Papa propõe a "diplomacia da esperança" para dissipar as densas nuvens de guerra
Bianca Fraccalvieri - Vatican News
Na manhã desta quinta-feira, 9 de janeiro, o Papa recebeu os embaixadores acreditados junto à Santa Sé para uma das mais importantes e tradicionais audiências do ano, em que passa em resenha os principais desafios da comunidade internacional.
O Pontífice leu a saudação inicial, para recordar o significado do Jubileu é “fazer uma pausa” no frenesim que marca cada vez mais a vida quotidiana, para nos revigorar e alimentar com o que é verdadeiramente essencial: redescobrir que somos filhos de Deus e Nele irmãos, perdoar as ofensas, amparar os fracos e os pobres, deixar repousar a terra, praticar a justiça e redescobrir a esperança. "A isso são chamados todos aqueles que servem o bem comum e exercem aquela elevada forma de caridade que é a política."
Devido a um resfriado, o restante do discurso de Francisco foi lido por Mons. Filippo Ciampanelli, que deu voz ao agradecimento ao Decano do Corpo Diplomático, o Embaixador de Chipre, George Poulides, pela saudação em nome de todos os presentes. E recordou que em 2024 foram mais de trinta os Chefes de Estado ou de Governo recebidos no Vaticano, citando alguns Acordos assinados, de modo especial a renovação do Acordo Provisório entre a Santa Sé e a República Popular da China sobre a nomeação dos Bispos, “sinal da vontade de prosseguir um diálogo respeitoso e construtivo em vista do bem da Igreja Católica no país e de todo o povo chinês”.
O Pontífice mencionou ainda suas viagens dentro e fora da Itália no ano que passou: Indonésia, Papua Nova Guiné, Timor-Leste e Singapura, Bélgica, Luxemburgo e Córsega; e as cidades italianas de Verona, Veneza e Trieste. Mais uma vez, manifestou sua gratidão às autoridades italianas, pelo trabalho realizado em Roma para o Jubileu.
Da lógica do confronto à lógica do encontro
O Santo Padre, todavia, prosseguiu com uma amarga constatação, de que o ano de 2025 começa com o mundo dilacerado por numerosos conflitos e com o recomeço de atos de terror “abomináveis”, como os que ocorreram em Magdeburgo, na Alemanha, e em Nova Orleans, nos Estados Unidos.
As sociedades continuam cada vez mais polarizadas, situação agravada pela contínua produção e difusão de fake news, que não só distorcem a realidade dos fatos, disse o Papa, mas acabam por distorcer as consciências. Exemplos “trágicos” disso são os atentados sofridos pelo primeiro-ministro da República Eslovaca, Robert Fico, e pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.
O desejo de Francisco para este novo ano é que o Jubileu possa representar para todos, cristãos e não cristãos, uma oportunidade para repensar as relações que nos unem, superando a lógica do confronto e abraçando a lógica do encontro, “para que o tempo que nos espera não nos ache como errantes desesperados, mas peregrinos de esperança”.
As características da diplomacia da esperança
Perante a ameaça cada vez mais concreta de uma guerra mundial, a vocação da diplomacia é favorecer o diálogo entre todos, incluindo os interlocutores considerados mais “incômodos”: "Todos somos chamados a tornar-nos arautos de uma diplomacia da esperança, a fim de que as densas nuvens da guerra possam ser dissipadas por um renovado vento de paz."
Deste modo, inspirado pelas palavras do profeta Isaías (61, 1-2a), o Papa traçou as características desta diplomacia da esperança, aliadas às responsabilidades de um líder político perante as misérias do nosso tempo. E são muitas, constatou o Santo Padre: “Nunca como nesta época a humanidade experimentou tanto progresso, desenvolvimento e riqueza, e talvez nunca como hoje se encontrou tão sozinha e perdida, a ponto de preferir não poucas vezes os animais de estimação aos filhos. Há uma urgente necessidade de uma boa-nova”.
Esta “boa-nova” não pode estar à mercê dos modernos meios de comunicação e da inteligência artificial, que podem ser utilizados abusivamente como meios de manipulação da consciência, contribuindo para a polarização, a simplificação da realidade, e, paradoxalmente, o isolamento, em especial através das redes sociais e dos jogos online.
