todos os seus desafios, e mais dificilmente em uma situação como essa de doença. Ser mãe é não ver barreiras, é estar em defesa, bem perto dos seus filhos”, complementa. Em plena época pandêmica, os regulamentos haviam suspendido um grande fluxo de visitas hospitalares, restringindo ainda mais os contatos com a família. Ainda que pudesse extrair leite para o bebê e trocar o expediente com alguma outras pessoa que viesse permanecer à noite com o seu filho, Andressa decidiu ficar ela mesma no hospital o máximo de dias possível.
Como pai e zelador de sua família, Marcelo obteve permissão no trabalho da Itália para seguir viagem rumo a Florianópolis, estando mais próximo da esposa e dos filhos. “O Marcelo ia ao hospital e ficava duas horas com o Lorenzo naquele período; eu saía e depois voltava. Tenho certeza que foi fundamental não só para o meu Lorenzo que estava internado, mas também para o meu outro filho Leonardo, que estava em casa com os avós, e que em uma circunstância como essa também precisava da presença materna e paterna”, pontua Andressa.
O ano de 2023 permite à família Collet sentir o cheiro da vida nova e aproveitar cada segundo da nova viagem. Andressa amamenta Lorenzo logo de manhã cedo, e vê o seu guerreiro se nutrindo de força e conhecimento a cada dia. Em uma espiada rápida pela janela, o verde tracejando o horizonte ganha destaque. A virtude da esperança bate às portas, a mesma que em 2022 os sustentou diante da esperada cura a caminho.
No quarto de hospital, tantas outras crianças e mães. Inúmeras experiências e sofrimentos compartilhados. Os olhos coloridos de Andressa Collet enxergaram as verdadeiras cores da realidade nua e crua de um Brasil na luta pela vida. A gigantesca resiliência sobre mulheres revestidas do exercício da maternidade.
Ao longo dos vinte dias, o Lorenzo conseguiu receber o antibiótico pelas veias normalmente e realizou uma série de exames, da cabeça aos pés. No dia em que o menino completou 5 meses de vida, este recebeu de presente a alta hospitalar, contendo as seguintes palavras: “Lorenzo esteve internado do dia 16/01/2022 ao dia 04/02/2022. (...) A evolução clínica foi muito favorável. Ao longo de quase toda a internação, esteve vígil e sorridente”. Como gesto de gratidão, Andressa escreveu uma carta agradecendo a todos os profissionais pelo cuidado e pela atenção com o seu pequeno. A lembrança da mãe gaúcha foi posta no mural do hospital.
“Tudo o que vivi se transformou em um grande aprendizado e no fortalecimento da minha fé, porque mobilizou gente que eu nem conhecia em círculos de oração. Pessoas chegavam para mim dizendo que tinham rezado. Envolveu tanta gente que eu sou mais grata ainda por tudo o que a fé pode nos reverter no dia a dia”. Em dezembro de 2022, Andressa, o esposo Marcelo e os filhos Leonardo e Lorenzo visitaram o Santuário de Nossa Senhora da Santa Cruz, localizado em uma área rural a 20 quilômetros de Erechim/RS. Muitos louvores foram depositados aos pés de Maria pela saúde do italiano de raízes brasileiras.
Nos últimos doze meses, os acompanhamentos médicos feitos na Itália e no Brasil mostram que Lorenzo dispõe de uma saúde perfeita, não tendo ficado nenhuma sequela da meningite bacteriana. Andressa deixa uma mensagem a todos os pais no tocante ao cuidado com a saúde dos filhos e na atenção com o calendário de vacinação desde os primeiros meses de vida.
Abençoados pelo Papa Francisco
No dia 24 de maio de 2021, os jornalistas das redações linguísticas da Rádio Vaticano foram tomados pela emocionante e especial visita do Papa Francisco. Pelos quatro andares do prédio localizado a poucos metros da Praça São Pedro, o Papa acolhia a todos os profissionais com voz de bom pastor, conhecendo-os mais de perto e animando-os na missão. Entre tantos conselhos, exclamou: “o trabalho deve ser criativo e funcional”.
Grávida e repleta de expectativas pela vinda do Lorenzo, Andressa saiu de sua sala de trabalho e se dirigiu à capela do prédio para, junto a um grupo, ter um contato ainda mais próximo com o Papa Francisco. “Foi uma entrada muito rápida. Foi feita uma oração entre nós, e quando o Papa estava saindo eu me posicionei e pedi uma bênção para o Lorenzo. Ele parou e teve um momento todo especial de oração, de envolvimento com aquela criança que estava na minha barriga. O meu primeiro filho, o Leonardo, de 5 anos, teve duas diferentes oportunidades de encontrar o Papa Francisco: uma na Audiência Geral e outra quando ele foi fazer um raio-X ali dentro do Vaticano e o Papa entrou na sala e conversou com ele”.
