Museus Vaticanos: restauração revela o último Rafael
Paolo Ondarza - Cidade do Vaticano
O reconhecimento do estilo, da técnica, da aptidão para a experimentação própria do gênio de Rafael Sânzio - corroborado pela comparação entre as fontes históricas e os resultados das análises científicas - levou a atribuir ao Divino Pintor as alegorias da Iustitia e Comitas, as únicas duas figuras femininas pintadas a óleo entre os afrescos da Sala de Constantino no Vaticano.
A emoção de uma descoberta
Deslumbramento e admiração acompanharam a inauguração das pinturas recém-restauradas, ocorrida na quarta-feira, 13 de maio, na presença da diretora Barbara Jatta e de cerca de outras 20 pessoas, entre especialistas e pesquisadores dos Museus Vaticanos.
Os trabalhos de conservação e limpeza realizados desde 2015 em três paredes da grande sala permitem, de fato, vislumbrar novos detalhes de todo o ciclo pictórico. Mas, acima de tudo, de usufruir ao máximo a sensacional descoberta que estaria no centro de uma conferência internacional programada para se realizar no Vaticano em 20 de abril passado, como parte do 500º aniversário da morte do grande pintor.
A emergência ligada ao coronavírus impediu a realização do simpósio, mas a já próxima reabertura dos Museus Vaticanos permitirá admirar aquelas que são provavelmente as últimas testemunhas artísticas deixados pelo Urbinate.
A última obra de Rafael
Rafael, de fato, entre o outono de 1518 e a primavera de 1519, no auge de sua estada de doze anos em Roma, recebeu de Leão X Médici o encargo de decorar a Aula Pontificum Superior, ou seja, a sala destinada aos jantares, recepções de embaixadores e autoridades políticas: a quarto e maior das Salas (Stanze) do apartamento de representação no segundo andar do Palácio Apostólico.
As dimensões são impressionantes: 18 metros de comprimento por 12 de largura, com uma altura de cerca de 13. A morte prematura ocorrida aos 37 anos em 6 de abril de 1520, após longos dias de convalescença, não permitiu ao Mestre traduzir em pintura o detalhado programa iconográfico que havia desenvolvido, conforme documentado por numerosos desenhos e esboços que chegam até os dias de hoje.
A decoração, de fato, acabou sendo concretizada em um afresco por Giulio Romano, Giovan Francesco Penni e outros colaboradores do atelier.
O óleo sobre parede
A ideia era decorar cada uma das quatro paredes, simulando falsas tapeçarias, episódios marcantes da vida de Constantino, como a Visão da Cruz, o Adlocutio e a Batalha de Ponte Mílvio. A intenção era dar uma forma artística à ideia da transmissão da auctoritas da Roma clássica à Roma cristã.
Retornando dos sucessos das Stanze da Signatura, de Heliodoro e do Incêndio do Borgo, Rafael decidiu experimentar o óleo sobre parede, uma técnica própria da pintura sobre madeira.
Uma questão controversa
É Giorgio Vasari, o famoso biógrafo de Vidas dos Pintores, que pela primeira vez mencionou duas figuras femininas pintadas a óleo no último período da vida de Rafael. Um aspecto, aliás, debatido sempre com grande paixão entre historiadores da arte, divididos em relação à autoria das Iustitia e Comitas.
As duas alegorias, a primeira à direita da "Batalha", a segunda à direita do Adlocutio, flanqueiam as figuras dos Papas, oito no total, representados entronizados em nichos nas laterais das cenas principais, e sempre se destacando em todo o ciclo em termos de beleza e superioridade qualitativa.
A restauração e a atribuição a Rafael
Uma alteração da cor causada em grande parte por colas e intervenções de restauração que se alternaram ao longo dos séculos, não havia até agora permitido confirmar a hipotética atribuição a Rafael, também recordada por Stendhal nas Caminhadas Romanas.
A longa e complexa restauração recém-concluída pelos Museus do Vaticano, graças ao apoio dos Patrons of the Arts in the Vatican Museums, trouxe à luz elementos significativos que permitem atribuir a Rafael as duas Alegorias.
Refinados métodos de limpeza da superfície pictórica foram realizados a partir de 2015 em três paredes da Sala de Constantino por técnicos do Laboratório de Restauração, guiados por Francesca Persegati, coordenados por Fabio Piacentini, sob a direção científica de Guido Cornini. As intervenções permitiram que viessem à luz as cores extraordinárias de todo o ciclo pictórico que inaugurou a estação do maneirismo de Rafael.
Os pregos sob a parede
De modo especial na Iustitia e na Comitas, realizadas respectivamente em têmpera com goma e óleo, destacam-se as iridescentes, transparentes e nuances próprias do ductus e da paleta de Sânzio. Também significativa a descoberta de numerosos pregos abaixo da superfície em que se sobressaem as duas alegorias.
Esses elementos metálicos tinham a função de ancorar a resina à parede, ou seja, a pez grega aplicada à quente e recoberta por Rafael com uma fina camada de gesso branco ,com a intenção de reproduzir na parede as mesmas características de uma mesa, e assim, prosseguir com confiança a execução da pintura a óleo.
Um talento incomparável
O projeto de conduzir toda a decoração da Sala de Costantino com a mesma técnica foi logo abandonado pelos estudantes que, com a morte do Mestre, não conseguiram igualar com êxito suas ousadas experiências.
Decidiram então desmontar a parede e montar um novo gesso, salvaguardando somente Iustitia e Comitas, cujo refinamento cromático se iguala a obras-primas como a Fornarina. O restante do empreendimento foi completado com o uso mais seguro da técnica do afresco.
Reabertura dos Museus Vaticanos com seguranças
As duas Virtudes, portanto, representam um unicum, que os visitantes em breve poderão apreciar ao vivo junto com todo inigualável patrimônio dos Museus Vaticanos.
As "coleções do Papa", de fato, estão prontas para a reabertura, garantindo a máxima segurança. A restauração da Sala de Constantino, iniciada em março de 2015, terá continuidade partir deste verão na quarta e última parede, onde a Escola de Rafael afrescou "A Doação de Roma".
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