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Papa com um grupo de adolescentes na Audiência Geral Papa com um grupo de adolescentes na Audiência Geral 

O 2018 de Francisco, um balanço à luz da alegria do Evangelho

Repassamos o ano de Francisco, com suas alegrias e aflições, olhando para os acontecimentos de 2018 através das lentes da Evangelii gaudium

Sergio Centofanti - Cidade do Vaticano

Este ano, como disse o Papa Francisco em seu recente discurso de felicitações de Natal à Cúria, foi difícil para a Igreja, "investida por tempestades e furacões". Precisamente por isso, podemos ler melhor o ano de 2018 do Papa, à luz de sua primeira Exortação Apostólica, a Evangelii gaudium, que no mês passado completou 5 anos. De fato - escreve Francisco - "é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta mas firme confiança, mesmo em meio às piores angústias".

Cristo no centro

Um texto programático do seu pontificado, fortemente cristocêntrico. Todas as reflexões do Papa deste ano, das 43 Audiências Gerais às 89 meditações na Santa Marta, dos Angelus às homilias das Missas públicas, estão centradas no encontro vivo com Jesus, como lemos no início da Evangelii gaudium:  “A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria”. O Papa convida os fiéis a "uma nova etapa de evangelização marcada por essa alegria".

Levar o frescor original do Evangelho para o mundo

Francisco indica dois caminhos. O primeiro é o apelo aos cristãos para levarem a todos, com renovado fervor e criatividade, a alegria de ter encontrado Jesus: trata-se de uma "nova saída missionária" que quer "recuperar o frescor original do Evangelho" e concentrar-se no essencial, evitando uma pastoral "obcecada pela transmissão desarticulada de uma multidão de doutrinas que se tenta impor pela força de insistir". No núcleo do anúncio "o que resplandece é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo que morreu e ressuscitou". De fato, escreve Francisco, acontece que falamos "mais da lei que da graça, mais da Igreja do que de Jesus Cristo, mais do Papa do que da Palavra de Deus".

Uma Igreja de portas abertas

O segundo  caminho é o de uma Igreja aberta e acolhedora. "A Igreja - afirma - é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai (...) Mesmo as portas dos Sacramentos não se deveriam fechar por qualquer motivo". Assim, "a Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prêmio para os perfeitos, mas um generoso remédio e um alimento para os fracos. Essas convicções também têm consequências pastorais que somos chamados a considerar com prudência e audácia. Frequentemente nos comportamos como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega, é a casa paterna onde há espaço para todos com sua vida dura".

O Papa já prevê as consequências dessa abordagem: "Eu prefiro uma Igreja acidentada, ferida e suja por ter saído para as ruas, em vez de uma Igreja doente pelo fechamento e a comodidade de apegar-se às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro e que acaba encerrada em um emaranhado de obsessões e procedimentos. Se algo deve santamente inquietar e perturbar a nossa consciência, é que muitos dos nossos irmãos vivem sem a força, a luz e o consolo da amizade com Jesus Cristo".

O Rosário para proteger a Igreja das divisões

Um dos momentos fortes deste 2018 foi o apelo do Papa para rezar o Rosário todos os dias, unidos como povo de Deus em pedir a Nossa Senhora e São Miguel Arcanjo para proteger a Igreja do diabo, “que sempre visa nos separar de Deus e entre nós".

Nestes tempos - afirma Francisco - "parece que o Grande Acusador tenha se soltado e persegue os bispos" para semear discórdia, escândalo e dúvidas entre os fiéis. O Papa olha com aflição àqueles que "traem" a sua consagração a Deus e a Igreja e "escondem-se por detrás das boas intenções para apunhalar os seus irmãos", encontrando "sempre justificativas, até mesmo lógicas e espirituais, para continuar a percorrer sem serem perturbados o caminho da perdição". "A Igreja não deve ser sujada" - disse o Papa ao final do Sínodo sobre os jovens – os seus filhos estão sujos, “todos, mas a Mãe não. E por isso é o momento de defender a Mãe; e a Mãe se defende do Grande Acusador com oração e penitência".

Deus não cessa de falar

Neste contexto, recordamos a mudança do Catecismo, aprovada pelo Papa, sobre a pena de morte: "A Igreja ensina, à luz do Evangelho – lê-se no novo texto - que a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa", e se empenha com determinação para a sua abolição em todo o mundo".

