Papa sobre Justiça de Transição: a lei deve inspirar a defesa da dignidade
Andressa Collet - Vatican News
O Papa Francisco enviou uma mensagem nesta quinta-feira (19/09) aos participantes da apresentação do livro "Passado, presente e futuro da Justiça Transicional: A experiência latino-americana na construção da paz mundial", reunidos em Tenerife, a maior ilha do arquipélado das Canárias. O texto, escrito em espanhol, foi uma resposta ao pedido de Enrique Gil Botero, secretário-geral da Conferência de Ministros da Justiça dos Países Ibero-Americanos, e de José Ángel Martínez Sánchez, presidente do Conselho Geral do Notariado Espanhol.
A Justiça de Transição, como o Pontífice fez referência na mensagem de acordo com o Dicionário Pan-Hispânico de Espanhol Jurídico, é “conjunto de medidas judiciais e políticas que são adotadas após uma situação de conflito ou repressão em que ocorreram violações maciças dos direitos humanos, com o objetivo de promover a reconciliação e a democracia; inclui ações penais, comissões da verdade, programas de reparação e reformas institucionais”. E Francisco complementou, ao citar Isabel de Castela, recordada pelo apoio ao navegador Cristóvão Colombo na busca pelas Índias Ocidentais, uma missão que o levaria a descobrir a América:
"Aprender com o passado, revisar as experiências, muitas vezes dolorosas, nos convidam a dar respostas coerentes e significativas aos desafios atuais e a buscar mecanismos que consolidem o progresso no caminho da paz, da liberdade e da justiça. Nesse sentido, e sem fazer alusão a casos atuais, gostaria de mencionar um fato ocorrido durante as primeiras viagens de Colombo à América. Eu me refiro à notícia que chegou a Isabel de Castela sobre a venda de indígenas como escravos."
Uma "situação de conflito e repressão em que houve uma violação maciça dos direitos humanos", comentou o Papa, segundo o conceito de Justiça de Transição, e em seguida, "o conjunto de medidas adotadas pela Coroa, que será a semente de nossas declarações modernas de direitos humanos".
As três lições
Esse exemplo direciona a reflexão do Papa a extrair três diferentes lições. A primeira, que a história não volta atrás, mesmo em se tratanto de histórias dolorosas de muitos países. "A América e a Europa foram chamadas a se encontrar. Portanto, esses eventos, mesmo que sejam concebidos como crises severas, devem dar frutos, e é nossa responsabilidade como seres humanos garantir que isso aconteça", enalteceu Francisco, pois trata-se de uma grande mudança, e os desafios devem ser enfrentados com firmeza, "porque a unidade é superior ao conflito" (cf. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 227).
A segunda lição é a resposta imediata. "A força da lei, representada na Rainha Isabel", explicou o Pontífice, "impõe soluções corajosas, inovadoras e firmes, que vão ao cerne da verdade do homem, de sua dignidade, sem concessões; reparativas - libertando os escravos mesmo à custa de seus próprios bolsos; e de reforma institucional - proibindo a escravidão e exigindo os direitos fundamentais das vítimas de forma proativa e integral".
A terceira lição, "talvez seja a mais difícil, mas não sem esperança: a implementação efetiva e concreta de tais disposições nem sempre será fácil ou motivada por um espírito tão elevado". Independentemente do papel de Isabel nas relações entre os dois povos que estavam destinados a se encontrar, "as tensões sempre existiram. Mas essa realidade também nos ensina que um tratado, uma assinatura, uma lei, podem ser letra morta se não forem criados os meios para garantir que, com seriedade, bom senso e paciência, não só a letra, mas também o espírito que a anima, sejam aceitos por aqueles a quem se dirige".
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