A contribuição de Klaus Gamber na Liturgia
Jackson Erpen – Cidade do Vaticano
No nosso espaço Memória Histórica, 50 anos do Concílio Vaticano II, vamos continuar a falar sobre liturgia.
Temos dedicado nossos últimos programas não somente ao movimento litúrgico e às suas raízes, mas também em saber como a Liturgia era vivida em diferentes momentos da história da Igreja. Na última quarta-feira, por exemplo, falamos da liturgia do Barroco ao Iluminismo.
Padre Gerson Schmidt, que tem nos acompanhado neste percurso, nos propôs uma reflexão baseada nos estudos histórico-científicos de Monsenhor Klaus Gamber, falecido em 1989. Na sua perspectiva, vivemos uma época de “desolação litúrgica”. Na edição de hoje deste nosso espaço, o sacerdote incardinado na arquidiocese de Porto Alegre propõe outra reflexão inspirada nos estudos do mesmo autor, intitulada: ‘A contribuição de Klaus Gamber na Liturgia”:
"Os estudos científicos de Mons. Klaus Gamber (1919-1989) que nasceu, por assim dizer, 50 anos antes da promulgação da nova edição do Missal, seguindo as reformas pós-conciliares e faleceu 20 anos depois. É hoje uma riqueza de primeira importância seus estudos mais a fundo das fontes litúrgicas. Para ele, houve uma grande desolação litúrgica. Uma das raiz da atual desolação litúrgica, segundo esse pesquisador da liturgia, remonta à época gótica e à sua piedade subjetiva.
“Não é ainda a participação comum no desenrolar da liturgia, que une céus e terra e nos procura a graça divina, onde se centra a liturgia; mas o fato de encontrar a Deus e sua graça na oração pessoal. A celebração da liturgia, pouco a pouco, se foi convertendo numa tarefa que pertencia somente ao clero. Os fiéis presentes se convertiam em simples espectadores, que seguiam as cerimônias rezando e olhando. Introduziram-se, para o povo, exercícios de piedade, fora da liturgia, ditos em língua vulgar, correspondentes à chamada “religião moderna” e a um novo ideal de piedade. A ruptura entre liturgia e piedade se foi fazendo cada vez mais profunda. O coração do povo palpitava pelas cerimônias extra litúrgicas, nas quais podia participar, e em particular as numerosas procissões como a do “Corpus” nascida nesta época, e nas peregrinações que eram cada vez mais populares”.
Ao contrário do que ocorre com os ritos da Igreja do Oriente, que jamais cessaram de se enriquecer, inclusive durante a Idade Média para logo se fixarem, a liturgia romana permaneceu através dos séculos quase inalterável em sua forma inicial, simples e austera. Em todo caso representa o rito mais antigo.
Através dos tempos, muitos Papas lhe acrescentaram certas modificações em sua redação, como o fez desde o princípio o Papa São Dâmaso (366-384) e sobretudo mais tarde São Gregório Magno (590-604). O Papa São Gregório elaborou, baseando-se em antigos livros litúrgicos, um novo Sacramentário para o ano. Além disso, em outro livro, pôs em ordem o canto litúrgico que se conhece por seu nome, “canto gregoriano”, ainda que as melodias que conhecemos tenham sua origem cem anos depois do mesmo São Gregório.
Pode nos causar estranheza poder constatar a aparição, ao fim da Idade Média, de uma espécie de primeiro “movimento litúrgico”. É provável que no início do humanismo este movimento tenha tido por origem a nova percepção que os homens começavam a ter de si mesmos.
Ao primeiro “movimento litúrgico” do final da Idade Média, assim como aos esforços de radical renovação propostos por Lutero e outros reformadores, responderam para cortar esta corrente, as rigorosas prescrições do Concílio de Trento relativas à missa, em particular tudo o que diz respeito à proibição de empregar a língua vernácula.
Os padres conciliares (de Trento) reclamaram uma nova edição obrigatória dos livros litúrgicos que, no concernente ao Missal Romano, foi realizado em 1570 por São Pio V. A partir desse momento existe um organismo particular, a Congregação dos Ritos, que foi a encarregada de velar para que as rubricas, estritamente prescritas, fossem respeitadas. A reforma de São Pio V não criou nada novo. Contentou-se com estabelecer uma versão uniforme do missal, eliminando as inovações, que se tinham introduzido nele ao longo dos séculos. Ao mesmo tempo, foi bastante tolerante, deixando intactos os ritos antigos, com pelo menos duzentos anos de idade".
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