Nesta perspetiva, a educação deve ser voltada a uma “alfabetização mediática”, destinada a fornecer instrumentos essenciais para promover o pensamento crítico. O Pontífice ressaltou a importância de uma boa comunicação no âmbito diplomático, com o cuidado de não instrumentalizar documentos multilaterais, alterando o significado dos termos ou reinterpretando unilateralmente o conteúdo dos tratados sobre os direitos humanos.
Neste contexto, se insere a preocupação de Francisco com a colonização ideológica ou com um suposto “direito ao aborto”, que contradiz o direito à vida. “Toda a vida deve ser protegida, em cada um dos seus momentos, desde a conceção até à morte natural, porque nenhuma criança é um erro nem tem culpa de existir, tal como nenhuma pessoa idosa ou doente pode ser descartada e privada de esperança.”
A propósito de Acordos, o Papa manifestou sua apreensão com o enfraquecimento das instituições multilaterais, que já não parecem capazes de garantir a paz nem de responder de forma eficaz aos desafios do século XXI, como as questões ambientais e de saúde pública. “Muitas delas precisam de ser reformadas”, defendeu.
A diplomacia do perdão como antídoto à guerra
Uma diplomacia da esperança é também uma diplomacia do perdão. “A guerra é sempre um fracasso! (...) Não podemos aceitar ver crianças morrendo de frio”, disse Francisco, pedindo que 2025 seja o ano do fim da guerra “na martirizada Ucrânia”, haja um cessar-fogo entre Israel e Palestina, com a libertação dos reféns israelenses em Gaza. Paz também na Síria e no Líbano. Perdão na ilha de Chipre, nos vários conflitos no continente africano, em Mianmar e na península coreana.
No continente americano, o Pontífice citou o Haiti, a Venezuela, a Bolívia, a Colômbia e a Nicarágua, “onde a Santa Sé, que está sempre disponível para um diálogo respeitoso e construtivo, segue com preocupação as medidas tomadas contra pessoas e instituições da Igreja e espera que a liberdade religiosa e outros direitos fundamentais sejam devidamente garantidos a todos”.
Com efeito, não há verdadeira paz se não for também garantida a liberdade religiosa. Francisco declarou-se preocupado com as crescentes manifestações de antissemitismo e com as numerosas perseguições contra várias comunidades cristãs, especialmente na África e na Ásia.
O Papa denunciou as múltiplas formas de escravidão, a começar no trabalho, pouco reconhecida, mas muito praticada. A escravidão da toxicodependência, que afeta sobretudo os jovens. A escravidão dos seres humanos traficados, sendo a maioria migrantes. “Uma diplomacia da esperança é uma diplomacia de liberdade, que exige o empenho conjunto da Comunidade internacional para eliminar este miserável comércio.”
Jubileu, ano propício para a prática da justiça
Por fim, a diplomacia da esperança é uma diplomacia de justiça, sem a qual não pode haver paz. “O ano jubilar é um período propício à prática da justiça, ao perdão das dívidas e à comutação das penas dos prisioneiros.”
No entanto, não há dívida que permita a ninguém, nem ao Estado, tirar a vida de outrem, disse o Santo Padre, reforçando seu apelo para que a pena de morte seja eliminada em todas as nações.
Justiça também para a “nossa amada Terra", que parece insurgir-se contra a ação humana através de manifestações extremas do seu poder. Exemplos disso são as inundações devastadoras na Europa Central e na Espanha, bem como os ciclones que atingiram Madagáscar, o departamento francês de Mayotte e Moçambique. O Pontífice manifestou seu pesar e oração pelas vítimas do terremoto que dois dias atrás atingiu o Tibete.
Nesta linha, Francisco reforçou seu pedido às nações mais ricas para que perdoem as dívidas dos países pobres: “Na perspetiva cristã, o Jubileu é um tempo de graça. E como eu gostaria que este ano de 2025 fosse verdadeiramente um ano de graça, rico de verdade, perdão, liberdade, justiça e paz!”.
A todos os embaixadores e aos governos que representam, o Papa formulou seus votos: “Que a esperança floresça nos nossos corações e o nosso tempo encontre a paz que tanto anseia”.
Relações diplomáticas
A Santa Sé mantém relações diplomáticas com 184 Estados. A esses devem ser acrescentadas a União Europeia e a Ordem Militar Soberana de Malta.
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