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Íntegra do discurso do Papa no encontro mariano com os jovens e as familias, em Iaşi

No texto, Francisco ressalta que caminhar juntos "é uma graça que devemos pedir, uma peça artesanal que somos chamados a construir e um dom maravilhoso a transmitir"

Cidade do Vaticano

Segue, abaixo, o discurso integral do Papa Francisco proferido, neste sábado (01º/06), no Encontro mariano com os jovens e as famílias, no Largo do Palácio da Cultura, em Iaşi, na Romênia.

Queridos irmãos e irmãs, bună seara!

Aqui, convosco, sente-se o calor de estar em família, rodeados de pequenos e grandes. Vendo-vos e ouvindo-vos, é fácil sentir-se em casa. O Papa, no vosso meio, sente-se em casa. Obrigado pela vossa calorosa receção e pelos testemunhos que nos oferecestes. Ao apresentar-vos, o bispo D. Petru – como bom e brioso pai da família – abraçou-vos a todos nas suas palavras; e viu-se confirmado por ti, Eduard, quando nos dizias que este encontro não quer ser apenas de jovens, nem apenas de adultos, nem apenas de outros quaisquer, mas «esta tarde [quisemos] que, juntamente connosco, estivessem os nossos pais e os nossos avós».

Por estes lados, hoje é o dia da criança. Saudemos as crianças com um grande aplauso! Quero que a primeira coisa a fazer seja rezar por elas: peçamos à Virgem que as proteja com o seu manto. Jesus colocou-as no meio dos seus Apóstolos; também nós queremos colocá-las no centro e reafirmar o nosso compromisso de querer amá-las com o mesmo amor com que as ama o Senhor, empenhando-nos pelo direito delas ao futuro.

Alegra-me saber que, nesta praça, se encontra o rosto da família de Deus, que envolve crianças, jovens, esposos, pessoas consagradas, idosos romenos de várias regiões e tradições, bem como da Moldávia, e ainda quantos vieram da outra margem do rio Prut, os fiéis de língua csango, polaca e russa. O Espírito Santo convoca-nos a todos e ajuda-nos a descobrir a beleza de estar juntos, de nos podermos encontrar para caminhar juntos; cada qual com a sua própria língua e tradição, mas feliz por se encontrar entre irmãos. Com aquela alegria que partilhavam connosco Elizabete e Ioan, com os seus onze filhos, todos diferentes, vindos de vários lugares, mas «hoje encontram-se todos reunidos, da mesma forma que, alguns anos atrás, cada domingo de manhã se encaminhavam todos juntos para a Igreja». A felicidade dos pais ao verem os filhos reunidos! De certeza hoje, no céu, fazem festa ao ver tantos filhos que decidiram estar juntos.

É a experiência dum novo Pentecostes, como ouvimos na Leitura, onde o Espírito abraça as nossas diferenças e nos dá a força para abrir sendas de esperança, fazendo valer o melhor de cada um; é o mesmo caminho que encetaram os Apóstolos há dois mil anos, sendo hoje a nossa vez de agarrar o testemunho e nos decidirmos a semear. Não podemos esperar que sejam os outros a fazê-lo; toca-nos a nós!

É difícil caminhar juntos, não é verdade? É uma graça que devemos pedir, uma peça artesanal que somos chamados a construir e um dom maravilhoso a transmitir. Mas, por onde começar?

Quero de novo «roubar» as palavras a estes avós, Elisabete e Ioan. É maravilhoso ver quando o amor cria raízes com dedicação e empenho, trabalho e oração. O amor criou raízes em vós e deu muito fruto. Como diz o profeta Joel, quando se encontram jovens e anciãos, os avós não têm medo de sonhar (cf. Jl 3, 1). E o vosso sonho foi este: «Sonhamos que eles possam construir um futuro sem esquecer donde partiram. Sonhamos que todo o nosso povo não esqueça as suas raízes». Estendeis o olhar para o futuro e abris o amanhã para os vossos filhos, para os vossos netos, para o vosso povo, oferecendo o melhor que aprendestes durante o vosso caminho: que eles não se esqueçam donde partiram. Para onde quer que forem, façam seja o que for, que não esqueçam as raízes. É o mesmo sonho, a mesma recomendação que São Paulo fez a Timóteo: manter viva a fé de sua mãe e de sua avó (cf. 2 Tm 1, 5-7). À medida que vais crescendo – em todos os sentidos: força, tamanho e mesmo fazendo-te um nome –, não esqueças o que de mais belo e precioso aprendeste em família. É a sabedoria que se recebe com o passar dos anos: ao crescer, não te esqueças da tua mãe e da tua avó e daquela fé simples, mas robusta, que as caraterizava e lhes dava força e constância para prosseguir e não cruzar os braços. É um convite a agradecer e reabilitar a generosidade, a coragem, a gratuidade duma fé «caseira», que passa despercebida, mas pouco a pouco constrói o Reino de Deus.

