Celebração da Santa Missa na Basílica de São Pedro Celebração da Santa Missa na Basílica de São Pedro  (Vatican Media)

A Palavra que na liturgia arde o coração

"Tal como os discípulos de Emaús, é na Liturgia celebrativa e na Leitura orante que nosso coração necessita arder ao ouvir as Escrituras, reconhecendo o Ressuscitado na fração do pão e, como consequência disso, partir para a missão, anunciando que o Ressuscitado vive entre nós, seja no caminhar, seja na celebração, seja na fração cotidiana do pão de cada dia."

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

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 "A beleza intrínseca da liturgia tem, como sujeito próprio, Cristo ressuscitado e glorificado no Espírito Santo, que inclui a Igreja na sua ação". Neste sentido, ao falar da participação dos fiéis na celebração do mistério da fé, a Constitução Sacrosanctum Concilium (n. 48) recomenda que os fiéis «sejam instruídos pela palavra de Deus; alimentem-se à mesa do corpo do Senhor; dêem graças a Deus; aprendam a oferecer-se a si mesmos, ao oferecer juntamente com o sacerdote, que não só pelas mãos dele, a hóstia imaculada; que, dia após dia, por Cristo Mediador, progridam na unidade com Deus e entre si».

Na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis, Bento XVI afirma que o "Sínodo dos Bispos refletiu demoradamente sobre a relação intrínseca entre fé eucarística e celebração, pondo em evidência a ligação entre a norma da oração (lex orandi) e a norma de fé (lex credendi) e sublinhando o primado da ação litúrgica. É necessário viver a Eucaristia como mistério da fé autenticamente celebrado, bem cientes de que «a inteligência da fé (intellectus fidei) sempre está originariamente em relação com a acção litúrgica da Igreja".

Neste sentido, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe hoje a reflexão "A Palavra que na liturgia arde o coração":

 

"Nunca atravessamos o mesmo rio na caminhada da Igreja e da liturgia. Num mesmo rio que atravessamos não há repetição ou mesmice, porque as águas antigas já se foram rio abaixo e nós não permanecemos os mesmos. De igual maneira, é o ciclo pascal e o ano litúrgico, que é atualizado em nós e a na vida comunitária. Nunca há repetição. Nunca existe monotonia. Os ritos, mesmo repetitivos, trazem sempre uma graça nova de salvação, que faz arder em nós a vida renovada batismal. Diz São Basílio de Selêucia: “O corpo do Ressuscitado, retirado da Cruz e colocado no sepulcro, vive agora permanentemente ao lado do homem, antes de tudo nas Escrituras, porque é Ele quem fala quando a Palavra de Deus é anunciada na Igreja. Ela, no poder do Espírito Santo, proclamada na Assembleia litúrgica, não é letra morta, mas Palavra viva que revive no Cristo Vivo. O que é a Liturgia da Palavra senão o diálogo interpessoal com o Cristo, Palavra viva? A Deus que fala, por intermédio das leituras, o povo responde com cânticos e a ele adere com a profissão de fé. Neste tempo pascal (homilia da Páscoa), somos chamados a fazer arder o nosso coração, como os discípulos de Emaús, na escuta atenta da Palavra de Salvação”[1].

Tal como os discípulos de Emaús, é na Liturgia celebrativa e na Leitura orante que nosso coração necessita arder ao ouvir as Escrituras, reconhecendo o Ressuscitado na fração do pão e, como consequência disso, partir para a missão, anunciando que o Ressuscitado vive entre nós, seja no caminhar, seja na celebração, seja na fração cotidiana do pão de cada dia.

Devemos ter atitude semelhante à dos discípulos de Emaús escutando com ardor ao Senhor que nos fala por meio da Sua Palavra. Na Liturgia celebrada, nosso coração necessita arder ao ouvir as Escrituras, reconhecendo o Ressuscitado na partilha do pão e, como consequência disso, partirmos para a missão. Os discípulos foram ao encontro dos apóstolos em Jerusalém para comunicar o que havia lhes acontecido no caminho e como O reconheceram vivo e ressuscitado na fração do pão. Não poderiam guardar para si essa Boa Notícia, que lhes ardia a alma, impulsionando para proclamar aos outros a bombástica novidade. Viveram dois momentos da celebração eucarística atual: a Liturgia da Palavra (no caminho em direção a Emaús) e a Liturgia Eucarística (a fração do Pão à noite). A atitude dos discípulos de Emaús, abrasados pela Palavra e pela partilha, é a mesma que Jeremias no capitulo 20 de seu livro: “Seduzistes-me, Senhor; e eu me deixei seduzir! Dominastes-me e obtivestes o triunfo. Sou objeto de contínua irrisão, e todos zombam de mim. Cada vez que falo é para proclamar a aproximação da violência e da devastação. E dia a dia a palavra do Senhor converte-se para mim em insultos e escárnios.  E, a mim mesmo, eu disse: Não mais o mencionarei, nem falarei em seu nome. Mas em meu seio havia um fogo devorador que se me encerrara nos ossos. Esgotei-me em refreá-lo, e não o consegui” (Is 20,7-9). Jeremias também não conseguiu frear o fogo abrasador de sua alma. Cabe a nós, de igual maneira, proclamar esse ardente anúncio: Cristo Vive e está Ressuscitado!

O caderno número 02, em preparação ao Ano Jubilar 2025, intitulado “A Revelação como Palavra de Deus”, falando da Dei Verbum, recupera, em seu anexo, um Discurso do Papa Bento XVI, aos participantes no Congresso Internacional por ocasião do 40º aniversário da Constituição Dogmática Dei Verbum, datado de 16 de setembro de 2005. Dizia assim o Papa Bento XVI: “A Constituição dogmática Dei Verbum, de cuja elaboração fui testemunha participando pessoalmente como jovem teólogo nos debates acesos que a acompanharam, abre-se com uma frase profundamente significativa:  "Dei Verbum religiose audiens et fidenter proclamans, Sacrosancta Synodus..." (A Palavra de Deus, ouvindo religiosamente e proclamando-a com confiança, o sagrado Concilio...). São palavras com as quais o Concílio indica um aspecto qualificante da Igreja:  ela é uma comunidade que escuta e anuncia a Palavra de Deus. A Igreja não vive de si mesma, mas do Evangelho e dele tira sempre de novo a orientação para o seu caminho. Trata-se de uma observação que cada cristão deve acolher e aplicar a si mesmo:  só quem se coloca antes de tudo à escuta da Palavra pode depois tornar-se anunciador. De facto, ele não deve ensinar a sua própria sabedoria, mas a sabedoria de Deus, que muitas vezes, aos olhos do mundo, parece loucura (cf. 1 Cor 1, 23)”. E conclui o Papa Bento assim: “Neste contexto, gostaria sobretudo de evocar e recomendar a antiga tradição da Lectio divina:  a leitura assídua da Sagrada Escritura acompanhada pela oração realiza aquele diálogo íntimo no qual, lendo, escutamos Deus que fala e, rezando, Lhe respondemos com confiante abertura do coração (cf. DV 25). Esta práxis, se for promovida de maneira eficaz, levará a Igreja disto estou convencido a uma nova primavera espiritual. Este ponto firme da pastoral bíblica, a Lectio divina, deve ser por isso ulteriormente encorajada, mediante o uso também dos métodos novos, atentamente ponderados, ao passo com os tempos. Jamais devemos esquecer que a Palavra de Deus é lâmpada para os nossos passos e luz sobre o nosso caminho (cf. Sl 118/119, 105)”.

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Cadernos do Concilio de número 13, Edições CNBB, p. 31-32.

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23 setembro 2024, 09:56