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Carlassare: Sudão do Sul, que a Páscoa nos dê coragem para fazer escolhas de paz e fraternidade

O país vive uma condição de extrema pobreza, mas o bispo de Rumbek reitera que é grande a solidariedade que vem da população humilde e simples. Explica que "a visita do Papa trouxe vários frutos" e espera que a Páscoa "liberte todos de todo pessimismo e medo".

Massimiliano Menichetti

As imagens do Domingo de Ramos, em Rumbek, correram o mundo: o bispo da cidade carregando um menino nos ombros, ao redor a população jubilosa. Aqui, na cidade mais importante do Estado de Lagos, no Sudão do Sul, um dos países mais pobres do mundo, a Páscoa é um caminho de esperança não só para os cristãos. O Papa visitou o país africano, dilacerado pela violência e pela pobreza, em fevereiro do ano passado, invocando a paz, a justiça e a solidariedade. Hoje, explica o bispo de Rumbek, dom Christian Carlassare, “há uma grande participação na Via-Sacra que dura toda a manhã” e conta com a presença não só de cristãos.

Via-Sacra no Sudão do Sul com o bispo de Rumbek, dom Christian Carlassare
Via-Sacra no Sudão do Sul com o bispo de Rumbek, dom Christian Carlassare

Excelência, como se realiza essa oracão em Rumbek e como se preparam para a Páscoa?

Ela é feita pelas ruas da cidade com um grande número de pessoas e com os jovens cuidando das estações, fazendo uma espécie de representação dos personagens da Paixão do começo ao fim. Assim, Jesus com a cruz e todos os outros personagens abrem a procissão e, nas estações, eles retratam o que vai acontecer, enquanto os leitores leem as passagens bíblicas. E, realmente, todas as pessoas, mesmo as não cristãs, participam dessa representação com grande emoção, tanto que também vemos pessoas que batem no peito, choram e se lamentam por essa história de Jesus que se repete na vida dessas pessoas. Portanto, uma oração que também tem uma grande força de libertação porque as pessoas se identificam com ela e sentem que o sofrimento de um justo pode dar esperança a tantas outras. Depois, concluiremos com a Vigília e a Missa Pascal. Na Vigília Pascal, a bênção do fogo é muito bonita porque sempre tentamos abençoar o fogo novo, um fogo que não foi preparado de antemão, mas que nasce exatamente durante a liturgia por meio do método tradicional de esfregar gravetos até que a faísca do novo fogo comece. É isso que Deus é capaz de fazer por nós: onde há noite, ele traz luz, onde há morte, ele traz vida nova.

Dom Carlassare com um menino nos ombros na procissão do Domingo de Ramos

As imagens do Domingo de Ramos em Rumbek entraram no coração de muitas pessoas: uma procissão em que o senhor carrega um menino nos ombros...

Foi um gesto que nasceu espontaneamente. Na África, as pessoas gostam de representar e viver os eventos e geralmente no Domingo de Ramos, eles usam um burro na procissão, e o sacerdote montado no burro representa Cristo. Em Rumbek, no entanto, não temos burros, então, no ano passado, fizemos uma procissão simples, como estamos acostumados na Itália. Mas nunca antes me senti como um burro, chamado ao serviço para carregar os fardos como Jesus carregou os nossos, para carregar em minhas costas esta diocese e todas as pessoas que são feridas, descartadas ou escarnecidas. Assim, quando a freira encarregada da sacristia me disse que faltava o burro, eu lhe disse: "Não se preocupe, serei eu o burro". Então, peguei um menino e o carreguei nos ombros até a catedral. Ninguém ficou surpreso com esse gesto porque é assim que se faz aqui, quando uma pessoa importante vem visitar o vilarejo - não há outro meio -, você a coloca nos ombros e a carrega. Isso é o que teriam feito com Jesus se a entrada em Jerusalém tivesse sido aqui: eles o teriam levantado, pelo menos os discípulos, e o teriam carregado até a cidade. Assim, para o povo, isso tinha um valor simbólico muito bonito: um menino carregado nos ombros, simbolizando a esperança de uma comunidade renovada.

Um momento da Via-Sacra em Rumbek
Um momento da Via-Sacra em Rumbek

Em fevereiro de 2023, o Papa fez uma peregrinação ecumênica. Confirmou na fé, falou de paz e reconciliação. Que frutos esta visita trouxe?

