Editorial: Concílio, embargo violado e anúncio na surdina
Andrea Tornielli - Cidade do Vaticano
A celebração estendeu-se além do previsto e o ancião Pontífice, eleito como “Papa de transição” após o longo pontificado de Pio XII, começara a falar reservadamente aos cardeais presentes na sala capitular quando na realidade a notícia que queria comunicar antecipadamente ao Sacro Colégio já tinha sido dada há mais de meia hora pelas agências do mundo inteiro. Para João XXIII aquele anúncio deveria ser dado em primeiro lugar aos purpurados, reunidos num encontro que tinha todas as características de um consistório, com “Extra omnes” pronunciado pelo Prefeito das cerimônias Enrico Dante. Mas devido a um descuido – na época não havia celulares nem transmissões streaming – os cardeais foram os últimos a saber.
É emblemático que o anúncio do Concílio Vaticano II, naquele 25 de janeiro de 1959, tenha sido caracterizado por um curto-circuito informativo: o vigésimo primeiro concílio ecumênico, convocado oficialmente em dezembro de 1961 e aberto em 11 de outubro de 1962, será efetivamente a primeira assembleia a aprovar um documento dedicado às comunicações sociais, o decreto “inter mirifica”. Aquele dia de janeiro de sessenta anos atrás concluía o oitavário de oração pela unidade dos cristãos, anseio particularmente sentido pelo novo Papa. João XXIII se levantara bem cedo como fazia habitualmente e tinha celebrado a missa em sua capela depois de ter acompanhado a de seu secretário. Após um tempo de trabalho em sua escrivaninha tomara o automóvel para dirigir-se à Basílica de São Paulo Fora dos Muros. Ali, da sédia, presidira a missa solene celebrada pelo abade e pronunciara a homilia. Rezou-se pela unidade e, em particular, pelos católicos perseguidos, e o Papa Roncalli compusera uma espécie de oração pela “Igreja do silêncio”. O rito estendeu-se além do previsto. Ao término da celebração, o Papa solicitara aos cardeais presentes que permanecessem ainda com ele no mosteiro adjacente. Uma grande movimentação dos frades, entrando e saindo, precedeu o ingresso dos purpurados, que não imaginavam o que estava para acontecer. Depois chegara João XXIII, com um discurso escrito por ele mesmo em italiano. O Pontífice de origem bergamasca iniciara a falar às 13h10, quando o anúncio do Concílio já tinha sido feito. Não prevendo o prolongamento da missa e o tempo de transferência dos cardeais para a sala capitular, a Secretaria de Estado conduzida pelo cardeal Domenico Tardini e pelo substituto Angelo Dell’Acqua havia predisposto a difusão de um comunicado às 12h30 pensando que naquela hora o Papa já tivesse concluído seu discurso. Não existe gravação deste (disponível, ao invés, o áudio da homilia da missa), somente alguma rara imagem documenta o ocorrido naquelas horas destinadas a mudar a história da Igreja do Séc. XX. Não se sabe ao certo nem mesmo o número dos cardeais presentes: para o Papa eram doze ou treze, as crônicas propendem por dezessete, os historiadores para evitar erros preferem escrever “menos de vinte”. João XXIII traça um quadro bastante sombrio do estado do mundo, deplora as divisões no cristianismo. Inscreve as iniciativas extraordinárias que pretende tomar na perspectiva do “bem das almas” – verdadeiro horizonte de toda autêntica reforma eclesial – e das exigências da hora presente. Somente no final da alocução, o Papa diz: “Meus veneráveis irmãos do colégio cardinalício! Pronuncio diante de vós, por certo tremendo um pouco pela comoção, mas ao mesmo tempo com humilde firmeza de propósito, o nome e a proposta da dúplice celebração de um Sínodo diocesano para Roma e de um Concílio geral para a Igreja universal”, além da revisão do Código de Direito Canônico. No texto original pronunciado naquele dia o Concílio não é definido “ecumênico”: o adjetivo será acrescentado na redação oficial do discurso e a partir de então aparecerá sempre.
A reação ao anúncio foi o silêncio. Não se sabe se seus interlocutores com a púrpura ficaram atônitos ou não compreenderam bem o alcance daquelas seis palavras encastoadas e quase mimetizadas dentro de uma frase contendo outros dois anúncios, importantes mas certamente incomparáveis em relação a um novo Concílio.
O jornal vaticano L’Osservatore Romano, cuja edição saiu na tarde do dia sucessivo, conta detalhadamente como foi o dia do Pontífice, não faz alusão ao Concílio em suas manchetes, mas publica suscintamente na primeira página o comunicado da Secretaria de Estado com a notícia. Ninguém dos cardeais, após aquele anúncio posterior, diz uma palavra, e João XXIII anota em seu Diário: “Humanamente se podia esperar que os Cardeais, após ter ouvido a Alocução, se unissem a Nós para expressar aprovações e felicitações. Ao invés, houve um impressionante devoto silêncio”.
Dias depois, o “Bom Papa João” buscará um motivo para compreender aquela reação, supondo que a surpresa os tenha reduzido ao silêncio e ninguém tenha “encontrado palavras para manifestar o júbilo” no que Roncalli definirá um “Dia feliz e inesquecível”. O Pontífice ancião lançara o coração para além do obstáculo, sem ater-se às dificuldades e aos temores. Depois inaugurará o Concílio num esplêndido dia de sol típico de outubro romano, deixando nas mãos do sucessor, Paulo VI, o timão do Vaticano II e a sua conclusão com todos os documentos favoravelmente votados quase por unanimidade pelos bispos do mundo inteiro unidos com Pedro.
João XXIII teve a ideia de convocar um novo Concílio logo após sua eleição, também graças aos colóquios com os cardeais (uma anotação após a audiência com o arcebispo de Palermo, Ernesto Ruffini, fala sobre isso). Ao longo da primeira metade do Séc. XX muitas vozes tinham pedido uma atualização a fim de que o anúncio do Evangelho levasse em consideração as mudadas condições dos tempos. Roncalli confessara a seu secretário, Pe. Loris Capovilla, também o “fundamento bíblico” que movera sua ideia de reunir todos os sucessores dos apóstolos: “Jesus falou alguma vez com Pedro sozinho? Não, os outros discípulos estavam sempre presentes”.
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