Ouellet: falta uma reflexão teológica sobre os abusos. Rever a formação nos seminários
Salvatore Cernuzio – Vatican News
“Despertar o sacerdócio dos batizados, ou seja, o papel que os batizados desempenham no mundo e na Igreja. Mas se nós mesmos não temos consciência de nossa identidade sacerdotal, pensamos que o nosso papel seja insignificante no mundo.” O prefeito do Dicastério para os Bispos, cardeal Marc Ouellet, resume com estas palavras o objetivo das anotações do Simpósio Internacional "Por uma teologia fundamental do sacerdócio", inseridas em dois volumes em italiano, espanhol, francês e português (em inglês e alemão será publicado em breve) apresentadas na última segunda-feira (20/02), na Sala Marconi da Rádio Vaticano.
O simpósio, promovido pelo cardeal canadense junto com o Centro de Pesquisa e Antropologia das Vocações, realizou-se no ano passado de 17 a 19 de fevereiro, no Vaticano. Cerca de 500 cardeais, bispos, sacerdotes, religiosos e leigos participaram do encontro, aberto pelo Papa Francisco, todos juntos para refletir sobre o ministério dos sacerdotes diante dos desafios do mundo atual e responder de forma mais ampla aos problemas atuais da vida sacerdotal.
O drama do abuso
Entre os problemas, também a questão "urgente e dolorosa" dos abusos dos clérigos e sua gestão por parte das autoridades eclesiais. Embora não sendo o objeto principal da pesquisa, explicou o cardeal na coletiva, “eles não foram ignorados, mas tratados com a consciência de que são necessárias ferramentas ainda não disponíveis”. “Temos estudos sociológicos, um pouco históricos, mas ainda falta uma reflexão teológica, moral e pedagógica para chegar a uma resposta global a este problema”, disse ainda o responsável do Dicastério um dos oradores junto com o bispo italiano de Mântua, dom Gianmarco Busca, a irmã Linda Pocher, professora de Teologia Fundamental e Mariologia na Pontifícia Faculdade Auxilium de Roma, e o cardeal Gianfranco Ghirlanda.
Falhas na formação
O cardeal Ghirlanda, ao se deter na questão do abuso, chamou a atenção para a questão da formação. Na origem dos casos de abuso "houve uma falha na formação, a incapacidade de evidenciar certos aspectos da personalidade dos seminaristas", disse o cardeal jesuíta. "Ninguém dá a culpa a ninguém, mas algo não funcionou". A questão a ser colocada é "como criar uma formação para prevenir", pois é bom reparar os danos, mas o nó a desatar é "como prevenir". Segundo Ghirlanda, deve-se insistir em "uma formação espiritual, sólida, também do ponto de vista psicológico, para descobrir certas tendências". Então, é claro, muitas coisas escapam, mas este é o mistério da pessoa humana que se manifesta de uma forma impensável". Outro ponto fundamental é, para Ghirlanda, "o acompanhamento dos jovens sacerdotes pelos bispos": "Tenho experiência," disse ele, "de jovens sacerdotes que se sentem abandonados por seus bispos". Eles estão em dificuldade, não sabem a quem recorrer. Se o bispo é pai e pastor, ele deve encontrar uma maneira de se relacionar".
Leigos, casais, mulheres como referência nos seminários
Para dom Busca é importante, nesse sentido, “aumentar a possibilidade de que os seminários tenham figuras de referência que não sejam apenas sacerdotes, mas também leigos, casais, figuras femininas que possam permitir uma relação plural”. No passado, "certas estruturas de seminários eram um pouco como mundos fechados que criavam 'personalidades dependentes', pouco capazes de agir, não com a mesma velocidade com o mundo que depois tinham que encontrar". Seria necessário, portanto, seguir o caminho da "entrada gradual", do "discernimento mais atento" e não responder "superficialmente" às perguntas sobre o significado profundo da vocação. Precisamos de "guias", disse dom Busca, "que possam ajudar esses jovens que trazem experiências pessoais que precisam de leitura e amadurecimento".
Por sua vez, a irmã Linda Pocher destacou o fato de que, quando se fala de abuso, não se deve referir-se apenas ao abuso sexual. Há abusos psicológicos, de consciência, de autoridade: aqueles que o Papa Francisco sempre indicou como pródromos da violência sexual. “O abuso de autoridade, por exemplo, é um problema que nossa sociedade tem que enfrentar e que vai além do tema do abuso sexual de sacerdotes”, disse a religiosa. “É preciso perceber isso para não fazer uma caça às bruxas com o fim em si mesma”.
Conhecer bem os candidatos
No final da coletiva, falando ao Vatican News, o cardeal Ouellet afirmou: "O caminho para prevenir os abusos é estruturar a formação para conhecer bem a personalidade dos candidatos, discernir se há desvios em seu modo de se comportar, mas sobretudo dar-lhes uma profunda estrutura espiritual. A solução não são apenas controles, mas uma experiência de Deus que dê retidão moral e ministerial”.
“O verdadeiro problema dos sacerdotes hoje – acrescentou o responsável do Dicastério para os Bispos – é que eles estão um pouco desorientados, deprimidos, também por causa das campanhas contra eles. Talvez não se sintam suficientemente acompanhados, valorizados. Temos uma importante tarefa na Igreja para a relação entre bispos e sacerdotes, para restabelecer uma comunhão absolutamente essencial para a nossa missão”.
Espaço para as mulheres
Nas reflexões que maracaram o Simpósio, também foi mencionada a questão de um maior espaço para os leigos e de um papel mais significativo para as mulheres na Igreja. Sobretudo as mulheres, disse Ouellet, que "são a maioria na vida da Igreja". As reflexões do Simpósio, coletadas nos dois livros, são "uma forma de reconhecer fundamental o 'sacerdócio' da mulher, que deve ser acompanhado e alimentado pela palavra dos ministros e pelos sacramentos oferecidos para vitalizar todo o compromisso cristão".
Na JMJ de Lisboa
Os livros apresentados na coletiva de imprensa, anunciou o cardeal, “são destinados aos jovens”. Uma parte da comissão científica que redigiu os textos irá, de fato, a Lisboa em agosto para a Jornada Mundial da Juventude, onde realizará conferências para bispos, acompanhantes, jovens: "Temos contatos com a direção da JMJ para dar ao evento um caráter vocacional".
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