A identidade da Igreja como pastoral de conjunto
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
O Concílio Vaticano II, foi um Concílio centrado no tema da Igreja, como se deduz da leitura de seus 16 documentos, em particular de suas quatro grandes Constituições Dogmáticas. O núcleo da Constituição Lumen Gentium sobre a Igreja, por exemplo, é a passagem de uma concepção de Igreja como instituição a uma concepção de Igreja como comunhão.
O final do n. 4 do Capítulo I – O mistério da Igreja –, mediante a citação de um célebre texto de São Cipriano - a referência à ação do Pai, do Filho Jesus Cristo e do Espírito Santo na história da salvação -, constitui uma das expressões mais densas e ao mesmo tempo mais programáticas de toda nova abordagem assumida. Em última análise, chega a dizer que existe Igreja onde existe comunhão entre as pessoas e com Deus, uma comunhão que tem suas raízes na fé em Cristo e se modela a partir dela. A Igreja, assim constituída, é chamada, segundo a Constituição, a ser em Cristo um sacramento de salvação para o mundo inteiro.
Juntamente com a ideia central da Constituição, já em si muito significativa, há outras não menos repletas de consequências. Estas têm a ver com uma série de relações que conferem à Igreja, com o seu modo de se constituir, a sua identidade.
Depois de “A espiritualidade da Igreja como corpo”, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe hoje a reflexão “A identidade da Igreja como pastoral de conjunto”:
"O século XX assinala a preponderância da Igreja. Não se trata de criação de uma nova Igreja, mas da consciência da Igreja de si mesma. E se falamos da Igreja, falamos de todo o povo de Deus, de todos os fiéis batizados, não somente de uma hierarquia.
A primeira campanha da Fraternidade no Brasil, na Quaresma, que foi no início a nível regional, em 1962, por meio de Três Dioceses do Norte, aconteceu justamente enquanto em Roma iniciava-se o Concilio Vaticano II. Os ideais comunitários fervilhavam nas bases. Este projeto da Campanha foi lançado, em dezembro de 1962, sob o impulso renovador do espírito do Concílio Vaticano II, e realizado pela primeira vez em nível nacional, na quaresma de 1964. O tempo do Concílio foi fundamental para a concepção e estruturação da Campanha da Fraternidade, bem como o Plano Pastoral de Emergência e o Plano de Pastoral de Conjunto, enfim, para o desencadeamento da Pastoral Orgânica e outras iniciativas de renovação eclesial. Ao longo de quatro anos seguidos, por um período extenso em cada um, os padres ficaram hospedados na mesma casa, em Roma, participando das sessões do Concílio e de diversos momentos de reunião, estudo, troca de experiências. Nesse contexto, nasceu e cresceu a Campanha da Fraternidade. A Campanha da Fraternidade de 64 teve como tema “Igreja em Renovação” e por lema: “Lembre-se: você também é Igreja”.
Veja-se que a ideia de que a Igreja não são somente padres, bispos e religiosos é fermentada pelo Concílio e concretizada na Campanha da Fraternidade Nacional no Brasil desde 1964. Cada um precisa ter a consciência que também é Igreja. E não devemos ser Igreja somente de direito pelo batismo, mas de fato pela atuação cada qual em sua comunidade de fé e fé eclesial. Lembramos aqui as atuais diretrizes da Igreja do Brasil que tem como grande e prioritário projeto a criação de pequenas Comunidades Eclesiais Missionárias, onde cada fiel procura sempre mais uma participação viva e mais familiar, concreta, fortalecendo os vínculos de fraternidade, em grupos de família e de fé vivencial e missionária. Nesse contexto é curioso lembrar que já em 1965 a Campanha da Fraternidade no Brasil, no ano de encerramento do Concilio, tinha por tema “Paróquia em Renovação” e por lema: “Faça de sua paróquia uma comunidade de fé, culto e amor”. A conferência de Aparecida propõe a renovação das Paróquias na conversão pastoral quando as paróquias se voltarem decididamente à missão, não simplesmente a ficar conservando as estruturas.
A Igreja a partir do Concílio Vaticano II procurou aprofundar e revelar sua identidade genuína. “Hoje lhe podemos perguntar, com maior ênfase: que dizes de ti mesma? Quem és tu? Ela – a Igreja – responderá, com clareza, garantindo que nela subsiste a verdadeira Igreja de Cristo, fazendo remontar sua origem aos tempos apostólicos, mas também que Ela é o Povo de Deus, o Corpo Místico de Cristo”[1].
A Igreja do século XX não criou, a partir do Concilio, uma Igreja a partir do zero, como sendo diferente da que sempre existiu e que foi fundada por Jesus Cristo. O Século XX trouxe para o seu centro a vida cristã a partir do mistério da SS. Trindade, dando ênfase ao Espírito Santo, um tanto esquecido pela Igreja do Ocidente. A Igreja acolhe do Espírito Santo, alma da Igreja, uma nova e viva compreensão de si mesma.
Mas a Igreja não é somente quem dela pertence. Arcebispo emérito da Arquidiocese de Porto Alegre-RS, Dom Dadeus Grings, afirma que a Igreja não é simplesmente os batizados que nela pertencem. Escreve assim: “Para chegar a este esclarecimento concorreram vários fatores. Em primeiro lugar, como já vimos, desde o século XX, se começou a pensar a sociedade como um todo. Não resulta apenas da soma de indivíduos. Sintetiza a coordenação de todas as atividades sociais que nela e por ela são coordenadas. Assim a Igreja não são apenas os batizados e os que tem fé em Jesus Cristo. Constitui uma realidade superior, acolhida pela fé. Tem vida divina”[2]."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] GRINGS, Dadeus. “Minha Querida Igreja”. Evangraf, Porto Alegre, 2018, p. 24.
[2] GRINGS, Dadeus. “Minha Querida Igreja”. Evangraf, Porto Alegre, 2018, p. 24-25.
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