Os bastidores da Sacrosanctum Concilium
Jackson Erpen – Cidade do Vaticano
No nosso espaço Memória Histórica – 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos continuar a falar sobre a reforma litúrgica.
Ao encontrar os participantes do III Encontro Mundial de Corais no último sábado, o Papa Francisco recordou que o Concílio Vaticano II, com a reforma litúrgica, reiterou que “a tradição musical da Igreja constitui um patrimônio de inestimável valor”, ressaltando “as tantas tradições de nossas comunidades espalhadas por todo o mundo, que fazem emergir as formas mais radicadas na cultura popular e que se tornam também uma verdadeira oração”.
No programa passado, vimos como na convocação do Concílio Vaticano II não se falava muito da reforma litúrgica, não obstante o Movimento Litúrgico já fosse atuante já há alguns anos. Foi precisamente durante o evento conciliar que a renovação litúrgica ganhou força. Nesta quarta-feira, o padre Gerson Schmidt, aprofunda este tema, falando sobre “Os bastidores da Sacrosanctum Concilium”:
"O Esquema da reforma da Liturgia não estava na primeira pauta do Concílio Vaticano II. A questão estava em quinta ordem. Para a maioria dos Padres conciliares o tema da Liturgia não era prioritário e havia um grupo de bispos neoescolásticos influentes que refutavam categoricamente uma reforma geral da liturgia.
Como o esquema sobre a Revelação De fontibus Revelationis (que gerará depois a Constituição Dogmática Dei Verbum) encontrava dura oposição, decidiu-se começar as deliberações sobre o esquema da Liturgia, que com certeza era o melhor.
A posteriori (depois de passados os tempos) muitos viram isso providencial, como um “desígnio divino, porque desse modo se tornou evidente para todos que a Liturgia constitui o centro da vida eclesial e que o Concílio buscava a sua renovação”¹.
Um dos mais influentes peritos do Concílio Vaticano II era o teólogo Joseph Ratzinger – que se tornará depois Papa Bento XVI. Ratzinger afirmou que a liturgia para muitos Padres conciliares nem era tema para discussão. Disse acerca disso: “o fato de que esse texto do esquema da liturgia ser abordado em primeiro lugar não foi do interesse entusiástico da maioria dos padres conciliares pela questão litúrgica, mas simplesmente devido ao fato de que não se previam grandes discussões a seu respeito. Nenhum padre via naquele texto uma ‘revolução’ que tivesse significado o ‘fim da Idade Média’, como desde então os teólogos pretendem interpretar. Consideravam-no apenas uma continuação das reformas iniciadas por Pio X, prosseguidas com prudência e determinação por Pio XII”².
As deliberações da Constituição Sacrosanctum Concilium sobre o esquema da Liturgia duraram de 22 de outubro a 13 de novembro de 1962. No entanto, não se desenvolveram tão harmoniosamente como alguns tinham achado.
As controvérsias giravam em torno da Eucaristia, do uso da língua vernácula, a concelebração, a comunhão com o cálice, a reforma do breviário, e sobretudo, a relação na aplicação das reformas litúrgicas.
Alguns pediam a revisão dogmática pela comissão teológica, em particular na questão das presenças de Cristo na liturgia, contidas no número 07 da SC. Depois de muitas discussões, no dia 21 de novembro de 1963 foi abandonado o pedido de manutenção do latim para a forma sacramentorum.
Com a morte de João XXIII, Paulo VI anunciou o segundo período do Concílio já priorizando a liturgia como um dos trabalhos mais importantes, pois tinha sido influenciado pelo seu colega de estudos Bevilacqua, mais próximo do cardeal Lercaro e de Bugnini.
Por fim, foi aprovado a Constituição, não dogmática, sobre a liturgia, por grande maioria. Na aprovação Paulo VI disse: “O tema da liturgia que foi abordado em primeiro lugar e que, em certa medida, é o mais importante por causa de seu valor intrínseco e do seu significado para a vida da Igreja, conclui-se felizmente”³.
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¹ Helmut Hoping, A Constituição Sacrosanctum Concilium. In: As constituições do Vaticano II, Ontem e Hoje, org. Geraldo B. Hackmann e Miguel de Salis Amaral, Edições CNBB, 2015, p.110.
² J. Ratzinger. Aus Meninem Leben. Erinnerungem(1926-1977), Suttgart, 1998,p.103.
³ Helmut Hoping, A Constituição Sacrosanctum Concilium. In: As constituições do Vaticano II, Ontem e Hoje, org. Geraldo B. Hackmann e Miguel de Salis Amaral, Edições CNBB, 2015, p.113-114
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