O martírio é o ar da vida
Silvonei José – Cidade do Vaticano
Na audiência geral do último dia 11 de dezembro, realizada em dois momentos; primeiro na Basílica vaticana quando Francisco encontrou os peregrinos da Ucrânia, e depois com os demais fiéis na Sala Paulo VI, o Santo Padre falou sobre a hostilidade com a qual o Apóstolo Paulo foi recebido em Jerusalém, descrita no capítulo 21 dos Atos; hostilidade que desencadeia um ódio feroz contra ele. E o Papa então recordou o seu encontro com os peregrinos ucranianos, de uma diocese na Ucrânia e a perseguição sofrida por aqueles fiéis.
“Quanto essas pessoas foram perseguidas; quanto sofreram pelo Evangelho! Mas não negociaram a fé. É um exemplo. Hoje, no mundo, na Europa, muitos cristãos são perseguidos e dão a vida por sua fé, ou são perseguidos com "luvas de pelica", ou seja, deixados de lado, marginalizados.
Perseguições no mundo
Francisco não cansa de levantar a sua voz para denunciar que nos dias de hoje temos mais mártires do que nos primórdios da Igreja. As perseguições hoje dizem respeito a 260 milhões de pessoas em 73 países. Um dado terrível: um em cada oito cristãos no mundo sofre atos de perseguição por causa de sua fé. Informações que emergem do relatório da ONG Portas Abertas, apresentado nos dias passados aqui na Itália.
Este relatório que analisa os eventos ocorridos no mundo entre 1º de novembro de 2018 e 31 de outubro de 2019 em cem países potencialmente afetados pelo fenômeno mostra como, em comparação com o ano anterior, os cristãos discriminados em um nível definido como "alto", "muito alto" e "extremo" aumentaram em 15 milhões.
Os vários parâmetros analisados, discriminação, violência, exclusão do trabalho, da saúde e da assistência médica, leis que proíbem a existência dos cristãos ou leis contra as conversões que são usadas contra cristãos, são fatores que levam ao aumento da pressão em muitos Estados. Em pelo menos 73 países, os cristãos experimentam um alto nível de perseguição.
Ponta do iceberg
Por exemplo, a perseguição contra os cristãos no Oriente Médio já perdura há anos. No Iraque, antes da guerra de 2003, havia 1,5 milhão. Hoje existem cerca de 200 mil e até os retornos à Planície de Nínive após a expulsão do Estado Islâmico são difíceis devido à falta de condições de segurança. Na Síria, em guerra há nove anos, os cristãos passaram de mais de 2 milhões para 744 mil.
No geral, quase dez mil igrejas foram fechadas ou atacadas, enquanto são mais de oito mil os casos de abusos contra mulheres, causados pela discriminação religiosa. Trata-se da ponta do iceberg.
Ecumenismo de sangue
Neste cenário insere-se o ecumenismo de sangue que nos coloca diante de um grande desafio. Uma questão resumida pelo Papa Francisco com esta pergunta eloquente: "Se o inimigo nos une na morte, quem somos nós para nos dividir na vida?" O sangue que os mártires derramaram por Cristo não nos separa, mas nos une. O ecumenismo dos mártires confirma mais uma vez a convicção da Igreja primitiva, que Tertuliano resumiu afirmando que o sangue dos mártires é semente de novos cristãos.
Da mesma forma, também nós podemos viver hoje na esperança de que o sangue de tantos mártires de nossos dias será a semente da plena unidade ecumênica do único Corpo de Cristo, dilacerado por tantas divisões. Podemos estar certos de que o sofrimento de tantos cristãos cria uma unidade mais forte do que as diferenças que ainda dividem as Igrejas cristãs e que, no sangue dos mártires, já nos tornamos um.
Oitenta por cento dos que são perseguidos por causa de sua fé hoje são cristãos. A fé cristã é a religião mais perseguida no mundo atual. Esse triste fenômeno nos recorda que a Igreja cristã é sempre uma Igreja de martírio, onde o batismo em nome do Deus uno e trino torna-se radical no batismo de sangue.
O martírio – disse Francisco -, é o ar da vida de um cristão, de uma comunidade cristã. "Sempre haverá
mártires entre nós: este é o sinal de que estamos seguindo o caminho de Jesus. É uma bênção do Senhor que haja no povo de Deus, alguém que seja testemunho de martírio.”
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