Procurar Deus na oração ou deixar-se encontrar por Ele?
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Hoje iniciamos o Ano da oração, um ano dedicado a redescobrir o grande valor e a necessidade absoluta da oração na vida pessoal, na vida da Igreja e no mundo.
Em vista do Jubileu 2025, O Papa anunciava no Angelus de 21 de janeiro de 2024 o início de um Ano de Oração para "nos prepararmos para viver bem este acontecimento de graça e experimentar nele a força da esperança de Deus". Francisco também anunciava que o Dicastério para a Evangelização disponibilizaria alguns subsídios para auxiliar os fiéis neste sentido.
Depois de "Deus nos procura e provoca sede dele em nós", Pe. Gerson Schmidt* nos traz hoje a reflexão "Procurar Deus na oração ou deixar-se encontrar por Ele?":
"Esse ano de 2024 é o Ano de oração que prepara o Jubileu 2025. O Papa Francisco introduz os cadernos que falam sobre a oração afirmando que esse é “o ano para fazer experiência de uma escola de oração, sem pressupor nada como óbvio ou garantido, especialmente ao nosso modo de rezar, mas a cada dia fazendo nossas as palavras dos Discípulos, quando pediram a Jesus: Senhor, ensina-nos a orar (Lc 11,1)”[1].
O caderno de número 06 – A Igreja em Oração é de contribuição e autoria dos Monges Cartuxos que aqui aprofundamos e comentamos. Falamos que Deus tem sede de nossa sede dele, conforme nos dizem Santo Agostinho e São Gregório de Nazianzeno. Os monges cartuxos apontam que há um canto saudoso no coração do homem. Há uma saudade do paraíso perdido mergulhado no profundo ser de cada um. A sede de Deus está latente no nosso coração que grita e clama por Deus. “O canto da criação está gemendo como que em dores de parto (Rm 8,22)”[2]. Nós ainda nos escondemos como Adão, com medo dos passos do Criador, e não respondemos ao desejo de Deus estar conosco. “Temos medo da intimidade com Ele; e é na oração que se revela a nós a imagem de Deus que temos no coração. Essa imagem é uma caricatura gravada em nós pela voz mentirosa do Adversário, que ensinuou: Deus não quer que sejam deuses, Deus não quer que sejam como Ele (cf. Gn 3,5)”[3]. O demônio incute dentro de nós uma falsa ideia de que Deus não nos ama porque nos proíbe, nos limita, que não é tão bom quanto parece. O demônio é enganador e engabelador desde o princípio.
Os cartuxos afirmam nesse subsídio que tal mentira e imagem falaciosa de Deus se imprimiu tão profundamente em nós que não percebemos, afirmando que essa “caricatura de Deus é o ídolo que frequentemente servimos com a nossa oração”. E por isso, não sabendo pedir como convém e que os apóstolos suplicam a Jesus que os ensina a rezar. Por isso, o Espírito do Pai clama em nós com gemidos inefáveis e inexprimíveis. Há um canto em nós – o Abbá – que é a saudade do próprio Deus. Esse canto era a saudade do próprio Adão, era o canto, exilado do paraíso, que ele já não podia mais cantar.
Na verdade, não somos nós que escolhemos a Deus, mas Deus que nos escolhe, tal como Jesus afirmou. Não somos nós que procuramos a Deus, mas Deus que nos procura. Pe. Henri Nouwen, em seu famoso best-seller, o livro “A volta do Filho Pródigo”, comenta assim a respeito: “Desde toda a eternidade, estamos escondidos nas sombras das asas de Deus e gravados nas palmas de suas mãos (Is 49,2-16). Antes do que qualquer ser humano nos toque, Deus nos faz em segredo e nos tece nas profundezas da terra, e antes de qualquer ser humano decida a nosso respeito, Deus nos tece no seio materno (Sl 139). Deus nos ama com um primeiro amor, amor ilimitado e incondicional, quer que sejamos seus filhos amados e nos pede que nos tornemos tão capazes de amar quanto ele próprio”[4]. O autor diz que durante a sua vida tem procurado a Deus. “Agora – diz ele – imagino se avalei bem que durante todo esse tempo Deus tem estado à minha procura, para me conhecer e me amar. A pergunta não é “Como posso encontrar Deus?”, mas “como me deixar conhecer por Deus?”[5]. Deus me deseja mais me encontrar do que eu a Ele. A grande questão da fé não é simplesmente amar a Deus, o que é uma graça, mas deixar-se amar por Ele. É deixar que ele nos encontre, porque está a nossa procura como procurou Adão, que se escondeu e teve medo da iniciativa do amor de Deus, frente ao homem pecador. Nas três parábolas da misericórdia, é Deus que toma a iniciativa. Ele nos amou por primeiro. Deus é pastor que vai a procura da ovelha perdida; Deus é a mulher que procura a dragma perdida; Deus é o Pai que vigia e corre ao encontro do filho perdido que foi encontrado e depois do filho mais velho que não quer entrar na festa do perdão. Nessa última parábola, mais conhecida como a do filho pródigo, o pai misericordioso sai de si duas vezes, saindo de sua casa: a primeira, para correr e abraçar o filho mais jovem que voltou; a segunda, para conversar com o mais velho para envolvê-lo na festa da alegria da volta.
O Catecismo da Igreja Católica, em suas primeiras páginas, aponta, em título grifal, o desejo do homem por Deus. Há uma vocação intrínseca do ser humano para a comunhão com Deus, da criatura com o seu Criador. Afirma assim, no número 27: “O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar: O aspecto mais sublime da dignidade humana está nesta vocação do homem à comunhão com Deus. Este convite que Deus dirige ao homem, de dialogar com ele, começa com a existência humana. Pois se o homem existe, é porque Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de dar-lhe o ser, e o homem só vive plenamente, segundo a verdade, se reconhecer livremente este amor e se entregar ao seu Criador” (CIgC,27)."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Monges Cartuxos – Dicastério para a Evangelização - A Igreja em Oração – Cadernos sobre a Oração 6, introdução do Papa.
[2] Idem, p.29.
[3] Idem, p.30.
[4] NOUWEN, Henri J.M. A Volta do Filho Pródigo, Paulinas, 1992, SP, p.115.
[5] Ibidem.
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