Finanças e armas, um recorde de US$ 1 trilhão para apoiar a indústria militar
Valerio Palombaro
"A guerra alimentará a si mesma": essa frase do historiador romano Tito Lívio é particularmente relevante hoje, em um momento em que a proliferação de guerras no mundo desencadeia uma espiral aparentemente inescapável de aumento dos gastos militares. Uma tendência preocupante, que em 2023 atingiu novos recordes e que diz respeito de perto ao mundo das finanças: quase 1 trilhão de dólares (959) foi usado em dois anos por instituições financeiras globais para apoiar a produção e o comércio de armas. Esse fato foi denunciado pelo relatório "Finance for War. Finance for Peace", (Financias para a Guerra. Finanças para a paz) apresentado nesta quarta-feira (28) pela “Global Alliance for Banking on Values” (Gabv), a aliança mundial de 71 bancos "éticos" que se reuniu pela primeira vez na Itália, entre Milão e Pádua, de 26 de fevereiro até esta quinta-feira, 29.
"Os bancos e o setor financeiro não são apenas corretores de dinheiro, mas agentes críticos de mudança", diz o prefácio do detalhado relatório de 32 páginas. Mais da metade do investimento total no setor de armas, mais de US$ 500 bilhões, vem dos Estados Unidos. E as 12 instituições financeiras que mais investem na produção de armas são todas estadunidenses: uma classificação liderada, com 92 bilhões de dólares, pelo grupo Vanguard. Os 15 maiores bancos europeus investiram 87,72 bilhões de euros em indústrias produtoras de armas. Uma tendência semelhante à da Ásia, enquanto entre as 100 principais instituições financeiras que investem no setor de armas não há investidores da África ou da América Latina.
O ano passado marcou um novo recorde de gastos com a defesa: globalmente, foram gastos cerca de US$ 2 trilhões e 240 bilhões, ou 2,2% do PIB mundial, um aumento de 9% em relação ao ano anterior. Nesse cenário, o setor financeiro é muito ativo: entre 2020 e 2022, ele apoiou o setor de defesa com pelo menos US$ 1 trilhão. E a tendência se intensificou ainda mais com a eclosão de guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, somando-se aos muitos conflitos mais ou menos "esquecidos" que se arrastam do Sudão a Mianmar, para citar apenas alguns dos mais sangrentos.
A eclosão da guerra na Ucrânia em fevereiro de 2022 fez com que o valor das ações das empresas de armamentos disparasse. Uma análise do Financial Times mostrou que a carteira de pedidos de novos armamentos atingiu níveis recordes em 2022 e no primeiro semestre de 2023. Uma tendência que, infelizmente, aumentará a curto prazo, principalmente por causa da eclosão do conflito entre Israel e o Hamas em outubro de 2023. Entre os dez estoques globais que mais progrediram desde o início de 2024 estão o fabricante alemão de munições Rheinmetall e a empresa norueguesa Kongsberg.
Os bancos éticos, por outro lado, estão indo contra a maré. Em uma reunião realizada nesta quarta-feira em Milão, foi adotado um Manifesto que condena todas as guerras e pede que as instituições financeiras "tradicionais" revertam a tendência e invistam no financiamento da paz. Um apelo urgente, já que os gastos militares estão crescendo exponencialmente, enquanto os recursos para serviços essenciais, como escolas e assistência médica, são difíceis de serem encontrados. Uma análise do “International Peace Bureau” traduziu o custo de armamentos específicos em bens e serviços de saúde: uma fragata multifuncional europeia (Fremm) vale o salário de 10.662 médicos por ano (média dos países da OCDE); um caça F-35 equivale a 3.244 leitos de terapia intensiva e um submarino nuclear da Virgínia custa o mesmo que 9.180 ambulâncias. Metade dos recursos alocados pelos governos em todo o mundo para as forças armadas seria suficiente para fornecer assistência médica básica para todos no planeta e para reduzir consideravelmente as emissões de gases de efeito estufa.
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