Parolin: missão de Zuppi foi muito importante, gestos humanitários levam à paz
Ignazio Ingrao*
Eminência, o mundo corre o risco de voltar a ser dividido em blocos como no tempo da "guerra fria"?
"Infelizmente, passamos da guerra fria para a terceira guerra mundial em pedaços, como o Papa Francisco gosta de repetir, mas a guerra, evidentemente, de uma forma ou de outra, é sempre uma oposição entre pessoas, entre grupos, entre Estados, entre continentes e, portanto, hoje estamos vendo um ressurgimento de grupos opostos. Acredito que isso não é de hoje: há algum tempo estamos cientes dessas divisões, desses contrastes, dessas tensões na comunidade internacional, que depois também resultam em fenômenos trágicos, como conflitos e guerras. Acredito que não podemos absolutamente nos conformar com essa deriva. Devemos recuperar o espírito que animou a comunidade internacional imediatamente após a segunda guerra mundial, que levou ao processo de Helsinque e às declarações de Helsinque, e a redescobrir as esperanças e os ideais que estavam ali presentes de maneira muito forte, também como consequência da experiência da guerra, e que possibilitaram a reconstrução do tecido das relações internacionais".
Como evitar o risco de uma "escalada nuclear"?
"A escalada nuclear é um grande problema. Atualmente, há nove países que possuem armas nucleares. Parece-me que a tendência não é reduzir os arsenais nucleares, mas sim aumentá-los. E a tendência é que outros Estados que atualmente não possuem armas nucleares passem a possuí-las para fins de defesa, a famosa dissuasão nuclear. A posição da Igreja é clara, a posição do Papa é clara: a posse e o uso de armas nucleares são imorais porque significa a destruição do homem e a destruição do mundo. Como evitar isso? Acredito que a única maneira é iniciar um programa sério para desmantelar esses arsenais. Não há nada de diferente a se fazer. As armas nucleares devem ser eliminadas para que não representem mais esse perigo para toda a humanidade".
Como foi a missão do cardeal Zuppi em Kiev, Moscou, e quais são os próximos passos?
"Foi uma missão muito importante. A missão em Moscou fazia parte da iniciativa global proposta pelo Papa Francisco. Que incluiu uma primeira etapa em Kiev e depois esse segundo momento em Moscou. Da parte de Zuppi, ela se concentrou sobretudo no lado humanitário: a troca de prisioneiros e a repatriação de crianças, e isso exigiu uma interlocução com Moscou. Eu diria que, nesse ponto, as coisas correram muito bem, no sentido de que o cardeal pôde ver Ushakov, o representante do presidente e também a Sra. Belova. De fato, houve dois encontros com Ushakov, o que significa que essa atenção, essa vontade e esse interesse da Santa Sé foram recebidos pelo lado russo. Agora será necessário encontrar mecanismos que tornem possível aumentar, aplicar essas conclusões a que se chegou, provavelmente com a ajuda de alguma organização internacional que permita a implementação desses resultados".
Então, haverá uma possibilidade de ver essas crianças retornarem?
"Ainda não sei, porque ainda não chegamos a essa fase. Uma tentativa está sendo feita agora para encontrar os vários mecanismos. Se isso funcionar, e esperamos sinceramente que funcione, também veremos a repatriação. Não sei agora em que quantidade e em que medida. Para nós, isso é importante porque esses gestos humanitários também podem ser caminhos que levam à paz. É por isso que há tanta ênfase nessa dimensão humanitária também como uma ajuda para acabar com a guerra".
Sessenta anos atrás, a encíclica "Pacem in Terris", de São João XXIII, apontou a verdade, a justiça, a liberdade e a caridade como os pilares sobre os quais construir a paz. Como deve ser a paz na Ucrânia?
"A paz na Ucrânia terá que ser uma paz justa. Já repetimos isso várias vezes. Portanto, essa paz terá que levar em conta esses princípios fundamentais que são como os pilares que sustentam a casa. Sem esses pilares, toda construção corre o risco de ser efêmera e de cair ao primeiro solavanco, às primeiras dificuldades. Acredito que a verdade significa reconhecer os direitos mútuos e também os deveres mútuos. Acima de tudo, significa levar em conta a dignidade das pessoas. E depois salvaguardar o direito internacional, que é fundamental. O que a Santa Sé sempre pediu é que o direito internacional seja aplicado. Que todos os Estados e nações concordem em se submeter ao direito internacional como forma de preservar a paz e resolver conflitos. Daí, o tema do diálogo, da negociação, do caminho da justiça e do reconhecimento das fronteiras, da autodeterminação dos povos, do respeito às minorias: todas essas séries de princípios que estão dentro do tema do direito internacional".
A ONU precisa de uma reforma? E como o senhor imagina a ONU do futuro?