Um desenvolvimento da doutrina católica sobre este tema, que somente em linha de princípio ainda admitia a pena capital. Um desenvolvimento que confirma como a tradição - disse Francisco - é "uma realidade viva, e somente uma visão parcial pode pensar no 'depósito da fé', como algo estático (...). Não pode conservar a doutrina sem fazê-la progredir, nem se pode liga-la a uma leitura rígida e imutável, sem humilhar a ação do Espírito Santo." Basta ler os desenvolvimentos doutrinais em 2000 anos de história cristã para perceber que Deus não deixa de falar e de nos fazer entender sempre melhor as verdades do Evangelho. Cresce a inteligência da fé.

A chaga dos abusos: homens da Igreja que comportam-se como senhores em vez de servir

2018 foi o ano em que o escândalo de abusos cometidos por expoentes da Igreja irrompeu em toda a sua virulência. Compreende-se melhor a invocação lançada em Evangelii gaudium: "Deus nos livre de uma Igreja mundana" que, sob "aparência de religiosidade", busca apenas poder, declinado em suas múltiplas formas.

Na Carta ao Povo de Deus de 20 de agosto, o Papa reitera o caminho da tolerância zero, da verdade, da justiça, da prevenção e da reparação. A Igreja está ao lado das vítimas ("as feridas nunca prescrevem") e está fortemente comprometida na proteção de menores.

Francisco fala de uma tríplice forma de abuso: de poder, de consciência e sexuais. Ele afirma que o "clericalismo" está entre as principais causas desse flagelo: é quando o sacerdócio perde sua vocação de serviço e se transforma em poder, anulando a personalidade dos cristãos. Falando à Cúria, ele disse basta ao acobertamento e define os abusadores como lobos atrozes, muitas vezes escondidos atrás de rostos angelicais, lançando a eles um apelo: "Convertam-se e entreguem-se à justiça humana e preparem-se para a justiça divina".

O Papa destitui do estado clerical bispos e sacerdotes e retira o cardinalato de Theodore McCarrick, 88 anos, arcebispo emérito de Washington. Agora há grande expectativa para o encontro sobre abusos convocado pelo Papa para o próximo fevereiro no Vaticano, no qual tomarão parte bispos de todas as Conferências Episcopais do mundo.

Uma Igreja que caminha em direção à santidade

No sínodo de outubro passado, o papa relançou seu convite contido no Evangelii Gaudium para "caminhar juntos" na Igreja, sem deixar ninguém à margem: o documento final pede um novo protagonismo dos jovens, mulheres e leigos. Ainda há um longo caminho a percorrer.

Caminhar todos juntos, especialmente para a santidade: com a Exortação Apostólica "Gaudete et exsultate", publicada em abril, Francisco refere-se por exemplo "aos santos da porta ao lado", as tantas testemunhas da fé que dão a vida no silêncio de todos dias. E com a canonização de Paulo VI e Romero,  indica que a santidade se manifesta de muitas maneiras diferentes, mas coloca juntas instituição e profecia.

Viagens internacionais, o abraço de pessoas e povos

Uma igreja sempre mais missionária e próxima às pessoas, pede a Evangelii gaudium. 2018 levou Francisco ao Chile, onde encontrou algumas vítimas de abusos: mais tarde, confessará em uma carta que incorrera em "graves erros de avaliação e de percepção da situação, especialmente pela falta de informações verdadeiras e equilibradas" e pediu perdão.  No Peru, ele abraçou o povo da Amazônia e na peregrinação ecumênica a Genebra, fez um apelo a todas as Confissões cristãs para testemunhar juntos Cristo, para além das diferenças, na lógica do serviço. Em Dublin, ele viveu o caloroso abraço com as famílias e nos três países bálticos recordou a perseguição nazista e comunista e a fidelidade de tantos mártires cristãos.

Viagens italianas, incluindo Padre Pio, don Tonino Bello e don Puglisi

Na Itália, Francisco foi a Pietrelcina e San Giovanni Rotondo: Padre Pio - disse ele - é um santo que amava Jesus e amava "incondicionalmente" a Igreja "com todos os seus problemas, com todas as suas dificuldades”, dando um grande testemunho de fidelidade e comunhão.

Em Alessano e Molfetta, recordou a exortação do padre Tonino Bello a uma vida desconfortável, "porque quem segue Jesus ama os pobres e os humildes." Seguiram-se as viagens a Nomadelfia (Comunidade fundada por Fr. Zeno Saltini) e Loppiano (Focolares) e depois a Bari para o encontro com os líderes das comunidades cristãs do Oriente Médio, onde o Papa denunciou violências, destruição, fundamentalismos e a migração forçada "no silêncio de tantos e com a cumplicidade de muitos": em risco é a própria existência dos cristãos na região. Última viagem italiana do ano, a Piazza Armerina e Palermo, no 25º aniversário da morte do Beato Pino Puglisi, sacerdote assassinado pela máfia, que tem continuado a espalhar bondade no meio do poder do mal.

