A lua cheia se põe atrás da estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, em 20 de agosto de 2024. (Foto de Pablo PORCIUNCULA / AFP) A lua cheia se põe atrás da estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, em 20 de agosto de 2024. (Foto de Pablo PORCIUNCULA / AFP)  (AFP or licensors)

Deus se manifesta no tempo da história do homem

"Deus que se manifesta na história concreta de pessoas que Ele chama, de um povo que caminha com Ele, apesar dos tropeços, de seu Filho que se encarna e vem habitar entre nós, para resgatar a humanidade por Ele criada e governada. Por isso, a história salvífica não é um conto qualquer, um romance imaginário, um relato fictício. É Deus que se manifesta na história concreta, por meio de pessoas, fatos e acontecimentos reais."

Jackson Erpen - Cidade do Vaticano

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A revelação bíblica dá destaque ao amor de Deus por nós. Deus cria e move o mundo, porque ama aquilo que criou. De fato, a fé cristã assegura-nos precisamente isto: Deus existe e é amor!

O mais importante, no que diz respeito ao amor de Deus, não é, portanto, que o homem ame a Deus, mas que Deus ame o homem e o ame por primeiro (1 João 4,10). Disso depende todo o resto, inclusive a nossa própria possibilidade de amar a Deus (1 Jo 4, 19).

João, ao reconstruir a história terrena de Cristo, dá o grande salto, do tempo para a eternidade: “No princípio era o Verbo”. O mesmo faz em relação ao amor. Ele não apenas nos apresenta um Deus que ama, mas um Deus que é amor. 

Depois de "A proclamação da verdadeira realidade: Cristo Ressurgiu, aleluia!", Pe. Gerson Schmidt* nos traz hoje a reflexão "Deus se manifesta no tempo da história do homem":

 

"O aprofundamento oferecido pelo Dicastério da Evangelização, em proposta à preparativa do Ano Jubilar[1], recupera os textos do Concílio Vaticano II, proposta desse espaço memória histórica. Diz assim o texto: “O tempo é um meio pelo qual o fiel entra em contato com o Eterno. Toda a existência terrena, com os anos, meses, dias e horas, constitui o instrumento, o meio pelo qual Deus procura o homem, faz-se ouvir, entrega-se a Ele para estabelecer uma relação de amizade e de aliança eterna. É na dimensão do tempo que se realiza a história do complexo diálogo entre Deus e o homem, que é a história de salvação. Uma história que não vem da mente de um poeta ou de um sábio iluminado, mas de um chamado que ressoa nos ouvidos de Abraão em um tempo e um lugar bem precisos. Uma história que se manifesta nas vicissitudes de um povo concreto, o povo de Israel; uma história que se torna visível em um homem concreto, Jesus de Nazaré; uma história que continua a manifestar a presença e ação de Deus por intermédio da realidade visível da Igreja e dos Sacramentos. No centro desse misterioso e fascinante diálogo entre Deus e o homem, entre o eterno e o tempo, está o encontro entre a divindade e a humanidade na Encarnação do Verbo, no nascimento do Filho de Deus na nossa carne mortal. "Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou seu Filho” (Gl 4,4); é o cumprimento da história da salvação de Deus, por meio de Jesus Cristo, seu Filho! A vinda de Cristo ao mundo, à história dá sentido e realização à vida humana e dá ao tempo uma nova tonalidade: não se trata mais de um tirano contra o qual se defender, mas uma constante oportunidade de realização, de caminho e de crescimento”[2].

É maravilhoso esse texto do Dicastério para a Evangelização. Deus que se manifesta na história concreta de pessoas que Ele chama, de um povo que caminha com Ele, apesar dos tropeços, de seu Filho que se encarna e vem habitar entre nós, para resgatar a humanidade por Ele criada e governada. Por isso, a história salvífica não é um conto qualquer, um romance imaginário, um relato fictício. É Deus que se manifesta na história concreta, por meio de pessoas, fatos e acontecimentos reais.

O texto é muito rico e denso de significado, reiterando também o sentido do Tempo Pascal, do acontecimento central da história salvífica.  O tempo pascal celebrado e vivido é um tempo novo que a Igreja oferece, para sacerdotes e fiéis, terem um novo olhar para contemplar o mistério, olhos novos para enxergar a presença do Ressuscitado em cada época, em cada situação, em cada nova celebração. Escreve-se assim com uma riqueza grandiosa: “A consciência, portanto, de que o Ressuscitado continua a viver hoje na Escritura, na Eucaristia, nos sacramentos e na Igreja não escapa à nossa sensibilidade de cristãos, lugares onde podemos haurir a força da fé, a paciência da esperança o impulso da caridade (o autor evidencia as três virtudes teologais)”. E continua o texto de autoria de Maurizio Barba: “O corpo do Ressuscitado, retirado da Cruz e colocado no sepulcro, vive agora permanentemente ao lado do homem, antes de tudo nas Escrituras, porque é Ele quem fala quando a Palavra de Deus é anunciada na Igreja. Ela, no poder do Espírito Santo, proclamada na Assembleia litúrgica, não é letra morta, mas Palavra viva que revive no Cristo Vivo. O que é a Liturgia da Palavra senão o diálogo interpessoal com o Cristo, Palavra viva?”. Tal como os discípulos de Emaús, é na Liturgia celebrativa que nosso coração necessita arder ao ouvir as Escrituras, reconhecendo o Ressuscitado na fração do pão e, como consequência disso, partir para a missão, anunciando que o Ressuscitado vive entre nós, seja no caminhar, seja na celebração, seja na fração cotidiana do pão de cada dia.

Romano Guardini, meio século antes do Concilio Vaticano II, como profeta da Renovação litúrgica, em 1923, já escrevia assim: “A liturgia é a conduta religiosa da humanidade renascida. Nela, a Igreja – e o indivíduo, enquanto membro da Igreja - se põe defronte a Deus. Mas a Igreja e indivíduo encontram-se um ao outro, de modo vivo, na comunidade paroquial concreta, com suas relações e tarefas historicamente determinadas. E a comunidade cristã, a Igreja, ora, oferta e se renova na liturgia e assim também o faz o indivíduo, enquanto integrante da assembleia eclesial. A comunidade humana cristã existe verdadeiramente desde quando, em Pentecostes, o Espírito Santo desceu e o anúncio que trazia, o da Salvação em Cristo, tornou-se compreensível a todos os povos pela boca dos Apóstolos”[3]. Essas palavras desse livro “Formação Litúrgica”, traduzido agora para o português do Brasil pela Editora Carpintaria, de Romano Guardini, se tornariam no Concilio Vaticano II atuais e mais proféticas como nunca. Na carta Apostólica Desiderio Desideravi, o Papa Francisco menciona a figura desse teólogo ítalo-alemão Romano Guardini (1885-1968) por cinco vezes, elevando esse liturgista pré-conciliar além dos limites do mundo acadêmico para o domínio popular. Quarenta anos antes da Sacrosactum Concilium, Romano Guardini tinha esse longínquo olhar litúrgico, para além do seu tempo, falecendo três anos depois do término do Concílio. Seus ensinamentos, porém, perpassam o tempo."

*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Cadernos do Concilio de número 13, Edições CNBB, p. 31-32.
[2] Cadernos do Concilio de número 13, Edições CNBB, p. 51-52.
[3] ROMANO GUARDINI, Formação Litúrgica, Editora Carpintaria, 2023, p. 127-128.

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02 setembro 2024, 11:50