Mons. Krzysztof Nykel: a verdadeira misericórdia não é nem laxista nem rigorista
Fabio Colagrande – Cidade do Vaticano
Realiza-se nestes dias 15 e 16 no Palácio da Chancelaria, o VI Simpósio da Penitenciaria Apostólica. Para saber sobre esta inciativa, o Vatican News entrevistou o Regente da Penitenciaria, Mons. Krzysztof Nykel.
Excelência, este VI Simpósio insere-se em uma consolidada tradição de encontros. Antes de falar sobre o tema deste ano, o senhor poderia falar sobre o percurso realizado até aqui?
“Desde 2009 a Penitenciaria Apostólica passou a promover estudos, ocasião em que renomados estudiosos ofereceram a sua contribuição para o aprofundamento da Penitência sacramental e do Tribunal Apostólico por ela responsável. O Simpósio inicialmente ofereceu uma visão de conjunto da atividade da Penitenciaria. Com os encontros sucessivos teve início um percurso sobre o desenvolvimento histórico da Penitenciaria e do Sacramento da Penitência que continua até hoje.
O II Simpósio examinou o arco de tempo entre a idade carolíngia e o século XIII. O III, depois, prosseguiu o estudo da evolução do Sacramento entre os dois pontificados-chaves de Gregório VII e de Bonifácio VIII. É o tempo em que emerge a figura e o papel do Cardeal Penitenciário Mor; é o tempo do IV Concílio de Latrão (1.215) e em que surge a instituição do Jubileu.
Com o IV Simpósio, por sua vez, o âmbito da pesquisa concentrou-se no período entre 1.300 – ano do primeiro jubileu – e 1517, ano da Reforma luterana.
O “século” do Concílio de Trento, por fim, foi o objeto do V Simpósio.
O encontro atual, pelo contrário, é consagrado a lançar luz nos séculos centrais da idade moderna. Parte-se de 1614, ano do 'editio princeps do Rituale Romanum', para chegar até a eclosão da Revolução Francesa e ao limiar da idade contemporânea".
Como indica o título, o tema no centro dos debates será o do jansenismo. Quais foram os conteúdos principais deste “movimento?”.
“Seria mais apropriado falar no plural de “jansenismo”, dada a variedade de nuances expressas por quantos, no decorrer de quase dois séculos, inspiraram-se no pensamento de Jansenius. O holandês Corneliu Jansenius, bispo de Ypres de 1636 até a morte, em substância considerava que o homem era intrinsicamente e irremediavelmente corrompido pelo pecado e a sua vontade, portanto, ficava impotente em agir para o bem sem a indispensável ajuda da graça divina. Deus predestinou toda criatura ao inferno ou ao paraíso, prescindindo de qualquer consideração em mérito. Cristo morreu somente pelos predestinados, somente aos quais é comunicada a graça eficaz, que determina infalivelmente a vontade do homem ao bem”.
Quais são as consequências de tal doutrina?
“Anulando a liberdade do homem e a possibilidade de adquirir méritos, a doutrina de Jansenius conduz inevitavelmente a um fatalismo teológico e ao determinismo psicológico. As condenações da Igreja não tardaram a chegar: inicialmente um decreto do Santo Ofício, em 1641, portanto, Urbano VIII e Inocêncio X alertaram para os graves danos à vida espiritual dos fiéis que tal visão comportaria”.
Sobre a vida sacramental e, em particular à Penitência, quais eram as teses do jansenismo?
“Antoine Arnauld, um dos autores jansenistas que mais desenvolveu a reflexão sobre a prática sacramental, em seu tratado 'De la fréquence communion' (1643) chega a sustentar que a Comunhão semanal não deve ser aconselhada a todo o fiel, porque esta requer disposições por nada comuns. O hábito do pecado, mesmo que somente venial, deve pelo contrário necessariamente manter afastados da Comunhão. Arnauld considerava que se devia considerar sempre válida a prática penitencial da Igreja primitiva, para a qual qualquer pecado mortal induzia a abster-se por um certo tempo da Comunhão. Somente a verificação do cumprimento do exercício penitencial por parte do penitente autorizava o confessor a conceder-lhe a absolvição. O excessivo rigor das condições que Arnauld prescrevia para a digna recepção dos Sacramentos acabou por afastar os fiéis destes canais da graça divina, como constatou São Vicente de Paula".
Estes temas não parecem muito distantes da sensibilidade de hoje? Que valor têm para o homem do século XXI?
“Estes temas não são de fato estranhos à reflexão atual. Fazendo-se promotora destes dias de estudo, a Penitenciaria Apostólica pretende reiterar a importância do Sacramento da Penitência, canal privilegiado da misericórdia de Deus que vai de encontro a toda criatura que deseja reconciliar-se com Ele. Ao mesmo tempo, esta adverte como uma exigência moral inevitável favorece nos fiéis a formação de uma reta consciência, que chama o homem a “fazer o bem e fugir do mal”.
Gostaria de recordar as palavras do Papa Francisco que, falando em 2014 aos párocos de Roma, indicou com clareza o estilo a ser adotado na Confissão, advertindo quer os sacerdotes rigorosos quer aqueles laxistas: “Nem o laxista nem o rigorista dão o testemunho de Jesus Cristo, porque nem um nem outro faz bem à pessoa com a qual se encontra”. Pelo contrário, é Cristo Bom Samaritano a encarnação da verdadeira misericórdia que “assume a pessoa, a escuta atentamente, se aproxima com respeito e com verdade à situação, e a acompanha no caminho da reconciliação”.
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