Morre na prisão Alexey Navalny, líder opositor russo
Vatican News
O dissidente russo e principal opositor de Putin, Alexei Navalny, morreu aos 47 anos na Colônia Prisional número 3 na região ártica da Rússia Setentrional, depois de se sentir mal após uma caminhada. O anúncio foi feito pelo Serviço Penitenciário Nacional da Rússia.
Navalny estava detido desde janeiro de 2021 e cumpria pena de 19 anos de prisão. Na última mensagem na plataforma X, com data de 14 de fevereiro, havia denunciado ter sido novamente colocado em uma cela de castigo pela quarta vez, em dois meses, e que teria ali permanecido por 15 dias.
"Não quero ouvir condolências. Nós o vimos na prisão em 12 de fevereiro, ele estava vivo, saudável e feliz”, escreveu no facebook a mãe de Navalny, Lyudmila Navalnaya, conforme noticiado pela Novaya Gazeta.
As autoridades russas afirmaram não ter informações sobre as causas da morte do dissidente, e que investigações serão realizadas pelo Serviço Penitenciário Federal, sem maiores comentários por parte do Kremlin. As reações internacionais à notícia da morte de Navanly foram imediatas, por parte de chefes de estado e de governo de todo o mundo.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, disse estar “indignado” com a morte na prisão de Alexei Navalny, principal opositor de Vladimir Putin, e fez um apelo pelo “fim da perseguição” na Rússia, num comunicado de imprensa divulgado à mídia. «Todos os detidos ou que tenham sido condenados a diversas penas de prisão pelo exercício legítimo dos seus direitos, incluindo o direito à liberdade de reunião pacífica e expressão, devem ser imediatamente libertados e todas as acusações contra eles apresentadas devem ser retiradas», lê-se no comunicado de imprensa.
Navalny estava detido em uma colônia penal no remoto Ártico russo, ondefoi encontrado pelos seus advogados após três semanas sem terem notícias dele, a não ser de que seria transferido. Estava incapacitado de se comunicar com o mundo exterior, isolado, longe de tudo, trancafiado em uma cela de dois por três metros, de onde sabia que nunca poderia sair – como de fato aconteceu.
Alexei Navalny estava nas mãos dos seus inimigos jurados, que tentaram eliminá-lo pelo menos algumas vezes. Poderia ter permanecido no estrangeiro, onde teria sido aclamado como a voz mais forte contra a verticalidade do poder que governa a Rússia há mais de vinte anos, mas escolheu retornar, sabendo muito bem que seu destino seria a prisão e levando em conta que a morte poderia estar à sua espera, como de fato aconteceu.
Ele foi condenado pela primeira vez a cinco anos de prisão em julho de 2013, acusado de desvio de bens estatais da empresa pública Kirovles. Acusações misteriosas, documentos nunca divulgados. De 2011 a 2018 foi condenado mais dez vezes à prisão administrativa, essencialmente pelo crime de "reunião sediciosa."
Em janeiro de 2021, imediatamente após voltar da Alemanha para casa, ele foi detido por “violação das regras”. Ele não havia comparecido à delegacia nas datas previstas, e tinha um bom motivo para não fazê-lo: estava hospitalizado, entre a vida e a morte, após ser envenenado com Novichok por agentes de uma equipe especial do FSB, o serviço secreto russo. Em março de 2022, foi considerado culpado de fraude agravada e condenado a 9 anos de prisão. No final de maio daquele ano, foi acusado de ter criado “uma comunidade extremista”.
Em 26 de abril de 2023, foram-lhe concedidos 10 dias para ler os 196 volumes do novo processo contra ele. Em 4 de agosto foi condenado a mais 19 anos de prisão. A Duma (câmara baixa da Assembleia Federal, enquanto o Soviete da Federação é a câmara alta, ndr.) aprovou uma lei que parecia feita sob medida para ele – transformar aquela sentença em prisão perpétua.
A razão da fúria contra um homem enterrado vivo, ou quase, não residia nas investigações jornalísticas do seu grupo de trabalho, que também revelaram as incríveis riquezas dos homens do Kremlin que pregam a frugalidade ao seu povo, enquanto acumulam villas e iates nos locais mais exclusivos no mundo. Isso agora é coisa do passado, não há mais necessidade de fingir qualquer franciscanismo, pois não existe mais oposição.
