Entendendo a imagem da Igreja-Povo de Deus
Jackson Erpen – Vatican News
A Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja é um importante documento do Concílio Vaticano II que refletiu basicamente sobre a constituição e a natureza da Igreja, não somente como instituição, mas como Corpo Místico de Cristo. O documento reafirmou várias verdades eclesiológicas - já tratamos aqui neste nosso espaço sobre a Eclesiologia da Lumen Gentium – e nele a Igreja vem apresentada com várias figuras, como redil, rebanho, agricultura ou campo de Deus, construção de Deus, “Jerusalém do alto” e “nossa mãe”, esposa imaculada do Cordeiro imaculado.
Seu capítulo II é dedicado à Igreja como o "Povo de Deus", começando pela “Nova Aliança com o novo Povo de Deus”, que foi o tema de nosso último programa. Padre Gerson Schmidt*, que tem nos acompanhado na exposição dos documentos conciliares, aprofunda esta temática, nos apresentando hoje a reflexão “Entendendo a imagem da Igreja-Povo de Deus":
"Deus não pertence somente a um povo específico, pois Deus quer ser tudo em todos, sendo Pai de toda a criatura. Deus não pertence, como propriedade, a nenhum povo. Sob o conceito da Igreja Povo de Deus se entende uma comunidade, querida e criada pelo próprio Deus, para o seu serviço[1].
Usando a palavra “Povo de Deus” não nos referimos a um determinado grupo de fiéis no seio da Igreja em contraposição a um outro grupo da hierarquia. O conceito designa a Igreja como uma grande unidade. Mas todos os homens são chamados a pertencer a esse novo povo querido por Deus. Esse povo, permanecendo uno e único, deve estender-se a todo o mundo e por todos os tempos, para que se cumpra a vontade de Deus, que é a salvação de todo o homem. Deus quer congregar seus filhos dispersos (cf. Jo 11,52)[2].
Esse povo messiânico, embora não abranja atualmente todos os homens e por vezes aparece como um pequeno rebanho, é contudo para todo o gênero humano germe firmíssimo de unidade, esperança e salvação. Constituído por Cristo para a comunhão de vida, caridade e verdade, é por Cristo constituído como instrumento de redenção de todos. Cada membro desse povo deve ser sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-16)[3].
Esta característica de universalidade que distingue o Povo de Deus é dom do Senhor; por Ele a Igreja católica tende eficaz e constantemente à recapitulação total da humanidade com todos os seus bens sob a cabeça, Cristo, na unidade do Seu Espírito[4]. o Povo de Deus encontra-se entre todos os povos da terra, já que de todos recebe os cidadãos, que o são dum reino não terrestre, mas celeste. Pois todos os fiéis espalhados pelo orbe comunicam com os restantes por meio do Espírito Santo, de maneira que «aquele que vive em Roma, sabe que os indianos são membros seus»[5].
No tempo pós-apostólico a ideia de Povo é retomada em São Justino, Santo Irineu.... Hipólito é bastante prolixo nessa questão. Origines vê na Igreja o novo Israel. A Igreja sabe que é, conforme o testemunho do Novo Testamento, o Novo Israel. O antigo Israel, o Povo do AT, era uma sombra, um esboço antecipado do Israel em espírito. O velho Israel é incapaz de compreender suas próprias Escrituras e história. Há um véu sobre seus olhos. Como profetizou Jeremias: “Eis que virão dias, diz o Senhor, em que estabelecerei com a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança... Porei a minha lei nas suas entranhas e a escreverei nos seus corações e serei o seu Deus e eles serão o meu povo... Todos me conhecerão desde o mais pequeno ao maior, diz o Senhor” (Jr 31, 31-34).
Na Igreja Latina, o conceito de Igreja como Povo de Deus encontrou defensores em Cipriano e Tertuliano, principalmente em Santo Agostinho. Agostinho sublinha que o povo de Deus é caracterizado por sua íntima ligação com Cristo. Contra o gnosticismo (busca da verdade apenas pelo viés racional-filosófico), Tertuliano defendeu a unidade do Povo de Deus do Antigo e do Novo Testamento.
A Igreja, na verdade, somente é povo como comunidade dos fiéis em Cristo, repleta do Espírito. Segundo Tertuliano o novo conceito de Povo de Deus é a comunidade eucarística. Aparentada com o povo de Deus é também a ideia da Igreja como família, tão frequente na liturgia eclesial. Como aponta número 09 da LG: “Com efeito, os que creem em Cristo, regenerados não pela força de germe corruptível, mas incorruptível por meio da Palavra de Deus vivo (cfr. 1 Ped. 1,23), não pela virtude da carne, mas pela água e pelo Espírito Santo (cfr. Jo. 3, 5-6), são finalmente constituídos em «raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo conquistado... que outrora não era povo, mas agora é povo de Deus» (1 Ped. 2, 9-10)”.
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] SCHMAUS, Michael. A fé da Igreja, Volume IV, 2ª Edição, Vozes, Petrópolis, 1983, p.51.
[2] LG, 13.
[3] Idem, 54.
[4] Cfr. S. Ireneu, Adv. Haer. 111, 16, 6; III, 22, 1-3: PG 7, 925 C-926 A, e 955 C-958 A: Harvey 2, 87 s. e 120-123; Sagnard, Ed. Sources Chrét., pp. 290-292 e 372 ss.
[5] Cfr. S. J. Crisóstomo, In Io. Hom. 65, 1: PG 59, 361.
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