A viagem mais longa do Papa e os “quatro princípios” da Evangelii Gaudium
Vatican News
A corajosa peregrinação do Papa Francisco a 4 países, de 2 a 13 de setembro, será marcada por encontros inúmeros e variados: os jovens países receberão o Pontífice e ele, por sua vez, tentará inspirar as pessoas e os líderes na Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste e Singapura.
As prioridades diplomáticas do Papa, assim como os efeitos obtidos, estarão em evidência durante toda a viagem, a partir de seu compromisso com o diálogo inter-religioso.
Uma forma de entender a missão em sua extensão é considerá-la através dos quatro princípios para a convivência social que o Papa Francisco delineou na Evangelii Gaudium (parágrafos 217-237), visto que a realidade de cada um dos quatro países visitados na viagem remete a um dos quatro princípios: a unidade prevalece sobre o conflito, o todo é superior à parte, o tempo é superior ao espaço e a realidade é superior às ideias.
Na mesma Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (238-258), o Papa Francisco elenca três áreas de diálogo cruciais para a busca do bem comum: o diálogo com os Estados, com a sociedade e com os não católicos. Seu itinerário nos próximos dias é um espelho dessas prioridades.
Indonésia: A unidade e o conflito
Em uma entrevista à Agência Fides, o cardeal indonésio Ignatius Suharyo Hardjoatmodjo explicou que a harmonia religiosa é um objetivo associado à própria independência do país, alcançada em 1945.
“Nossas relações com a comunidade islâmica são realmente boas. E essa relação harmônica remonta e se mantém desde a origem da nação”, disse dom Ignatius Suharyo. É uma forma de valorizar a unidade social em relação à divisão.
Por exemplo, o primeiro líder indonésio, o Presidente Sukarno, incentivou a construção de uma mesquita em Jacarta no terreno onde se erguia um castelo holandês, para simbolizar a superação do colonialismo e, em frente à catedral católica de 1900, para expressar a amizade entre as duas tradições religiosas. Recentemente, foi adicionado um túnel subterrâneo que liga as duas estruturas.
O Papa visitará tanto a catedral quanto a Mesquita Istiqlal, a maior mesquita do sudeste asiático, para um encontro inter-religioso, manifestando o seu “apreço pelo povo indonésio, especialmente no que se refere à liberdade de religião, à convivência inter-religiosa e à harmonia entre as comunidades de fé”, explicou o cardeal Suharyo.
Segundo o Ministério dos Assuntos Religiosos da Indonésia, a população inclui cerca de 242 milhões de muçulmanos e 29 milhões de cristãos, entre os quais 8,5 milhões são católicos, um número em crescimento.
Francisco continua a construir relações cada vez mais fortes com o islamismo sunita, e como escreveu na Evangelii Gaudium, “a diversidade é bela quando aceita entrar constantemente em um processo de reconciliação” (§ 230).
Papua-Nova Guiné: O todo e a parte
Das 10 milhões de pessoas que vivem em Papua-Nova Guiné, mais de 95% são cristãs. A maioria pertence a várias denominações protestantes, enquanto a Igreja Católica é considerada a maior comunidade de fé, com cerca de 30% dos fiéis da nação. No entanto, o cristianismo se combinou de várias formas com as práticas indígenas locais, dando origem a uma Igreja culturalmente plural. Os Missionários do Sagrado Coração (MSC) são a Ordem religiosa que iniciou a presença da Igreja em 1881. Dom John Ribat, religioso MSC foi o primeiro cardeal da nação, criado em 2016 pelo Papa Francisco.
Os responsáveis pela Igreja local são extremamente atentos às questões ambientais e, após a publicação da Laudato Si', deram prioridade especial à proteção do meio ambiente, opondo-se à exploração do setor minerador e ao desmatamento promovido por empresas econômicas.
Essa atividade de proteção é um excelente exemplo de como se reconhece que o todo é superior às suas partes individuais. Na Evangelii Gaudium, o Papa usa uma analogia com a natureza para descrever este princípio: “É sempre necessário ampliar o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós. Mas é preciso fazê-lo sem evasão, sem desenraizamentos. É necessário fincar raízes na terra fértil e na história do próprio lugar, que é um dom de Deus” (§ 235).
