A divisão de Chipre, um conflito congelado pelo nacionalismo
Olivier Bonnel - Cidade do Vaticano
Há cinquenta anos, no dia 15 de Julho de 1974, o poder grego, então nas mãos de uma junta militar, tentou um golpe de Estado para anexar Chipre a Atenas. Poucos dias depois, o exército turco desembarcou no norte da ilha com a alegação de defender a minoria de língua turca. A ilha já estava separada pela Linha Verde criada pela ONU em 1964, quatro anos após a sua declaração de independência do Reino Unido. Em ambos os lados desta linha viviam cipriotas gregos e turcos, estes últimos tendo-se estabelecido durante o período otomano.
Durante meio século, o conflito permaneceu congelado e a questão nunca foi resolvida, apesar de uma proposta da ONU de reunificação em 2004 ter sido recusada pelo lado grego na sequência de um referendo. Gilles Bertrand, especialista em Chipre e docente do centro Émile Durkheim da Universidade de Bordeaux, regressa a esta situação de conflito ainda viva.
Como você explica a divisão que ainda existe na ilha?
O primeiro obstáculo é o nacionalismo, nomeadamente que os nacionalistas das duas comunidades mantêm uma certa preponderância. Vemos isto, por exemplo, entre os cipriotas gregos, com uma vitória muito evidente dos nacionalistas nas recentes eleições europeias. Em primeiro lugar, é esta oposição dos nacionalistas cipriotas gregos e turcos que não querem esta reunificação e que não querem viver juntos.
A Igreja Greco-Ortodoxa não é um obstáculo. Acontece que os últimos arcebispos da Igreja estavam mais do lado nacionalista. Mas outros membros da Igreja denunciaram o nacionalismo.
Do lado da Turquia, o problema não é tanto Recep Tayyip Erdogan, mas sim a política da Turquia desde 1974 que consiste em dizer: “Criamos a partição para proteger os cipriotas turcos da violência perpetrada pelos cipriotas gregos. Consideramos a partição a solução. Para nos fazer mudar de ideia, é necessário dar garantias ou compensações suficientes.”
No entanto, em 2004, as portas a uma resolução fecharam-se com o fracasso do referendo de 2004 e a recusa dos cipriotas gregos que votaram 75% contra o plano Annan (plano de reunificação da ilha proposto pelo então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, apresentado em 2004, ndr). Depois, as declarações de Angela Merkel e Nicolas Sarkozy nos anos 2008-2009 contra a adesão da Turquia à União Europeia também fecharam portas.
Chipre faz parte da União Europeia. No entanto, a questão de Chipre e a divisão da ilha permanecem relativamente ausentes dos debates europeus. Na sua opinião, a União Europeia está fazendo o suficiente em relação a essa questão?
Acho sempre um pouco difícil falar sobre a Europa porque o Conselho Europeu, ou seja, os chefes de Estado e de governo, e a Comissão Europeia na época de José Manuel Barroso, no início dos anos 2000, não fizeram o trabalho. Ou seja, durante o alargamento de 2004, onde ficou decidido incluir dez países - acrescentando Malta e Chipre, com os seus problemas bastante particulares -, aos Estados da Europa Central e Oriental, foi bastante estranho.
Nesta enorme negociação, a questão de Chipre foi negligenciada. Os governos consideraram que a ONU estava cuidando disso. O tratamento da questão cipriota continuou a ser totalmente técnico porque, de fato, nenhum governo quis se defrontar diretamente contra o governo cipriota, nomeadamente quando recusou o plano Annan e encorajou os cidadãos a votarem contra Annan ou contra a Turquia.
Existe hoje uma identidade cipriota que une a parte grega e a parte turca? Como defini-lo?
Sim, realmente existe. A identidade cipriota era importante e forte antes. Isso não significa que não exista mais. Os nacionalistas começaram a dizer às pessoas: “Não, mas vocês não são apenas ortodoxos, vocês são gregos e vocês, muçulmanos, são turcos”. Houve esta divisão e ainda hoje as duas ideologias nacionalistas fazem de tudo para tentar separar as pessoas. O fato é que as pessoas comem a mesma comida, ouvem a mesma música.
Faz parte da civilização mediterrânea. Essa identidade ainda existe. Existe até um movimento cipriota que diz: “Finalmente, a Grécia e a Turquia fizeram-nos mal e somos ilhéus. A nossa identidade cipriota é forte e podemos viver muito bem juntos.” Isto continua a ser menos forte do que as duas ideologias nacionalistas que tomaram o poder: os decisores pertencem a estas correntes.
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