É certo que a fé, «sem cotação na bolsa», não contando no mercado, pode parecer até – como nos lembrava Eduard – que «não serve para nada». Mas, a fé é um dom que mantém viva esta certeza profunda e estupenda: a nossa pertença a Deus como filhos, e filhos muito amados. Deus ama com amor de Pai. Cada vida, cada um de nós pertence-Lhe. É uma pertença de filhos, mas também de netos, esposos, avós, amigos, vizinhos; uma pertença de irmãos. O maligno divide, dispersa, separa e cria discórdia, semeia desconfiança. Quer que vivamos «longe» dos outros e de nós mesmos. Pelo contrário, o Espírito lembra-nos que não somos seres anónimos, abstratos, seres sem rosto, sem história, sem identidade. Não somos seres vazios, nem superficiais. Existe uma rede espiritual muito forte que nos une, «coneta» e apoia, sendo mais forte do que qualquer outro tipo de conexão. São as raízes: saber que pertencemos uns aos outros, que a vida de cada um está ancorada à vida dos outros. «Os jovens florescem, quando são verdadeiramente amados»: dizia Eduard. Todos nós florescemos, quando nos sentimos amados. Porque o amor cria raízes e convida-nos a criá-las na vida dos outros. Como mostram aquelas belas palavras do vosso poeta nacional, em que almejava à sua doce Roménia: «Que os teus filhos vivam unicamente em fraternidade, como as estrelas da noite» (M. Eminescu, O que te desejo, doce Roménia). Nós pertencemos uns aos outros, e a felicidade pessoal provém de fazer os outros felizes. Tudo o resto não passa de fábulas...

Para caminhar juntos no lugar onde estás, não te esqueças de tudo aquilo que aprendeste em família.

Isto fez-me recordar a profecia dum eremita santo destas terras. Um dia, o monge Galaction Ilie do Mosteiro Sihăstria, caminhando com as ovelhas pela montanha, encontrou um eremita santo que conhecia e perguntou: «Padre, quando será o fim do mundo?» E o venerável eremita, com um suspiro vindo do coração, disse: «Padre Galaction, sabes quando será o fim do mundo? Quando não houver sendas do vizinho ao vizinho! Isto é, quando já não houver amor cristão e compreensão entre irmãos, parentes, cristãos e entre povos! Quando as pessoas já não amarem, será verdadeiramente o fim do mundo. Porque sem amor e sem Deus nenhum homem pode viver sobre a terra

A vida começa a apagar-se e corromper-se, o nosso coração cessa de bater e estiola, os idosos deixarão de sonhar e os jovens de profetizar quando não houver sendas do vizinho ao vizinho... Porque sem amor e sem Deus, nenhum homem pode viver sobre a terra.

Dizia-nos Eduard que ele, como tantos outros do seu país, tenta viver a fé no meio de numerosas provocações. Verdadeiramente são tantas as provocações, que podem desencorajar-nos e levar a fechar-nos em nós mesmos. Não podemos negá-lo, não podemos fazer de conta que não são nada. As dificuldades existem e são evidentes. Mas isto não pode fazer-nos perder de vista que a maior das provocações no-la dá a fé: e, longe de te fechar ou isolar em ti mesmo, faz germinar o melhor de cada um. O Senhor é o primeiro a provocar-nos e a dizer-nos que o pior acontece, quando «não houver sendas do vizinho ao vizinho», quando abrirmos mais trincheiras do que estradas. O Senhor é Aquele que nos dá um canto mais forte do que o de todas as sereias que querem paralisar o nosso caminho; e fá-lo assim: entoando um canto mais belo e fascinante.

A todos nós, o Senhor dá uma vocação que é uma provocação para nos fazer descobrir os talentos e as capacidades que possuímos a fim de os colocarmos ao serviço dos outros. Pede-nos para usar a nossa liberdade como liberdade de escolha, para dizer «sim» a um projeto de amor, a um rosto, a um olhar. Esta é uma liberdade muito maior do que poder consumir e comprar coisas. Uma vocação que nos põe em movimento, nos faz derrubar trincheiras e abrir caminhos que nos lembrem a referida pertença de filhos e irmãos.

Na Idade Média, desta capital histórica e cultural do país, partia-se juntos como peregrinos pela Via Transilvana, rumo a Santiago de Compostela. Hoje, vivem aqui muitos estudantes de várias partes do mundo. Recordo de me dizerem, num encontro virtual em março com Scholas Occurentes, que, durante este ano, a capital nacional da juventude é esta cidade. Dois elementos ótimos: uma cidade que, historicamente, sabe abrir e iniciar processos e uma cidade que sabe hospedar jovens de várias partes do mundo, como sucede atualmente. Duas caraterísticas que lembram as potencialidades e a grande missão que podeis desenvolver: abrir estradas para caminhar juntos e levar por diante aquele sonho que é profecia: sem amor e sem Deus, nenhum homem pode viver sobre a terra. Hoje, daqui, podem ainda partir novas vias do futuro rumo à Europa e a muitos outros lugares do mundo. Peregrinos do século XXI, capazes de nova imaginação dos laços que nos unem.

Entretanto não se trata de criar grandes programas ou projetos, mas deixar crescer a fé. Como vos dizia ao princípio, a fé não se transmite apenas com as palavras, mas com gestos, olhares, carícias como as das nossas mães, das nossas avós; com o sabor das coisas que aprendemos em casa, de maneira simples e genuína. Nos lugares onde houver muito rumor, que saibamos escutar; onde houver confusão, que inspiremos harmonia; onde tudo se reveste de ambiguidade, que possamos levar clareza; onde houver exclusão, que levemos partilha; no meio do sensacionalismo, das mensagens e notícias rápidas, que nos preocupemos com a honra dos outros; no meio da agressividade, que demos prioridade à paz; no meio da falsidade, que levemos a verdade; que em tudo, em tudo, privilegiemos a abertura de caminhos para sentir esta pertença de filhos e irmãos (cf. Francisco, Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações de 2018).

A Roménia é o «jardim da Mãe de Deus», como pude dar-me conta neste encontro, porque Ela é Mãe que cultiva os sonhos dos filhos, que guarda as suas esperanças, que irradia a alegria na casa. É Mãe carinhosa e concreta, que cuida de nós. Vós sois a comunidade viva e próspera, cheia de esperança, que podemos dar de prenda à Mãe. A Ela consagramos o futuro dos jovens, das famílias e da Igreja. Mulţumesc! [Obrigado!]

 

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01 junho 2019, 19:02