Editorial: Economia, instrumento de serviço
Silvonei José – Cidade do Vaticano
Muitos o definiram um verdadeiro Vademecum para a finança ética o documento realizado com a aprovação do Santo Padre pela Congregação para a Doutrina da Fé em colaboração com o Dicastério que se ocupa do Desenvolvimento Humano Integral publicado nesta semana.
Com o título “Oeconomicae pecuniariae quaestiones. Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro”, o Vaticano sai em campo na tentativa de propor e restituir ética à economia e à finança. O documento, como está escrito, pretende dar uma contribuição ao diálogo.
O que mais de um século atrás foi tristemente previsto, tornou-se realidade hoje: o lucro do capital coloca fortemente em risco, e corre o risco de suplantar, a renda do trabalho, comumente confinada às margens dos principais interesses do sistema econômico. Isto proporciona o fato de que o trabalho, - lê-se no documento - com a sua dignidade, não somente se torne uma realidade sempre mais em risco, mas perca também a sua qualidade de “bem” para o homem, transformando-se em um mero meio de troca ao interno de relações sociais tornadas assimétricas.
Os excluídos são “sobras”
Exatamente nesta inversão de ordem entre os meios e os fins, em que o trabalho se torna de um bem em “instrumento” e em que o dinheiro se torna de um meio em um “fim”, encontra um fértil terreno aquela inconsciente e amoral “cultura do descarto” que excluiu grandes massas da população, privando-as de um trabalho digno e tornando-as “sem perspectivas e sem vias de saída”: “não se trata mais simplesmente do fenômeno de exploração e opressão, mas de uma realidade nova”: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são “explorados”, mas resíduos, “sobras”.
O bem-estar não é só questão de PIB, Produto Interno Bruto, destaca o documento. Nenhum lucro é legítimo quando falta o horizonte da promoção integral do pessoa humana, do destino universal dos bens e da opção preferencial pelos pobres. Todo progresso do sistema econômico – lê-se no texto - não pode se
considerar tal, se medido apenas com parâmetros de quantidade e quantidade e de eficácia na produção de lucro, mas também deve basear-se na qualidade de vida que produz e da extensão social do bem-estar que espalha. Um bem-estar que não pode ser limitado ao aspecto material.
O bem-estar deve ser avaliado com critérios mais amplos da produção interna bruta de um país (PIB), tendo em conta, em vez disso, também outros parâmetros, como a segurança, a saúde, o crescimento do 'capital humano', a qualidade da vida social e do trabalho".
Parâmetros humanizadores
“O lucro deve sempre ser perseguido, mas nunca” a qualquer custo, nem como o referente totalizante da ação econômica, destaca o documento. Daí a importância de “parâmetros humanizadores” capazes de estabelecer um círculo virtuoso entre lucro e solidariedade que, graças ao livre agir do homem, pode desencadear todas as potencialidades positivas do mercados.
O documento também analisa a história recente do tecido econômico mundial. “A recente crise financeira - é enfatizado -, poderia ser uma oportunidade para desenvolver uma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova regulamentação da atividade financeira, neutralizando os aspectos predatórios e especulativos e valorizando os serviços à economia real”. Apesar dos esforços positivos em vários níveis, não houve “uma reação que tenha levado a repensar os critérios obsoletos que continuam a governar o mundo”.
Um fenômeno inaceitável “é lucrar explorando a própria posição dominante com a injusta desvantagem de outras pessoas ou enriquecer-se gerando danos ou perturbações ao bem-estar coletivo”. E esta prática é particularmente deplorável, do ponto de vista moral, quando a mera intenção de ganhar por parte de poucos através do risco de uma especulação visando provocar reduções artificiais nos preços dos títulos da dívida pública, e não se preocupa em afetar negativamente ou agravar a situação econômica de países inteiros.
O dinheiro deve servir
Em um contexto marcado por profundas desigualdades é necessário repensar os modelos econômicos. É tempo de seguir com uma recuperação do que é autenticamente humano, “ampliar os horizontes da mente e do coração, para reconhecer com lealdade o que vem das exigências da verdade e do bem”. Está cada vez mais claro que “o egoísmo no final não paga e faz com que todos paguem um preço alto demais”. A economia não deve ser vista como um instrumento de poder, mas de serviço: “o dinheiro deve servir e não governar”.
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