Busca

João Paulo II no Brasil em 1997 João Paulo II no Brasil em 1997 

Parolin. Papa João Paulo II uma janela aberta para o mundo

O testemunho do cardeal Secretário de Estado, Pietro Parolin por ocasião do centenário do nascimento do Papa João Paulo II

PIETRO PAROLIN

Cidade do México, 1990. Estávamos também no mês de maio. Ali começam minhas lembranças mais pessoais de São João Paulo II, a quem eu tinha saudado rapidamente alguns anos antes, durante sua visita à Pontifícia Academia Eclesiástica. Ele havia concluído sua 47ª Viagem Apostólica ao exterior, na preparação e condução da qual eu havia estado diretamente envolvido como Secretário da então Delegação Apostólica no México. O mesmo país que, em janeiro de 1979, havia constituído o primeiro elo dessa impensável corrente de itinerários apostólicos em todo o mundo empreendidos pelo Papa "chamado de muito longe", que conseguiu aproximar cada distância. Não apenas aqueles quilômetros.

Ele havia retornado ao Vaticano poucos dias antes do seu 70º aniversário. Eu, do outro lado do oceano, pensei no que tinha acabado de acontecer, uma experiência verdadeiramente única, humana e espiritualmente "avassaladora", eu a chamaria, para mim e para os milhões de fiéis que encontrei ao longo do caminho que o levou a praticamente tocar, em uma semana, toda a região da "terra dos vulcões".

Naquela época o México, apesar de ter uma população 95% católica, fervorosamente mariana por causa da presença do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe na capital e numerosos outros lugares de culto dedicados à Santíssima Virgem em todo o território, mantinha uma Constituição secularista, que não reconhecia o direito da Igreja de existir e chegava ao ponto de proibir os cultos religiosos em público.

Mas João Paulo II não veio como político em busca de acordos, ainda que seu carisma e seu "ímpeto" favoreceram nos anos imediatamente posteriores à transformação da política de Governo em matéria religiosa e ao estabelecimento de relações diplomáticas com a Santa Sé, em favor das quais o então Delegado Apostólico, Monsenhor Girolamo Prigione, havia trabalhado longa e tenazmente. Ele se apresentou, apenas, como um peregrino em busca de fé. Na cerimônia de boas-vindas no aeroporto ele disse: "O Senhor, mestre da história e dos nossos destinos, estabeleceu que o meu pontificado fosse o de um Papa peregrino da evangelização, para percorrer os caminhos do mundo levando a mensagem de salvação a todos os lugares". Pouco depois reiterou o conceito, apresentando-se como "um peregrino de amor e esperança, com o desejo de estimular as energias das comunidades eclesiais, para que possam dar frutos abundantes de amor a Cristo e de serviço aos irmãos".

Acho que podemos condensar estas palavras em uma só: missão. Para ele, não era uma opção preferencial, mas uma exigência evangélica. Sair de si mesmo para se redescobrir, para se perder para se encontrar: o Mestre nos ensina isso. O próprio nome que ele havia escolhido como Pontífice trazia o do primeiro grande missionário, Paulo de Tarso. Como ele, ele havia recebido o insuprimível chamado para expandir as portas da casa para fazer com que todos que ele havia alcançado se sentissem em casa: a casa do Deus vivo é destinada à grande família humana. Não só isso, mas como o Apóstolo dos Gentios, ele não se poupou, fazendo tudo para que todos fizessem parte dela com eles (cf. 1 Cor 9, 23).

Deixou em mim uma impressão indelével e inspiradora o esforço ao qual se submetia para ser fiel aos dois compromissos marcados todos os dias, um de manhã e outro à tarde, em diferentes partes da República, com a celebração da Santa Missa e uma liturgia da Palavra, respectivamente. E com aquele belo humor que o caracterizava, numa manhã, saudando como sempre as dezenas de milhares de pessoas que "sitiavam" a sede da Nunciatura Apostólica dia e noite durante a sua estadia, rezando e cantando, ele disse (referindo-se ao fato de que naquela noite não voltaria à Cidade do México como fazia nos outros dias): "Hoje dou férias para vocês: descansem um pouco!”.