Já no quarto andar, no corredor da redação do português, ela e os colegas jornalistas, ao escutarem os passos inconfundíveis do Papa Francisco ali bem perto, se posicionaram para saudá-lo. Pela segunda vez naquela visita especial, o Papa cumprimentou Andressa e o bendito fruto do seu ventre.
Um olhar médico para o caso do Lorenzo
Em entrevista à Rádio Vaticano, o doutor Rodrigo Marzola fez uma explanação sobre o caso do menino Lorenzo Moreira Collet. O infectologista pediátrico acompanhou a criança no período em que esteve internada em hospital público infantil da capital catarinense, e relata:
“Quando eu atendi a Andressa e o Lorenzo, eu logo notei que o Lorenzo estava muito pálido, soando demais, e eu falei: ‘ôpa, aqui tem coisa errada’. Eu me coloquei na posição da Andressa: imagina você longe da tua casa, em um país que, por mais que seja o seu, você está apenas de férias, e de repente teu filho fica doente. Foi um susto muito grande. E foram dias terríveis no hospital para eles.
Eu acompanhei, fiz o diagnóstico, demos o tratamento, e graças a Deus o Lorenzo está ótimo. A perseverança dos pais, de estarem juntos, também contou muito. O Marcelo saiu de lá da Itália e veio aqui para Florianópolis. É importante os pais estarem com as crianças no momento da terapia, porque ajuda, dá muita força. Eu sei que é muito desgastante, mas é muito importante a questão emocional, na questão imunológica da criança.
No começo do caso do Lorenzo, muito provavelmente o que ele teve foi uma síndrome gripal, uma infecção gripal, provavelmente por influenza, e por isso que a gente defende muito vacina contra influenza nas crianças, porque ela acaba ou ela diminui o sistema imunitário. Ela faz com que tenha alguma paralisia do sistema imunitário e alguma bactéria posteriormente pode adentrar. A gente vê isso na literatura médica.
De duas a quatro semanas depois e você tem um quadro gripal, você fazer alguma outra infecção mais grave. E foi o que aconteceu. Ele começou com síndrome gripal e alguma bactéria foi pro sangue dele; o que a gente chama de bacterimia. Isso fez com que ele tivesse uma sepse. A sepse é uma síndrome inflamatória que o organismo faz para combater a infecção, só que às vezes esse mecanismo inflamatório é tão exacerbado que a criança ou o adulto perde esse controle e por isso o médico precisa atuar. Foi ali, nesse momento, que eu atuei sobre o Lorenzo, no ano passado.
A bactéria entrou na corrente sanguínea dele e por isso ele ficou pálido, com febre, com bastante suor. Como a gente prontamente já atendeu, fez volume com soro fisiológico e administrou antibiótico, não teve consequências mais graves. Uma das consequências é que essa bactéria entra pro sangue e foi pro cérebro, e fez ali um abscesso cerebral.
Como eu falei: como a gente começou com uso de antibiótico logo, ele não teve as sequelas, mas se não tivesse feito todas as medidas, poderia ter tido outra sequela mais grave. Baseado nisso, baseado no tipo de bactéria e sabendo que ele não tinha todas as doses de vacinas pela idade, porque as vacinas, a gente tem certas idades para dar, ele teve mais facilidade de pegar uma bactéria que gosta de fazer infecção no sistema nervoso central, que é a influenza do tipo B, aí usou o antibiótico e ficou tudo bem. Ele teve uma crise convulsiva durante, por consequência da própria bactéria, e eu sabendo o nome dela, por isso que a gente foi atrás, fez exame de imagem, fez exame de líquor (líquido cefalorraquidiano) para vermos se havia mais alguma coisa, e graças a Deus ele estava bem.
Me sinto um privilegiado de ter participado dessa história. Sou privilegiado por ter conhecido o Marcelo, a Andressa, o Leonardo e o Lorenzo”, finalizou.
Segundo o Ministério da Saúde, a meningite é considerada uma doença endêmica no Brasil. Em caso de suspeitas, recomenda-se buscar atendimento médico o mais rápido possível. O número do Disque-Saúde do Ministério da Saúde é o 136 em território nacional brasileiro.
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