Bento XVI e a transmissão da fé na era digital
Alessandro Gisotti
Quanto ao ter sido um grande teólogo, o reconhecimento é unânime. Mas Joseph Ratzinger foi também um comunicador notável, com uma caracterítica própria, cujo legado sem dúvida ultrapassará o limite temporal da existência terrena.
O fato de Bento XVI não ser um comunicador para as massas - embora tenha atraído a atenção de milhões de jovens nas JMJs - em nada diminui seu estilo de comunicação. Antes de tudo, como teólogo demonstrou que mesmo temas de alto nível intelectual podem ser explicados aos simples e estar ao alcance de um público amplo e não apenas de especialistas. O sucesso de sua Introdução ao Cristianismo, que ainda hoje - mais de 50 anos após sua publicação - um best-seller mundial de publicações religiosas, demonstra a capacidade inata de Ratzinger de dar razão da fé em Jesus Cristo e de fazê-lo com argumentos claros e com uma linguagem fascinante e convincente.
O mesmo se pode dizer da trilogia sobre Jesus de Nazaré, obra na qual Joseph Ratzinger se pôs inteiramente, conseguindo completá-la antes de sua renúncia, não obstante os esforços do governo da Igreja universal. Pode-se dizer, portanto, que Bento XVI foi uma grande testemunha da fé - e de sua razão, como emerge no seu testamento espiritual - também pela maneira como soube comunicá-la. Em particular, por meio de seus escritos, de seus discursos (alguns memoráveis, como muitos recordaram nos últimos dias) e de suas homilias, definidas como "sublimes" pelo padre Federico Lombardi, pela sábia harmonia entre teologia, conhecimento das Escrituras e espiritualidade.
Ao Papa alemão, no entanto, não faltaram gestos e coragem para “arriscar” no vasto campo da comunicação. Bento XVI foi o primeiro Papa a se encontrar com vítimas de abuso sexual por parte do clero. Um ato de grande significado comunicativo no qual Ratzinger colocou a escuta no centro. Uma escuta - como vimos nos encontros durante as viagens internacionais - longe dos holofotes e marcada pela disponibilidade e empatia, condições essenciais para iniciar aquele processo de conversão do coração que Francisco leva em frente hoje com convicção e que foi a base da Cúpula sobre a proteção de menores de fevereiro de 2019.
Embora não tenham faltado críticas por parte de alguns meios de comunicação por algumas de suas decisões, Bento XVI sempre manteve uma atitude positiva em relação ao mundo dos operadores de informação e comunicação. Da conversa com o jornalista alemão Peter Seewald nasceu Luz do Mundo, um livro que percorre todas as questões mais delicadas do seu Pontificado, até tocar no tema da renúncia.
Bento XVI é também o primeiro Papa a enviar mensagens de texto (aos jovens da JMJ de Sydney), a conversar com os astronautas da Estação Espacial Internacional, a responder perguntas na TV por ocasião da Sexta-feira Santa (a de 2011 ), enquanto no Natal do ano seguinte assinou um editorial no Financial Times centrado no compromisso dos cristãos no mundo de hoje.
Sobretudo, Bento XVI é o primeiro Papa que se depara com o advento das Redes Sociais que remodelam profundamente o contexto da comunicação global precisamente nos anos de seu Pontificado. Cinco das suas oito mensagens para as Jornadas das Comunicações Sociais são dedicadas a este inédito areópago digital. Juntos constituem uma espécie de compêndio do Magistério da Igreja sobre esta nova realidade que mudou não só a nossa forma de comunicar, mas também a de nos relacionarmos. Bento XVI capta imediatamente o sentido da revolução das redes sociais, que não são tanto um meio a ser utilizado, mas um ambiente a ser habitado. Cunha, portanto, o termo "continente digital" para redes sociais. Um continente, como os geográficos, que requer o empenho dos fiéis - em particular dos leigos, em linha com Inter Mirifica - para evangelizar este novo território de missão. O Papa também entende que a distinção entre virtual e real deve ser superada, pois o que é compartilhado e comentado nas novas plataformas tem consequências concretas na vida das pessoas.
Bento XVI encoraja os cristãos a serem testemunhas digitais mais que influenciadores, para transformar as redes sociais em "portas de verdade e de fé". E não se limita a fazê-lo com palavras. Em 12 de dezembro de 2012, pela primeira vez, um Papa publicou um tweet através da conta @Pontifex, criada alguns dias antes. Trata-se de um gesto que alguns comparam à criação da Rádio Vaticano por Pio XI.
Nem todos aprovam, temendo a exposição do Papa a críticas e ofensas, mas Bento XVI está convencido de uma escolha que vai na direção da nova evangelização. Mais uma vez um Papa sabe aproveitar o potencial das inovações tecnológicas para chegar a pessoas que, de outra forma, ficariam excluídas do anúncio do Evangelho. Poucas semanas depois de abrir a conta, Bento XVI renunciou ao ministério petrino, mas @Pontifex foi "reativado" por Francisco que hoje - através de seus tweets em 9 idiomas - conta com mais de 50 milhões de seguidores todos os dias. Portanto, se nos quase 8 anos de seu pontificado, Bento XVI comunicou usando as mais diversas linguagens com criatividade e coragem, nos quase 10 anos como Papa emérito sua comunicação assumiu uma forma diferente, invisível, mas não por isto menos eficaz: a forma do silêncio e da oração.
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