Durante anos, Vladimir Putin temeu ser comparado com ele, com a sua popularidade, com a sua capacidade de atingir um público que lhe era inacessível, o dos jovens. Esse medo permaneceu até sua morte, porque a presença de Navalny continuava a pairar sobre o Kremlin. Navalny ganhou projeção e conseguiu realizar façanhas, munido apenas com um iPhone e os seus canais nas redes sociais.
Em 20 de agosto de 2020, quando foi envenenado, regressava a Moscou de uma viagem eleitoral a Tomsk e Novosibirsk, as duas cidades universitárias da Sibéria onde o vento da dissidência soprava o mais forte possível. Pouco depois haveriam eleições locais, mais um teste à estratégia do "voto inteligente", a sua invenção mais importante: concentrar as preferências da oposição no candidato com maiores probabilidades de sucesso, independentemente da sua cor política.
Nas eleições parlamentares de 2011, quando a sua carreira como inimigo público número um do Kremlin estava apenas começando, ele impediu que o partido Rússia Unida atingisse os desejados cinquenta por cento. Foi esta transversalidade que fez de Navalny o que continuou a ser até ao fim.
Nascido em 1976, filho de um soldado e criado numa guarnição militar, tornou-se o representante dos eleitores que têm uma vaga memória da União Soviética e, acima de tudo, não se arrependem, não vivem do mito do poder perdido. Com os seus slogans contundentes – como podemos esquecer a definição de “avô no bunker” dada a Putin – ele levou consigo liberais, comunistas, até nacionalistas, qualquer um que fosse contra o poder atual.
Criava memes continuamente. Durante anos, se proliferou no YouTube, tornando-se uma espécie de marca. Ele era o vizinho que, durante a curta temporada de manifestações em massa contra o revezamento Medvedev-Putin, incentivou os transeuntes a se juntarem à manifestação: "Não fiquem parados como muflões".
Casou-se jovem, como manda a tradição, morando com a esposa e dois filhos em um prédio de apartamentos em Maryno, nos arredores de Moscou. Ele não era um veterano da URSS, não era um intelectual, não era um oligarca. Não tinha rótulos.
Poucos meses antes do ataque de que foi vítima, a sua periculosidade foi certificada por mais uma lei ad personam, que proibia pessoas que residissem no estrangeiro de concorrer à presidência. E aqui começaram os problemas.
Pouco antes do seu envenenamento, Navalny ainda era julgado com certo desdém pela mídia internacional. Porque se interpretado com o critério ocidental, Navalny era um populista, alguém que levava todos consigo, que não fazia distinções. Que sempre foi censurado pelo pecado juvenil do nacionalismo grão-russo e pelas declarações sobre a Crimeia, que «não deveria ser devolvida à Ucrânia, porque não é uma sanduíche de presunto que se leva primeiro e depois se devolve». Soma-se a isso seus estudos em Yale como membro selecionado do "Greenberg World Fellows Program", programa criado em 2002 para o qual apenas 16 pessoas com características que os tornam "líderes globais" são selecionadas todos os anos em escala global. E eis os dedos levantados e as suspeitas sobre ele, alimentadas pela propaganda do Kremlin, que o apresentava como um personagem ambíguo e um agente estrangeiro pago pelos Estados Unidos, e que durante muito tempo muitos meios de comunicação internacionais morderam tal isca. Só para depois mudar de ideias, perante um gesto heróico como a escolha de regressar à sua terra natal, sabendo muito bem o que o esperava.
Esta é a diferença com todos os outros. Ele não era um exilado de luxo, como Gerry Kasparov ou outros compatriotas expatriados. Ele foi, até o fim, um protagonista da política russa, a única voz forte da dissidência, enquanto os “de fora” estavam divididos quanto à oportunidade de um voto útil, a única ideia nascida de uma oposição aniquilada e estéril ao mesmo tempo .
Ele não apenas falou. Ele sempre obteve resultados. As eleições de 2020 na Sibéria foram um triunfo. No início deste ano, Ksenya Fadeeva, coordenadora do seu movimento em Tomsk, foi condenada a nove anos de prisão por “extremismo”.
Não obstante a prisão e uma voz cada vez mais fraca, Navalny ainda continuava a provocar medo.
*Com Corriere della Sera
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