Francisco, Canadá: um forte apelo de cura e reconciliação
Silvonei José, Quebec – Vatican News
“Vim ao Canadá não como turista, mas como amigo para encontrá-los, vê-los, ouvi-los, aprender e saber como vivem as populações indígenas deste país. “Vim como irmão para descobrir pessoalmente os frutos bons e maus produzidos pelos membros da família católica local, no decurso dos anos. Vim com espírito penitencial, para lhes manifestar o pesar que sinto no coração pelo mal que não poucos católicos lhes causaram apoiando políticas opressivas e injustas aplicadas a vocês”.
Nestas palavras de Francisco estão um pouco a síntese do que ocorreu nos últimos 6 dias em terras canadenses durante a sua 37ª Viagem Apostólica internacional. Uma viagem definida antes mesmo de iniciar como uma “peregrinação penitencial”, de encontro, de escuta, de pedido de perdão em meio a uma grande vergonha.
Apesar das limitadas possibilidades físicas de Francisco, os encontros com as comunidades foram momentos para propiciar mais passos em frente com os indígenas e a favor deles. Em síntese, Caminhar Juntos.
Convidado pelos bispos em outubro do ano passado, Francisco confirmou que queria viajar ao Canadá em abril, tendo recebido invés disso no Vaticano alguns representantes dos povos indígenas - Métis, Inuit, First Nations - em três encontros privados. Naquela ocasião, o Pontífice expressou "dor e vergonha" pelos abusos e desrespeito à sua identidade, sua cultura e seus valores espirituais, também por parte de vários católicos que se adaptaram à mentalidade e às políticas de assimilação cultural dos séculos passados.
Já no seu primeiro discurso na segunda-feira, dia 25, no encontro com os povos indígenas das Primeiras Nações, Métis e Inuítes, em Maskwacis, área localizada na região central de Alberta, a cerca de 70 km ao sul da cidade de Edmonton, disse que aguardava o momento de estar ali junto com os indígenas. "Quero iniciar daqui, deste lugar tristemente evocativo, o que tenho em mente de fazer: uma peregrinação penitencial. Chego às suas terras nativas para lhes expressar, pessoalmente, o meu pesar, implorar de Deus perdão, cura e reconciliação, manifestar-lhes a minha proximidade, rezar com vocês e por vocês", disse Francisco.
O Papa recordou o drama sofrido por muitos, pelas famílias, pelas comunidades; as tribulações sofridas nas escolas residenciais. Mas é justo fazer memória, porque o esquecimento leva à indiferença e, como já foi dito, «o contrário do amor não é o ódio, é a indiferença (...), o contrário da vida não é a morte, mas a indiferença face à vida ou à morte».
“Também na Igreja, a cizânia se mistura com o trigo bom. Foi precisamente por causa dessa cizânia que desejei fazer esta peregrinação.
Na terça-feira, dia 26, a Santa Missa no Estádio Commonwealth, em Edmonton dia em que a Igreja celebrou a Festa de São Joaquim e Sant’Ana, pais de Nossa Senhora, sendo também celebrado nesta data o Dia dos Avós e Bisavós.
“Não somos indivíduos isolados, não somos ilhas; ninguém vem ao mundo desligado dos outros”, disse.
Ainda na tarde de terça-feira, o Papa Francisco realizou uma das etapas mais significativas de sua Viagem Apostólica: a peregrinação ao lago de Santa Ana, a cerca de 70 Km de Edmonton. Todos os anos, milhares de peregrinos oriundos do norte dos Estados Unidos e do Canadá se dirigem ao lago para se banharem nas águas consideradas sagradas e milagrosas. Ali Francisco fez uma menção ao papel vital das mulheres nas comunidades indígenas e recordou de sua própria avó, de quem recebeu o primeiro anúncio da fé e aprendeu como se transmite o Evangelho, mediante a ternura e a sabedoria da vida. “Sim, porque as mães e as avós ajudam a sarar as feridas do coração.”
Depois de se despedir dos fiéis de Edmonton o Papa Francisco se transferiu na quarta-feira para Quebec onde se encontrou com a governadora geral do Canadá na “Cidadela de Québec”, senhora Mary May Simon. Após a visita de cortesia no mesmo local o encontro com o primeiro-ministro canadense senhor Justin Trudeau e com as autoridades civis, representantes das populações indígenas e com o corpo diplomático.
No seu primeiro discurso em Quebec Francisco voltou a pedir perdão: “juntamente com os Bispos deste país, renovo o meu pedido de perdão pelo mal cometido por tantos cristãos contra as populações indígenas”.
Já na quinta-feira Francisco foi ao Santuário de Santa Ana de Beaupré. Em sua homilia o Papa apontou o árduo caminho de cura e reconciliação que está sendo empreendido. Dificuldades e dores também se refletiram em uma faixa erguida por algumas pessoas perto do altar antes da celebração e depois colocada na entrada do Santuário.
Para o Papa, só há um caminho em direção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária, para nos recuperarmos de nossos erros, decepções e cansaço, e este caminho é Jesus.
“A Igreja será testemunha tanto mais credível do Evangelho quanto mais os seus membros viverem a comunhão (...).”
Um longo aplauso concluiu o discurso do Papa na Catedral Basílica de Notre-Dame, em Québec, local escolhido para o encontro do Papa com bispos, sacerdotes, diáconos, seminaristas e vida consagrada canadense para a celebração das Vésperas na quinta-feira. Nela, está sepultado São Francisco de Laval, primeiro bispo e fundador do seminário de Québec e canonizado pelo próprio Francisco em 3 de abril de 2014.
Depois de recordar alguns desafios disse que não devemos deixar entrar em nós o espírito do secularismo, pensando que podemos criar projetos que funcionam sozinhos e com as simples forças humanas, sem Deus. E – uma recomendação ainda – não nos fechemos no «retrogradismo», mas avancemos, com alegria!"
No último dia da peregrinação dois encontros com delegações e comunidades indígenas, mas um mesmo pensamento: “Também hoje e aqui quero dizer-lhes o grande pesar que sinto; e desejo pedir perdão pelo mal cometido por não poucos católicos que, naquelas escolas, contribuíram para as políticas de assimilação cultural e de alforria”, disse o Papa.
A profunda e sincera solicitude de Francisco – disse o cardeal Gerald Cyprien Lacroix, arcebispo de Quebec, primaz do Canadá - proporciona um bálsamo para curar feridas profundas e um impulso necessário no processo de reconciliação tão benéfico para a paz".
Nasce desta peregrinação de Francisco ao Canadá um forte apelo de cura e reconciliação, um apelo que se elevou de corações e vidas martirizadas, como uma tempestade cujos ecos chegaram até Francisco que ouviu e deu respostas. No Canadá teve início um caminho de abertura às realidades particulares, reconhecendo humildemente as deficiências. Certamente os resultados esperados não podem vir da noite para o dia. Eles exigem doses formidáveis de paciência, gestos sinceros de acolhida e empatia. A presença de Francisco demonstra que nenhum esforço é em vão, que cada passo de reconciliação requer uma parte importante de renúncia, uma forte dose de humildade, compreensão e abertura para a vida e para a cultura dos outros.
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui