Greccio em Roma: presépio na Praça São Pedro, uma novidade antiga
Maria Milvia Morciano - Vatican News
O tradicional presépio da Praça São Pedro deste ano tem uma característica singular: apesar de apresentar formas tradicionais, clássicas e iconografias habituais, as reelabora de forma absolutamente original. O centro continua sendo o berço do Menino, rodeado pela Virgem, São José, o boi e o burro, mas também aparecem outros personagens: São Francisco, três frades seus companheiros, Giovanni Velita e sua esposa Alticama, ou seja, os amigos que o ajudou na realização do primeiro presépio da história, e um sacerdote que celebra a solene Eucaristia atrás do altar, tal como descreve Tomás de Celano nas Fontes Franciscanas. A cena é construída como se fosse uma representação teatral, inspirada em uma das mais importantes, embora efêmeras, expressões artísticas que envolveram artistas famosos, o tableau vivant, "pinturas vivas", difundidas a partir das representações litúrgicas medievais e, gradualmente, ao longo do tempo, na época barroca, onde a imobilidade dos corpos dos atores constrói composições visuais de grande efeito, não só esteticamente, mas também emocionalmente: literalmente um momento de beleza e espiritualidade congelado no tempo.
A fusão de duas iconografias distintas
Atrás das estátuas em tamanho natural, encontra-se a reprodução do afresco atribuído ao Mestre de Narni, datado de 1409, cujo original se encontra no Convento de Greccio, precisamente no local onde, segundo a tradição, o fradezinho de Assis teria colocado o berço para o Menino. Se olharmos com atenção, as estátuas do presépio são exatamente iguais às das figuras com afrescos, como se estas tivessem se destacado da parede e descido ao palco, assumindo tridimensionalidade. Um verdadeiro jogo de correspondências, acompanhado de alusões simbólicas. Os dois episódios, distintos no afresco e ambientados em momentos distantes dos séculos, o de Belém e o de Greccio, fundem-se numa única e grande cenografia. E vive hoje.
As estátuas do presépio
As estátuas, obra do mestre de presépio Antonio Cantone e de sua esposa Maria Cantone Costabile, são, como já foi dito, em tamanho natural, com cabeça e membros em terracota pintada, enxertadas em estruturas de ferro e palha, vestidas com roupas e cores inspiradas nas da época de Francisco. São esculturas que tanto na postura como nos gestos sugerem movimento, como que para reproduzir, diante de quem as olha, o Nascimento como um eterno e renovado mistério encarnado, o mesmo que, em última análise, moveu as intenções de Francisco, que quis “de alguma forma entrever com os olhos do corpo as dificuldades em que se encontrou pela falta das coisas necessárias a um recém-nascido; como foi colocado numa manjedoura e como se deitou no feno entre o boi e o burro”, escreve o seu biógrafo Tomás de Celano.
Reconstituição da vida e dos lugares de São Francisco
Mas o presépio não se limita a isso, não é uma representação frontal, mas sim um sistema muito mais complexo e abrangente, onde cada elemento tem um significado próprio que está ligado à figura de São Francisco e aos lugares que marcaram sua passagem.
É uma grande rocha, para recordar a orografia do Santuário de Greccio, que assenta numa base octogonal, como os oitocentos anos do primeiro presépio de Greccio e, homenagear São Francisco e abraça idealmente o Papa Francisco, a quem é dedicado o presépio, em sinal de agradecimento pela carta apostólica Admirabile signum, entregue em Greccio, no Santuário do Presépio, em 1° de dezembro de 2019. A instalação, por sua vez, é abraçada pela colunata de São Pedro, dialogando com o espaço envolvente.
Episódios da vida do santo de Assis
Ao longo do perímetro externo da estrutura abrem-se nichos pouco profundos onde, à semelhança de molduras cinematográficas e como num filme, se desenrolam imagens com histórias da vida do santo de Assis, imitando afrescos. São os esboços do mestre de Matera Francesco Artese, digitalizados em alta resolução e impressos em papel, posteriormente colados em paredes rebocadas e depois tratados à mão pelos mestres artesãos da Cinecittà para criar peças lacunosas como se a pintura tivesse sido arruinada com o tempo. São quatro imagens que relembram os principais lugares do pobrezinho de Assis, utilizando iconografias originais, algumas novas em relação às que estamos habituados na história da arte, basta pensar no ciclo de Giotto na basílica superior de Assis ou no de Benozzo Gozzoli, na igreja franciscana de Montefalco.
Árvores simbólicas
No presépio da Praça São Pedro podem-se ver três pequenas árvores, com galhos ainda tenros, mas com grande valor simbólico e histórico: são os “filhos” das grandes árvores do Vale Santo. A faia de Rivodutri, cuja lenda diz ter abrigado Francisco durante uma tempestade, envolvendo-o com os seus ramos em espiral, ainda é destino de peregrinos que deixam oferendas votivas entre os seus ramos. O carvalho de Cottanello, com tronco de quase 6 metros de circunferência, com enorme folhagem que dá sombra às pastagens. Por último, o carvalho de Colli sul Velino, com quase 5 metros de circunferência, que cresce perto das ruínas da vila romana do cônsul Quintus Assio do século I a.C., uma grande vila rústica que acolheu Cícero. As árvores fazem parte da coleção nacional que a Associação dos Patriarcas da Natureza produziu ao longo dos anos, também graças à colaboração com a comissão de cinema Roma Lazio.
O trabalho e a criatividade de muitos
Uma obra coral e complexa desejada pela Diocese de Rieti com curadoria dos fundadores da Fondaco Italia, o presidente Enrico Bressan e a diretora de arte Giovanna Zabotti, e com o designer de presépios Francesco Artese, os artesãos de presépios Antonio Cantone e Maria Cira Costabile de Nápoles e os artesãos da Cinecittà. Giovanna Zabotti, na entrevisto à Rádio Vaticano – Vaticano News, aprofunda alguns aspectos simbólicos, explica do que foi inspirado o presépio, como ele tomou forma e quais foram aqueles que participaram de sua criação.
Este ano, o tradicional presépio de São Pedro, apesar de ter um cunho clássico, é absolutamente original, pode descrevê-lo para nós?
O presépio de São Pedro celebra os 800 anos desta brilhante ideia de São Francisco, desta grande obra de evangelização, como diz o Papa, mas também uma grande obra artística. O seu trabalho foi o de construir um presépio e reconstruí-lo na noite de Natal em Greccio como em Belém. O que ele quis fazer aconteceu precisamente durante as guerras pela Terra Santa. Por isso, quis enviar uma mensagem de paz: reproduzir ali mesmo, em Greccio, naquela terra que o acolheu, a reconstrução teatral de um presépio vivo. Este ano, na Praça São Pedro, se vê um presépio muito particular, onde no centro não estão apenas Maria e José, com o Menino Jesus, mas também São Francisco que segura o Menino nos braços.
O raciocínio que foi feito para construir este presépio é partir exatamente do afresco de Greccio que representa justamente esses dois momentos distintos, Belém e Greccio. Portanto, Belém está em toda parte. A ideia era recriar aquele momento que se espera. Para isso, São Francisco utilizou ao máximo a inspiração artística que era a linguagem teatral, e assim, procuramos fazer o possível para reunir uma comunidade de artistas em torno do projeto. Na Praça São Pedro, se vê um presépio que é uma gruta essencial de Greccio: o afresco no centro, e os personagens que animaram aquela noite, os personagens principais. Portanto, mesmo de uma forma muito simples, mas ainda assim tratados artisticamente da melhor forma possível, estão Giovanni Velita e sua esposa Alticama, chamados por Francisco para serem os ajudantes, entre aqueles que o ajudaram a criar este presépio; há os franciscanos, companheiros de Francisco que também ajudaram; o boi e o burro, a manjedoura e o diácono que naquela noite, mesmo naquela gruta, celebraram este momento tão importante do presépio. Era 24 de dezembro de 1223. Este ano, levamos essa história para lá, para lembrar como Francisco, na sua grande capacidade oratória e artística, conseguiu comunicar a todos esta mensagem de paz.
Para além dos próprios personagens do presépio, ou seja, as estátuas em tamanho natural, vestidas com roupas de gosto filológico em relação à época de São Francisco, há outros elementos que chamam a atenção, como a reprodução do afresco de Greccio atribuído a um mestre anônimo de Narni, mas ao redor, ao longo do perímetro externo, há outras figurações. O que elas representam e quem é o autor dessas obras?
Para nós foi importante contar tudo isto através da linguagem da arte. Por isso, além do afresco central, há os afrescos criados pelo mestre Artese em torno do presépio, criando assim um verdadeiro presépio. Da esquerda para a direita, ao fundo, encontram-se os locais que recordam a vida do santo no vale de Rieti e em particular os momentos marcantes que são também os santuários que lhe correspondem. Greccio está no centro como o Santuário de Greccio, mas depois há o afresco do perdão que corresponde ao momento de Poggio Bustone, onde Francisco recomeça o seu caminho, sabendo que Deus o perdoou, um pecador perdido que recomeça o seu percurso. O Santuário de Fontecolombo, onde Francisco escreveu a regra e depois a levou a Honório III que estava em Rieti e, por fim, o milagre da vinha que é o das uvas e corresponde ao Santuário de Santa Maria della Foresta, onde Francisco foi acolhido, recordando multidões de pessoas que acabaram por arruinar a vinha. Francisco realizou o milagre da multiplicação das uvas. Num único monobloco queríamos celebrar Francisco, a história do presépio e do vale de Rieti.
As imagens de Francisco lembram muito o ator de Francisco de Zeffirelli, Graham Faulkner. Que tipo de arte inspirou o artista que criou as pinturas fora do perímetro do presépio? Parecem ter um estilo do século XIX, por mais moderno que seja, embora tenham uma marca clássica...
Francesco Artese, pintor e mestre designer, foi convidado a representar esses momentos como os teria visto como artista, contando essa história. Queríamos que ele pudesse se expressar livremente e criar afrescos sobre os três temas. Não podemos reconhecer um único fio da história porque, embora as estátuas sejam certamente uma referência ao Francisco de Zeffirelli até nos figurinos, nas pinturas, porém, há uma interpretação de Francesco Artese a respeito do tema. Uma obra diferente, não retirada de obras da época, mas inspirada naquela época.
Não só o mestre Artese: são vários os artistas que participaram da criação do presépio. Quem está entre estes?
Primeiramente, estão presentes todos os trabalhadores da Cinecittà, os artistas que pegaram conosco o esboço do mestre Artese e retrabalharam o produto que é todo feito à mão. Depois há os artistas que criaram as estátuas, o mestre Antonio Cantone e sua esposa Maria Cantone Costabile de Nápoles, e eles tiveram que não tratar o presépio como o clássico napolitano, mas trabalhar na ideia de 1223. Portanto, tiveram que mediar, modificar a linguagem artística. Na minha opinião, no final das contas, mesmo alí, principalmente nos figurinos, certamente há referências ao filme de Zeffirelli, porque de qualquer forma estamos falando de um cenário teatral. Falamos de uma linguagem artística transversal, dos mestres de presépios aos pintores, aos mestres da Cinecittà, aos argumentistas e figurinistas. Porque a figurinista Zaira De Vincentiis também nos ajudou na escolha dos figurinos, e houve também quem nos ajudou na iluminação.
Na verdade, foi dado especial cuidado à iluminação. Você pode nos dizer como?
A iluminação nasceu de um encontro com a Guzzini Illuminazione que envolveu a lighting designer Margherita Suss, que defino como artista, porque realmente abordou este trabalho com a sensibilidade de uma artista. Margherita Suss construiu uma narrativa luminosa e procurou respeitar aquele tom de meditação íntimo, sereno e não muito acentuado do que poderia ter sido aquele momento. Inspirou-se na luz quente das tochas da época mas, ao mesmo tempo, organizou uma luz que dá um tom a cada figura de forma a contar, a atrair o espectador a olhar atentamente para uma personagem por vez, quase deixá-los descobrir, mas mantendo como base os elementos sempre iluminados: o afresco de Greccio que é o nosso coração, São Francisco e o Menino e por último a manjedoura, que tem um significado muito forte em comparação com todo o presépio. O berço - manjedoura significa vida e morte ao mesmo tempo, destino único deste bebezinho que vem ao mundo. Esta luz permanece sempre acesa com um tom dourado.
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui