O aumento do suicídio infantil no Brasil
Padre Lício de Araújo Vale – Diocese de São Miguel Paulista - SP
Em um mundo que promove, cada vez mais, diálogos sobre saúde mental e bem-estar, a triste verdade é que crianças e adolescentes continuam a ser vítimas deste fenômeno devastador.
Embora o suicídio tenha sido tradicionalmente associado principalmente a adultos, as taxas de suicídio entre crianças e adolescentes vêm aumentando alarmantemente nas últimas décadas. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em todo o mundo. A tragédia se estende a crianças ainda mais jovens, com casos de suicídio registrado em faixas etárias que não deveriam sequer ter vivido as agruras da vida adulta. Dados observacionais mostram que o suicídio infantil é um fenômeno global, afetando tanto países desenvolvidos quanto em desenvolvimento.
Essas estatísticas, por si só, exigem uma reflexão profunda e cuidadosa sobre o que está acontecendo nas relações familiares, sociais e educacionais que envolvem as crianças. A compreensão de que toda vida é preciosa deve nos motivar a examinar as causas por trás desse grave problema social.
As causas do suicídio infantil são complexas e multifatoriais. A interação de fatores biológicos, psicológicos e sociais pode levar uma criança ou adolescente a considerar o suicídio como uma saída. Dentre os fatores de risco, destacam-se:
1. Fatores Psicológicos: Distúrbios emocionais e comportamentais, como depressão, ansiedade e transtornos de conduta, são frequentemente associados a pensamentos suicidas. A ausência de suporte emocional e a falta de habilidades para lidar com emoções intensas podem agravar esses distúrbios.
2. Fatores Sociais: O ambiente social e familiar desempenha um papel crucial na saúde mental das crianças. Relações conflitantes, abuso físico ou emocional, negligência e situações de bullying são fatores que têm mostrado estar correlacionados com o aumento do risco de suicídio.
3. Fatores Culturais: Normas culturais e sociais que desestimulam a comunicação sobre problemas emocionais podem dificultar a busca de apoio. Em culturas ou contextos em que o fracasso e a vulnerabilidade são estigmatizados, as crianças podem se sentir isoladas, levando a um acúmulo de sofrimento emocional.
4. Fatores Ambientais: A exposição a ambientes violentos, crises familiares, ou situações de estresse extremo, como a perda de um ente querido, pode influenciar de maneira significativa a saúde mental da criança.
É fundamental que esses fatores sejam abordados em um contexto mais amplo, onde o suporte social e a percepção coletiva da saúde mental sejam tratados como prioridades.
Identificar os sinais de alerta do suicídio infantil pode ser um desafio, mas é essencial para a intervenção precoce. Os pais, educadores e cuidadores devem estar atentos a mudanças comportamentais que podem indicar sofrimento emocional. Alguns sinais comuns incluem:
- Alterações drásticas no humor.
- Isolamento social.
- Mudanças no apetite e no sono.
- Aumento do uso de substâncias.
- Expressões verbais de desespero ou falta de esperança.
- Comportamentos autodestrutivos ou autolesões.
Se esses sinais forem observados, é crucial que se busque ajuda profissional imediatamente. A comunicação aberta sobre sentimentos e desafios deve ser incentivada, tanto em casa quanto nas escolas.
Segundo estudo realizado pelo Dr. Orli Carvalho, pediatra e psiquiatra da infância e adolescência do IFF/Fiocruz, realizado em 23/02/2021: “Pensando no público infantil quando que se deve entender que uma criança pode pensar em suicídio? O primeiro ponto é ela entender o que é morte, pois se ela não tem uma clareza do que seria a morte, é difícil que ela pense em suicídio como um auto aniquilação.
A perspectiva da morte se apresenta no campo teórico sobre três características: irreversibilidade (não se pode voltar da morte), universalidade (todos morrem), não funcionalidade (independente da comunicação que se possa ter com o ente que faleceu).
Uma criança de 7 a 9 anos adquirem esses conceitos, mas as crianças têm suas especificidades. Por exemplo, a criança que passa pelo processo de tratamento de uma doença, como o câncer ou crianças que vivem em comunidades violentas que se deparam com a morte no seu cotidiano, são crianças que lidam com a experiência da morte de forma mais rotineira.
Algumas características do comportamento suicida do público adulto que podem ser importadas para a pediatria: ambivalência (o querer e o não querer); impulsividade (muito presente no final da infância e na adolescência e rigidez (a inabilidade de ver de uma outra forma, o não flexível). “O suicídio infantil não afeta apenas a criança em si, mas também sua família, amigos e comunidade”. O impacto psicológico em pais e irmãos de uma criança que morre por suicídio é profundo e muitas vezes devastador, resultando em sentimentos de culpa, vergonha e tristeza. Além disso, a sociedade como um todo é prejudicada, uma vez que a perda de uma vida jovem e promissora representa um custo emocional e social irreparável.
Por outro lado, as taxas crescentes de suicídio têm se tornado um reflexo das falhas nos sistemas de apoio e de intervenção na saúde mental infantil. A falta de acesso a serviços de saúde mental de qualidade e a escassez de profissionais capacitados nas escolas e comunidades são barreiras que precisam ser urgentemente abordadas.
A prevenção do suicídio infantil deve ser uma prioridade em todas as esferas da sociedade. Programas de educação em saúde mental nas escolas, que incluem o fortalecimento de habilidades sociais e emocionais, podem equipar as crianças com ferramentas necessárias para lidar com suas emoções de maneira saudável.
Além disso, o apoio às famílias é crucial. Educar pais e cuidadores sobre saúde mental e fornecer recursos para a comunicação eficaz com seus filhos pode beneficiar não apenas a criança, mas toda a dinâmica familiar. O envolvimento da família nas intervenções terapêuticas é um fator importante que contribui para a eficácia dos tratamentos.
O suicídio infantil é um problema complexo que exige uma abordagem multidisciplinar e multidimensional. É um chamado à ação para todos nós – educadores, profissionais de saúde, pais e a sociedade como um todo. Reconhecer a dor, ouvir as vozes das crianças e proporcionar um espaço seguro para a expressão emocional pode transformar vidas. Prevenir o suicídio infantil é um dever coletivo que exige empatia, comprometimento e ação proativa.
É imperativo que continuemos a promover diálogos sobre saúde mental, desestigmatizando a busca por apoio e criando comunidades que ofereçam um refúgio seguro para todos, especialmente para as vozes mais jovens. Que possamos, juntos, ser agentes de mudança, garantindo que nenhuma criança se sinta sozinha em sua luta interna e que todos tenham acesso ao amor e à compreensão que merecem.
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