Creio que os frutos da visita do Papa foram realmente muitos ​​e se fizeram ouvir especialmente nos dias da sua visita e nos meses que se seguiram, mas ainda permanecem impressos no coração dos fiéis e de muitos da população de Sudão do Sul hoje. Obviamente, aqueles gestos, aqueles fatos para os quais o Papa pediu não apenas palavras, continuam sendo uma advertência aberta que pede o compromisso de todos. Por isso, hoje penso que os frutos mais importantes daquela visita somos nós, o povo do Sudão do Sul, as pessoas de boa vontade que ouviram as palavras do Papa, que continuam rezando pela paz e não só rezando, mas sobretudo cultivando-a nas próprias famílias e comunidades, a ponto de contagiar todo o país para que a paz seja possível, apesar de tudo. Podemos ver isto, porque não obstante as grandes injustiças que ainda persistem, apesar de muitas pessoas estarem deslocadas, apesar da crise econômica em que os pobres são cada vez mais pobres, no sentido de que o valor do dinheiro é tão baixo que até o trabalho já não vale quase nada e por isso as pessoas lutam para ter acesso aos serviços, aos cuidados de saúde, à escola, apesar de tanta pobreza, as pessoas ainda não desanimam e não cedem à violência ou à injustiça, mas tentam viver e sobreviver baseadas sobretudo na solidariedade um com o outro. Penso que esta população, tão unida e tão cheia de esperança, é aquela que poderá, um dia, dar vida a um país não arruinado pelos potentados, por quem detém o poder, especialmente o das armas, ou o poder econômico, mas um país que nasce da solidariedade que vem da população humilde e simples.

Um momento da Via-Sacra em Rumbek
Um momento da Via-Sacra em Rumbek

Como a Igreja está contribuindo para o processo de reconstrução e reconciliação no país?

A Igreja está ao lado do povo que sofre, infunde coragem, esperança: não uma esperança vã, mas a certeza de que o Senhor está presente e acompanha. Ele que foi esmagado e crucificado ressuscitou e é o princípio da nossa ressurreição. A fé, portanto, não é um acessório, mas um dom muito importante para o povo e para todo caminho de salvação. Por isso, a Igreja, na pregação e na celebração, acrescenta também o serviço que se torna uma ação importante para reerguer, mobilizar e tornar as pessoas protagonistas de uma transformação humana e social. Não falamos apenas de caridade para com os mais pobres, da prestação de serviços essenciais, mas também da promoção de atividades econômicas para tornar as pessoas mais autônomas: estamos também pensando nos pequenos projetos agrícolas que tentamos desenvolver em todas as nossas paróquias. Formar pessoas no sentido cívico, na justiça, na paz; e não esqueçamos a educação na escola católica, onde cultivamos a formação humana integral através da valorização de cada criança, menino ou jovem que se encontra nas nossas instituições. Isto é muito importante, pois o jovem que se sente deixado de lado e talvez manipulado pelos interesses de poucos, encontra a possibilidade de expressar toda a sua riqueza e todos os seus sonhos para o futuro e tenta realizá-los.

O país é rico em petróleo e ainda assim está entre os mais pobres do mundo. Quais são os passos a serem dados para consolidar a paz e devolver ao povo o que lhe pertence?

Não é garantido que onde há recursos também haja riqueza. Infelizmente, na maioria das vezes as pessoas sofrem mais com a pobreza por causa da má distribuição das riquezas. O Sudão do Sul não é pobre porque lhe falta riqueza, mas porque lhe falta paz. A guerra no Sudão acentuou a crise econômica porque o governo do Sudão do Sul dependia quase exclusivamente da exploração de petróleo: agora o oleoduto que atravessa o Sudão está parcialmente danificado e o governo do Sudão não consegue garantir os pagamentos ao Sudão do Sul conforme acordos no passado. Então a moeda local perde valor a cada dia em relação ao dólar, o custo de vida é muito, muito alto e não há harmonização de salários num país onde há falta de trabalho, e onde há possibilidade de trabalho, porém parece que não seja útil trabalhar porque não se ganha o que precisa para viver. E assim as pessoas se veem vivendo o dia a dia, aproveitando os recursos que encontram. Para consolidar a paz – parece um paradoxo – é necessária a paz; a luta contra o crime e a corrupção - que é uma forma de crime - e o apoio às empresas e à construção de uma economia sustentável a partir de pequenas atividades econômicas: desde a agricultura, pecuária, pesca... Não só a exploração dos recursos que são utilizados e consumidos, mas também trabalhos que geram outros tipos de recursos através da própria empresa.

Qual é a sua oração, suas felicitações para esta Páscoa no Sudão do Sul?

Felicitações de Páscoa: que seja um encontro com Cristo ressuscitado, que nos liberte de todo pessimismo e medo, que nos dê a coragem de fazer escolhas de paz e de fraternidade. Feliz Páscoa!

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29 março 2024, 13:43