Timor-Leste: O tempo e o espaço
É notório que Timor-Leste, após alcançar a independência em 2002, hoje representa a nação com a maior porcentagem de católicos em todo o mundo. Colônia portuguesa até 1975, foi posteriormente controlada pela Indonésia até 1999. Diversos estudos mostram que durante a ocupação militar indonésia, mais de 170 mil pessoas morreram devido a execuções arbitrárias, desaparecimentos e fome.
Quando o Papa João Paulo II visitou o país em 1989 (enquanto Timor-Leste ainda era ocupado pela Indonésia), foram plantadas as sementes da identidade nacional, mas a Igreja sempre se opôs à violência. Protegendo os cidadãos perseguidos e cuidando da comunidade, a fé cresceu, passo a passo. Em 1975, cerca de 20% da população era católica, um número que subiu para 95% em 1998. E isso também porque a Igreja estava próxima das aspirações nacionais.
O processo pelo qual Timor-Leste alcançou a independência representa uma excelente aplicação do princípio exposto pelo Papa Francisco de que o tempo é superior ao espaço. O Espírito Santo pode entrar no espaço criado no tempo; o tempo permite que a confiança cresça e que as soluções amadureçam no campo.
Como escreve o Papa Francisco na Evangelii Gaudium, “Esse princípio permite trabalhar a longo prazo, sem a obsessão pelos resultados imediatos. Ajuda a suportar com paciência situações difíceis e adversas, ou as mudanças de planos que o dinamismo da realidade impõe.”.
A visita do Papa ao primeiro novo país do século XXI, onde o primeiro cardeal da nação, Virgílio do Carmo da Silva, SDB, criado pelo Papa Francisco em 2022, é Arcebispo de Díli, será certamente uma grande alegria.
Singapura: A realidade e as ideias
A prosperidade econômica e a integração global fazem de Singapura a nação mais desenvolvida que o Papa visitará. Sua mensagem sobre o meio ambiente é mais uma vez pertinente, assim como seu apelo para regulamentar a inteligência artificial. Francisco se juntará a outro Arcebispo que ele criou cardeal (o primeiro na história de Singapura) em 2022, o dom William Goh Seng Chye, que faz parte do Conselho Presidencial para a Harmonia Religiosa de Singapura e trabalha de perto com a comunidade budista, a maior comunidade religiosa do país. O Papa Francisco admira o compromisso explícito das autoridades de Singapura em garantir a liberdade religiosa e colaborar com todas as fés. Como explicou o cardeal Goh à EWTN Vaticano, “O Estado nos vê como parceiros. Somos parceiros do governo porque é para o bem comum do povo. Cuidamos das necessidades espirituais, ajudamos o governo a governar com justiça, expressamos nossas opiniões e o governo é muito grato." O Papa também admira a busca de Singapura por uma política externa que evita a dependência de qualquer potência mundial, o que corresponde à sua visão de um mundo multipolar, que respeita a autonomia das culturas. Ele descreve frequentemente essa visão da globalização recorrendo metaforicamente à imagem do poliedro ou da bola de futebol: todas as culturas, como as faces de um poliedro, devem coexistir e prosperar, sem que prevaleça o domínio homogeneizador de qualquer Estado. O princípio é que a realidade é maior do que as ideias. Como explica a Evangelii Gaudium, “É perigoso viver no reino da palavra apenas, da imagem, do sofisma” (§ 231).
O Papa Francisco emerge nestas realidades com sua viagem apostólica à Ásia e à Oceania esta semana. Milhões de cristãos, muçulmanos, budistas e pessoas que não professam nenhuma fé assistirão com alegria e receberão as bênçãos do Sucessor de Pedro.
Fonte: Agência Fides
Autor: Victor Gaetan é correspondente sênior do National Catholic Register e cobre questões internacionais. Ele também escreve para a revista Foreign Affairs e contribuiu para o Catholic News Service. É autor do livro: "God's Diplomats: Pope Francis, Vatican".
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