Igreja como sacramento no mundo
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
[ É muito difícil ver uma renovação espiritual usando esquemas muito antiquados. Precisamos renovar nossa maneira de ver a realidade, de avaliá-la. Na Igreja europeia vejo mais renovação nas coisas espontâneas que estão surgindo: movimentos, grupos, novos bispos que lembram que há um Concílio por trás deles. ]
Na conversa com os diretores da revista dos jesuítas, La Civiltà Cattolica, recebidos em audiência em 19 de maio, o Papa Francisco falou de diversos temas, entre eles sobre a renovação espiritual da Igreja, destacando que “o problema é precisamente este: que em alguns contextos o Concílio ainda não foi aceito. Também é verdade que leva um século para que um Concílio crie raízes. Então ainda temos quarenta anos para criar raízes!”.
Mas, qual foi a imagem de Igreja que emergiu do Concílio e como ela pode ser sacramento no mundo? Quem nos explica, é o sacerdote gaúcho padre Gerson Schmidt*:
"Uma das consequências mais importantes da visão eclesial que brota do Concílio Vaticano II é a consciência de que a Igreja Católica, no desígnio de Deus, ser a Igreja de Cristo que deve servir a humanidade inteira, não simplesmente voltando-se a si mesma, mas a todo o mundo. Mesmo quando ainda não existia, a Igreja foi pensada por Deus desde o princípio da humanidade para a salvação divina da humanidade. A realidade que se ocupa a atividade salvífica de Deus já não é a Igreja como comunidade por si mesma, mas na medida que tem um chamamento e uma missão especial bem mais largo que é o Reino de Deus.
O fim último da história humana não é a Igreja, mas o Reino de Deus como unidade final de todos sob a autoridade de Cristo e de sua paz. A Igreja, portanto, não é o centro de tudo. A Igreja já não se considera como o centro real à volta do qual gira a história humana, embora saiba que lhe foi confiada uma missão especial a cumprir nessa história, tal como o Povo de Israel. Na Constituição Dogmática LG há uma nova consciência da Igreja, que supera a auto-suficiência de uma Igreja que se entende como fim em si mesma, e se descobre como a Igreja de Deus, que deve ser sacramento de salvação para o mundo.
A Constituição Dogmática Lumen Gentium descreve a Igreja como reflexo da Luz que é a Luz de todas as nações – é sua relação profunda com Cristo. E por isso se chama a si mesma, graças a essa relação com Cristo, “uma espécie de sacramento ou sinal da íntima união com Deus, e da unidade de todo o gênero humano”. Diz a Constituição com clareza: “Mas porque a Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano, pretende ela, na sequência dos anteriores Concílios, pôr de manifesto com maior insistência, aos fiéis e a todo o mundo, a sua natureza e missão universal”. A Igreja tem uma missão não “ad intra”, mas “ad extra”, para fora de si mesma, para atingir todo o universo, que é a mesma missão que Cristo outorgou à sua Igreja de levar à comunhão todos os povos. A Igreja deseja acentuar com maior vigor, a sua ligação a todo o mundo ao serviço d’aquele que é a cabeça de toda a criação. Assim o conceito de Igreja como sacramentum mundi – sacramento do mundo, tornou-se um tema permanente, não só na Lumen Gentium como na Constituição Gaudium et Spes – ou seja – a missão da Igreja no mundo contemporâneo. O tema da Igreja como sacramento do mundo articula-se na autêntica tradição dos Padres (Santos Padres – Patrologia).
Como a Igreja é a Igreja de Deus, a Ekklesía tou Theou, pode-se afirmá-la como uma Igreja sacramento de salvação (cf. Lumen Gentium 1), porque nela está presente o mistério do desígnio salvífico de Deus para a humanidade, como sinal do amor incondicional de Deus Trindade pelas pessoas, por ele criadas como um gesto de benevolência de seu dom. Com isso, uma das características da eclesiologia do Vaticano II é a dimensão trinitária da Igreja, que está clara no primeiro capítulo da Lumen Gentium.
A Palavra “sacramento” – sinal e instrumento – conforme é apresentado na Constituição, não é suficiente, na sua forma abstrata, para nos fazer saborear toda a riqueza do que realmente significa este caráter sacramental da Igreja. Desde o Princípio a salvação divina foi projetada para todo o mundo. Deus quer salvar a todos, não simplesmente um povo escolhido. Este povo escolhido, o Povo de Deus consagrado pelo batismo, deverá ser luz, sal e fermento para toda a humanidade, não confinado simplesmente a um grupo de elite e de privilegiados. A vontade de Deus é que ninguém se perca, que todos tenham conhecimento da salvação que Jesus Cristo trouxe e quer realizar em todos e em cada um em particular. "
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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