Assim, aquela frase “Abram as portas a Cristo" tornou-se cada vez mais um caminho dentro de mim: não era apenas uma exortação corajosa, mas a consciência de que não se pode ser Igreja se não se abrir verdadeiramente as portas da casa ao Senhor e, com Ele, a todos os irmãos e irmãs criados à sua imagem. Anúncio dado ao mundo, desde a inauguração do Pontificado e da primeira Encíclica, dedicada ao Redentor do homem e ao homem, o caminho da Igreja.

Foi assim que o serviço diplomático, no qual dava meus primeiros passos, abriu horizontes mais amplos: não só pedia para chamar a atenção dos outros as suas legítimas razões, mas para abrir, nós por primeiro e a todos, as portas de casa em nome de Jesus. Era uma questão de viver a missão diplomática lembrando que o substantivo precede e motiva o adjetivo. Era uma questão de acolher uma esplêndida verdade: a de não ser estrangeiro em nenhum país e, portanto, estar em casa em todos os lugares. Não só porque os católicos estão em toda parte do mundo, mas sobretudo porque no homem, em cada homem, há Cristo batendo pedindo para abrir uma porta.

Assim novos gestos com um antigo sabor evangélico, sinais, imagens indeléveis reaparecem na memória: fronteiras atravessadas, encontros ecumênicos, inter-religiosos, sociais, históricos. Um Evangelho de vida declinado no singular e no plural: Evangelho de vidas, muitas, muitas (quem encontrou mais nas últimas décadas?), todas preciosas, únicas, abraçadas por um sorriso que sempre amou a beleza, quando se destacava bruscamente nos cumes do Vale de Aosta e quando se deitava, agachado e dolorido, num leito de hospital. Não é por acaso que o Papa mais sofrido que a mídia nos mostrou tenha sido também o Papa dos jovens, a quem, em 15 de abril de 1984, por ocasião do primeiro Dia a eles dedicado, dirigiu uma frase memorável: "Vale a pena ser homem, porque tu, Jesus, foste homem".

Passaram-se 25 anos desde aqueles oito dias inesquecíveis no México. Eu também tinha atravessado o oceano e alcançado a Cúria nesse meio tempo. Na primavera daquele ano, das janelas, vimos rios de pessoas caminhando, entre orações e cantos, em direção àquele que, introduzindo a Igreja no terceiro milênio, havia falado de uma nova primavera do Espírito. Pessoas de todas as partes do mundo que vinham retribuir as visitas do Papa peregrino. A família cristã e humana reunida em torno do pai, do irmão, do amigo. Muitas línguas expressaram o mesmo carinho pelo Papa missionário que viajara pelo planeta para lembrar a todos a dignidade de cada um.

Na linguagem cristã, a missão rima precisamente com a comunhão. O Concílio Vaticano II o ensinou, lembrando que a Igreja, essencialmente, é comunhão em si mesma e missão para os outros. Do Concílio, roteiro para a Igreja do nosso tempo, o itinerante João Paulo II foi primeiro um jovem pai e depois um idoso filho. E lá estávamos nós, todos reunidos em comunhão em torno do Papa da missão, naqueles primeiros dias de abril, em seus dias pascais. Olhávamos para o Crucifixo e à sua cruz, reunidos como Maria e João aos pés da cruz, para formar uma família. Entendemos que aqueles nomes eram apropriados: Maria, cuja inicial se destacava sob a cruz do seu brasão, mas ficava muito mais marcada no Totus tuus do coração; João, o evangelista ícone da comunhão, o primeiro nome de um Papa fiel a ele, porque era o pai de toda a família humana.

A última imagem é o seu olhar para a praça, no domingo de Páscoa, à janela, gesticulando e em silêncio para a última bênção, aquela sem palavras, aquela feita com vida. Alguém escreveu que a vida é uma janela aberta para o mundo. Creio que isto se aplica de uma forma especial ao Papa nascido há cem anos. Agradeço-lhe de coração por ter aberto tantas janelas também para o meu mundo interior. E por deixar a Luz do mundo entrar nelas.

Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui

18 maio 2020, 09:25