Sonhando com uma paz mundial: livro explica os fundamentos da diplomacia do Vaticano
Andrea Tornielli
Depois de Diplomatas com o Evangelho (Editora Pieraldo, 2018), uma obra dedicada às biografias dos secretários de Estado, o Padre Pino Esposito retorna ao tema da diplomacia vaticana com o livro Os legados pontifícios (Editora Gambini). O ensaio lê a história dos delegados do Papa sob as lentes da “diplomacia colegial”. Uma releitura das relações internacionais que traz à tona, na corresponsabilidade entre o Papa e seus representantes diretos no mundo, o fundamento da Igreja como comunhão.
Publicado em setembro, o livro reconstrói meticulosamente a evolução dessa instituição jurídica, desde os emissários papais nos primeiros concílios ecumênicos, passando pelo direito canônico medieval, até os embaixadores modernos e a diplomacia contemporânea. Por meio de um estudo das formas, funções e títulos dos legados, o autor mostra como essa figura foi gradualmente se conformando a um modelo mais participativo, culminando com a adoção do princípio “todos... são chamados e convidados”, um paradigma que encontra sua plena expressão desde o Concílio Vaticano II. Esse desenvolvimento reflete a crescente conscientização da dimensão colegial dentro da Igreja. Os “legados” são reconhecidos como colaboradores do Bispo de Roma no exercício do cuidado pastoral e na promoção da unidade eclesial. Essa dinâmica transmite bem a importância da corresponsabilidade no equilíbrio entre o centro e a periferia da e na Igreja.
A análise das denominações de dignidade “filial” e “fraterna”, como “filius noster”, com as quais durante séculos os Papas se dirigiram a seus representantes diplomáticos, revela nuances de proximidade impensáveis no contexto da política internacional atual. Tons semelhantes encontram correspondência nas nunciaturas de hoje, cada vez mais chamadas de “casa do papa”. Essa expressão, como aponta Esposito no capítulo final, combina o conceito jurídico de representação com um simbolismo de moradia, desenvolvendo conotações familiares e acolhedoras. De acordo com o pontificado de Francisco, ela implica a incongruência da própria noção de “assuntos estrangeiros” ou de estrangeiro na perspectiva da Igreja.
A descrição do patrimônio diplomático da Igreja, detalhada nesse livro, tem um potencial que permaneceu em grande parte inexplorado no contexto geopolítico contemporâneo. Antiga em data, mas extraordinariamente atual, aperfeiçoada ao longo de quase dois milênios, essa herança oferece um vislumbre do sonho da paz mundial. É possível imaginar um gerenciamento diferente de conflitos de alcance global, como os que estão ocorrendo atualmente na Ucrânia e em Gaza, até agora baseados apenas na lógica da vitória de um lado sobre o outro? A palavra “diplomacia”, reduzida como está, nos tempos em que vivemos, quase a um eufemismo depreciativo, deveria recuperar sua razão de ser. Como é necessária a criatividade diplomática! Como precisamos hoje de “negociações honestas” para chegar a “compromissos honrosos”, para usar as palavras do Papa Francisco às autoridades de Luxemburgo. Portanto, é ainda mais útil fazer uma retrospectiva da história multifacetada da diplomacia pontifícia, em busca de modelos alternativos de política internacional, nesse ensaio de Esposito. Quarenta anos atrás, a criatividade diplomática de São João Paulo II e de seu enviado, o cardeal Antonio Samorè, conseguiu impedir uma guerra iminente entre a Argentina e o Chile. Por que hoje não é possível repetir esse “milagre” que salvou tantas vidas, evitou a devastação e o luto de tantas famílias?
É indicativo a esse respeito ler o prefácio do substituto da Secretaria de Estado, arcebispo Edgar Peña Parra, que reflete sobre um princípio evangélico da diplomacia vaticana: unidade de coração e alma, conforme expresso em Atos 4:32. Enquanto o posfácio do bispo de San Marco Argentano - Scalea, Stefano Rega, enquadra todo o projeto editorial na pastoral do “além”, na tarefa cristã de ir para o outro lado, de encontrar o estrangeiro como nossa “outra margem”, Atos 4:32. Estender a mão, construir pontes, saber renunciar a algo por um bem maior, pensar nas gerações jovens de seu próprio país, das quais a guerra rouba o futuro. É disso que nosso mundo, a um passo do abismo, precisa urgentemente. E o estudo da história, como nos ensina o Papa Francisco, pode nos ajudar a encontrar maneiras impensáveis de abrir indícios de paz.
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