"Sim, é necessária uma reforma das Nações Unidas. Nós, como Santa Sé, sempre apoiamos a ONU, os papas sempre demonstraram seu apoio, inclusive visitando concretamente a sede da ONU em Nova York. O que podemos imaginar, o que podemos sonhar, o que podemos desejar é realmente um fortalecimento da ONU e das organizações internacionais. Um fortalecimento no sentido de que todos os países membros saibam como agir em um espírito voltado para o bem comum da humanidade. É o conceito da família das Nações. Portanto, uma ONU em que interesses específicos e particulares não prevaleçam, em que ideologias não prevaleçam. Uma ONU em que a dignidade de cada Estado seja respeitada sem a prevalência de Estados mais fortes. Uma ONU que tenha a capacidade de prevenir e resolver conflitos, por meio dos mecanismos adequados para esse fim. E, nesse sentido, acredito que há necessidade de uma reforma para que a ONU volte a ser o que era em sua fundação. Alguns passos já foram dados, mas não é fácil..."
O Papa chama a Europa a fazer sua parte. Mas, com relação à migração, a UE continua dividida. Precisamos de uma Europa mais solidária em relação à migração?
"Essa é uma realidade muito triste, porque estamos convencidos de que essa questão dos migrantes é muito séria, sabemos que o problema dos migrantes hoje é um dos grandes problemas globais e não terá uma solução fácil e imediata. Parece-nos que o caminho para a solução é justamente o da solidariedade e do entendimento comum dessa questão e também das maneiras de encontrar uma resposta para ela. Acredito que as divisões não servem e aumentam as dificuldades de administrar esse fenômeno de forma humana e ordenada".
A paz também parece distante no Oriente Médio. Novas tensões após o ataque armado israelense em Jenin. O que deve ser feito?
"Infelizmente, a situação passa por essas acelerações e pioras de tempos em tempos. A solução definitiva, o horizonte no qual devemos nos mover é o do reconhecimento de dois Estados, essa é a solução para o problema nas relações entre israelenses e palestinos. Para chegar à solução de dois Estados, precisamos de um diálogo direto entre os dois Estados, que hoje, até onde sei, não existe. Também porque há falta de confiança mútua, pois um diálogo só pode ser conduzido se houver um mínimo de confiança mútua. Agora essa confiança foi destruída. Mas é um pouco como um gato mordendo o próprio rabo, porque se você não fizer alguns pequenos gestos, alguns gestos recíprocos, a confiança não será recuperada.
O apelo, antes de tudo, é evitar o uso da violência. Nunca usar a violência para resolver problemas porque, enquanto isso, a violência aumenta os problemas hoje e amanhã. Em seguida, retomemos o diálogo com um mínimo de confiança e busquemos juntos uma solução compartilhada que certamente trará paz e prosperidade para toda a região, com base também nas resoluções das Nações Unidas".
75 anos atrás, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A liberdade religiosa, especialmente no Ocidente hoje, está ameaçada também pela "cultura do cancelamento" e pela colonização ideológica?
"A liberdade religiosa é um dos pilares dos direitos humanos. A Igreja sempre afirmou isso porque toca a consciência e a parte mais íntima do homem, e isso se aplica a todos, também aos não crentes. E hoje me parece que está em andamento uma tentativa de reduzir cada vez mais os espaços da liberdade religiosa. Vemos, por um lado, os contínuos ataques aos locais de culto e os contínuos gestos que minam a liberdade religiosa, as perseguições que existem no mundo. E, por outro lado, a tentativa de impedir que a fé e a moral tenham voz pública. Acredito que, neste aniversário, todos os direitos humanos fundamentais devem ser recuperados como estão na Carta que foi aprovada há 75 anos, e também deve ser dada atenção especial à questão da liberdade religiosa que, como disse São João Paulo II, é o teste decisivo para o respeito a todos os outros direitos".
Em jogo está também a concepção do homem e da mulher?
"Com certeza. Nós pedimos poder expressar também publicamente a nossa visão do homem e da mulher. E estou convencido de que essa visão é a visão nascida do Evangelho que está enraizada na tradição da Igreja. Uma visão que pode realmente salvaguardar, defender e promover o homem e a humanidade como um todo e cada homem e mulher em particular. A proposta da Igreja decorre disso, não é uma imposição de uma particular visão. Acreditamos que podemos realmente ajudar o homem e a mulher a serem assim e a serem felizes por meio da adesão a esses valores inspirados pelo Evangelho".
Também por meio da proteção da família?
"A família é outro ponto particularmente em crise hoje em dia que merece maior atenção, maior defesa, maior promoção por parte de todos. Porque se houver boas famílias, haverá também boas sociedades. Nós realmente acreditamos que a família é a célula da sociedade: se as células são saudáveis, o corpo também é saudável. É sempre a partir dessa visão positiva que nasce nosso compromisso, que às vezes não é compreendido. Entendo que também é difícil entrar nessa ótica: nosso compromisso é oferecer a visão cristã ao mundo de hoje".
Vaticanista do Tg1
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