Direitos humanos espezinhados e cristãos perseguidos

No 70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Papa, no seu discurso ao Corpo Diplomático, afirmou que muitos direitos fundamentais são ainda hoje violados: "O primeiro entre todos, o da vida, a liberdade e a inviolabilidade de todo ser humano". Pensa nas "crianças inocentes, descartadas ainda antes de nascerem", "os idosos, também eles muitas vezes descartados, especialmente se estiverem doentes", "mulheres que frequentemente sofrem violências", nas vítimas de tráfico, muitas vezes fugindo da pobreza e das guerras.

O Papa também denuncia o surgimento de novos e controversos direitos que, com uma nova forma de colonização ideológica, os países ricos querem impor aos mais pobres. O pensamento vai às palavras da Evangelii Gaudium, onde Francisco pede para mudar o atual sistema econômico, porque "essa economia mata", gera famintos e descartes humanos, fazendo prevalecer "a lei do mais forte, onde o poderoso come o mais fraco".  Francesco sublinha que em muitos países a liberdade de religião e de consciência é espezinhada. Ele afirma em diversas ocasiões que os cristãos são mais perseguidos hoje do que nos primeiros séculos.

Acordo com a China: olhar para a história através dos olhos da fé

Em 22 de setembro passado, foi assinado em Pequim o Acordo Provisório entre a Santa Sé e a China sobre a nomeação dos Bispos (a última palavra pertence ao Papa), com o desejo que contribua positivamente para a vida da Igreja na China, em benefício dos chineses e à paz no mundo. O objetivo do Acordo é pastoral, não político. Em uma Mensagem, o Papa Francisco explica as razões que o levaram a assinar o acordo: promover o anúncio do Evangelho e alcançar a unidade da comunidade católica chinesa. Ele pede confiança neste passo: porque a fé muda a história.

As reformas: por uma Igreja profundamente missionária

Tiveram continuidade este ano as reformas estruturais iniciadas por Francisco em chave missionária, como desejado pela Evangelii gaudium. O Conselho de Cardeais entregou ao Papa uma proposta da Constituição Apostólica (intitulada Praedicate evangelium) sobre a reforma da Cúria Romana, para que responda mais às exigências de uma Igreja em saída. Com a Constituição Apostólica Episcopalis communio, Francisco transforma o Sínodo dos Bispos como “evento em processo", com o envolvimento de todos os batizados: se "inicia escutando o Povo de Deus", se "prossegue escutando os pastores”, culminando na escuta do Bispo de Roma, chamado a pronunciar-se como «Pastor e Doutor de todos os cristãos».

Com o Motu proprio "Aprender a despedir-se", modifica alguns aspectos da renúncia dos titulares de alguns ofícios de nomeação pontifícia, enfatizando a importância da preparar-se para a renúncia, "despojando-se dos desejos de poder e da pretensão de ser indispensável."

O Papa aprovou a Nova Lei do Governo do Estado da Cidade do Vaticano, em vigor a partir de junho próximo, com base em três princípios (racionalização, economicidade e simplificação) e quatro critérios (funcionalidade, transparência, coerência normativa e flexibilidade organizacional). Também continua o empenho da Santa Sé para melhorar a transparência financeira, confirmada pelo sim da Europa ao ingresso do Vaticano no circuito bancário SEPA (Single Euro Payments Area).

É a hora da misericórdia

Cinco anos atrás, Francisco concluía sua primeira Exortação Apostólica com um encorajamento aos "evangelizadores com  Espírito", crentes que vivem a missão como "uma paixão por Jesus" e "uma paixão por seu povo", em particular próximos aos mais sofredores, portadores da alegria do Evangelho que não se impõe mas atrai, com uma linguagem positiva, dialógica, que acolhe e não condena, cheios de esperança, atentos a "tirar as sandálias diante da terra sagrada do outro".

Na Audiência Geral de 21 de novembro último, o Papa afirmou: "Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus" (Mt 5,3). Sim, bem-aventurados aqueles que deixam de iludir-se, acreditando poder salvar-se da própria fraqueza sem a misericórdia de Deus, a único que pode curar. Somente a misericórdia de Deus cura o coração. Bem-aventurados aqueles que reconhecem seus próprios maus desejos e com um coração arrependido e humilde não estão diante de Deus e de outros homens como justos, mas como pecadores (...) Estes são aqueles que sabem ter compaixão, que sabem ter misericórdia dos outros, porque a experimentam em si mesmos".

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30 dezembro 2018, 18:16