Cardeal Ravasi: São José, a força eloquente do silêncio
Emanuela Campanile, Mariângela Jaguraba
São José, homem justo e dócil, capaz de ouvir a Deus, é recordado, nesta terça-feira (19/03), como Esposo de Maria e Padroeiro da Igreja. O seu silêncio que se opõe à palavra “gritada, brutal e agressiva, como estamos acostumados a ver”, explica na entrevista o biblista e presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, cardeal Gianfranco Ravasi, “permanece um exemplo e uma advertência constante”.
São José trabalhador, carpinteiro e dormindo são algumas representações do pai putativo de Jesus. “Uma presença bastante limitada”, sublinhou o purpurado, mas em seu silêncio, extremamente eloquente:
Cardeal Ravasi: A figura de São José tem uma presença limitada. Ele está em primeiro plano somente em relação ao início da vida de Jesus. O Evangelho de Mateus dedica-lhe a Anunciação do Anjo, ao contrário de Lucas que dedica a Maria. Podemos dizer que é somente no início absoluto de sua existência, da existência de Cristo, que apare essa figura. Aparece por duas razões e aqui entramos também na questão da “desobediência”. Aparece, em primeiro lugar, porque é ele quem tem essa ascendência, que naturalmente no mundo oriental era bastante vago, com Davi, e portanto dá a linha davídica a Jesus, introduzindo-o no grande rio do messianismo. Por outro lado, é ele quem vive a experiência do vínculo com Maria e dessa surpresa que abala sua vida, e ele se sentiria pronto para romper o vínculo com Maria, como se desobedecesse a esse projeto que tinha construído: de estar junto com essa moça, com essa mulher. Não nos esqueçamos de que José provavelmente não era o idoso representado também no imaginário artístico, iconográfico. Está pronto para interromper esse projeto comum, mas é nessa escolha que irrompe a Anunciação, que muda radicalmente o seu projeto e o torna obediente por excelência: torna-se instrumento fundamental para o reconhecimento de Jesus no contexto social, como pai putativo.
Numa sociedade onde a palavra conta muito, aliás, quanto mais falamos, mais gritamos, o que São José pode nos dizer?
Cardeal Ravasi: Diz uma coisa fundamental porque, diferentemente de muitos outros personagens dos Evangelhos, é um personagem central no início, mas é mudo: não temos uma palavra sequer. Em relação a Maria temos seis frases, digamos cinco frases e um canto, o “Magnificat”. Na verdade, é pouco também para Maria, pois são frases breves as cinco palavras de Maria. Ao contrário, para José temos o silêncio absoluto. Eu diria que o “preferir” é uma lição constante dentro dos Evangelhos, como Jesus prefere os últimos. Como dizia o poeta francês, Paul Valéry, preferir sempre a palavra “moindre”, a menor, a mais delicada em relação à palavra gritada, brutal e agressiva que estamos acostumados a ver no âmbito político, na informática, onde domina não somente a agressividade mas também a vulgaridade. A palavra que é acesa até ficar quente. Sabemos bem que a palavra é uma “criatura viva”: dizia outro poeta francês, Victor Hugo, e como tal pode também ferir, se não às vezes até matar.
O Papa Francisco é muito devoto de São José e tem uma imagem pequena sempre consigo...
Cardeal Ravasi: Sim. É a imagem de São José dormindo. Sabemos que existe também na iconografia. Bassano, por exemplo, representou José dormindo que recebe a anunciação ou recebe os sonhos que, como sabemos, na linguagem bíblica são uma maneira de representar uma comunicação transcendente, espiritual: não é necessariamente tudo o que concebemos através da visão psicanalítica, a leitura onírica com uma interpretação “científica”. Enquanto que para a tradição bíblica, e para toda a antiga tradição oriental, é uma maneira de expressar a profunda experiência religiosa, portanto, uma experiência espiritual, ascética e mística. Essa figura já é significativa, porque José é por excelência o homem que recebe essas mensagens à noite, nos momentos dramáticos da existência de seu filho oficial, seu filho jurídico. É por esse motivo que podemos dizer que seja, mais uma vez, uma figura sugestiva, porque tem a capacidade de ir em profundidade, sem muita conversa. Os evangelhos apócrifos acrescentam muitos detalhes, mas há um evangelho apócrifo chamado “José, o carpinteiro” que representa sua morte, José deitado numa espécie de névoa do fim da vida, que tem Cristo ao seu lado. Ele diz as últimas palavras em relação a Maria: “Eu amei essa mulher com ternura”, e depois morre.
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