Em recordação de Elisa Andrade, artista, combatente, inteletual
Dulce Araújo - Vaticannews
Faleceu sexta-feira 3 de setembro de 2021, na cidade da Praia, a Combatente pela Liberdade da Pátria, Elisa Andrade. Nascida na ilha de São Vicente, Elisa Andrade foi, segundo a agência cabo-verdiana de notícias, Inforpress, vítima de doença prolongada. Encontrava-se internada no Hospital Agostinho Neto.
Muitas as reações à morte dela também nas redes sociais, onde é destacada como uma figura poliédrica e dedicada à causa do desenvolvimento endógeno de Cabo Verde no seu todo. Economista, historiadora, investigadora, Elisa foi também uma mulher de teatro e cinema, tendo atuado como atriz, entre outros, no famoso filme “Sambizanga” da realizadora Sara Maldoror, sobre a luta de libertação colonial em Angola. Ela interpretou o importante papel de Maria, uma das protagonistas principais do filme. Como investigadora, Elisa deixa obras importantes como “As Ilhas de Cabo Verde: da Descoberta à Independência Nacional (1400-1975). Fez também investigações aprofundadas sobre a Diáspora cabo-verdiana.
À Elisa Andrade o Programa semanal da Rádio Vaticano “África em Clave Feminina: música e arte” dedicara a sua edição do dia 7 de maio de 2020, com destaque para a crónica sobre ela do poeta, ensaísta e editor (Rosa de Porcelana Editora) Filinto Elísio, parceiro do Programa. Elisa vivia na altura em Paris. Em recordação dela reproduzimos aqui essa crónica do Filinto Elísio:
Crónica
ELISA ANDRADE – UMA INTELECTUAL ENGAJADA COM A ARTE E A CULTURA
Elisa Andrade, doutorada em História, é hoje professora reformada da Universidade de Cabo Verde, mais precisamente do seu Instituto Superior de Educação / Instituto Pedagógico.
Vive hoje em Paris, onde durante toda a sua juventude passou vastas vezes, como parte integrante do movimento anticolonial nos anos sessenta e setenta, na qual participou ativamente em articulação tanto ao PAIGC como ao MPLA.
Antes, formara-se em Economia, fazendo parte em Portugal, dos antigos membros da Casa dos Estudantes do Império, grupo que o escritor angolano Pepetela viria a chamar, num dos seus romances, de “Geração da Utopia”, protagonistas da luta clandestina e pela adesão à luta ativa na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, em prol das independências das antigas colónias portuguesas em África.
Elisa Andrade também foi muito engajadas às lides do teatro e do cinema, como jovem intelectual inquieta com as questões da cultura e da identidade africanas. É na Argélia, onde está exilada, a trabalhar nas estruturas do PAICV, que conhece a cineasta Sarah Maldaror e que a convida a tomar parte na curta metragem “Monangambée” (1968), adaptação do conto “O fato completo de Lucas Matesso”, do escritor Luandino Vieira.
Dessa primeira experiência cinematográfica, ficara patente as qualidades de atriz de Elisa Andrade, aliás fortemente recomendada por Mário Pinto de Andrade, sociólogo e poeta, marido da cineasta Sarah Maldaror, um dos primeiros dirigentes do MPLA e um dos intelectuais muito próximos de Amílcar Cabral.
Assim, em 1972, Sara Maldaror convida Elisa Andrade a ser a atriz protagonista do filme “Sambizanga” (1972), esta também uma adaptação do livro "A Vida Verdadeira de Domingos Xavier", também de Luandino Vieira. Se Maldaror foi a primeira mulher negra a fazer cinema na África nos anos 60 e 70, Elisa Andrade, a fazer o papel de Maria, terá sido uma das mais marcantes presenças femininas na cinematografia negra e da diáspora africana nesses anos.
Filmada no Congo-Brazaville, "Sambizanga" aborda a guerra colonial portuguesa, desde o início, em Angola, e teve como coargumentista Mário Pinto de Andrade. A crítica foi favorável, não faltando entretanto alguma controvérsia pelo paradoxal facto de Elisa Andrade ter sido demasiado bela para o papel de Maria, algo que mereceu a defesa tanto de Sarah Maldaror e de Mário Pinto de Andrade, como de Amílcar Cabral para quem a interpretação cinematográfica magistral era um dos aspetos relevantes para a causa, opinião também corroborada por Luandino Vieira, na altura das filmagens, ainda prisioneiro político no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde.
Depois da Independência de Cabo Verde, Elisa Andrade regressa a Cabo Verde, exercendo a função de professora no Instituto Superior de Educação onde trabalha na na Cultura, chegando a ser assessora cultural do Ministro da Cultura nos anos 90. Permaneceu sempre ligada às estruturas do PAIGC, depois tornadas do PAICV em Cabo Verde, com o Golpe de Estado na Guiné-Bissau em 1980, que deitou por terra a possibilidade da Unidade Guiné-Cabo Verde, tão sonhada por Amílcar Cabral.
Estudiosa e investigadora nas áreas de História e Ciências Sociais, Elisa Andrade tem alguns livros emblemáticos sobre Cabo Verde, destacando-se a sua tese de doutoramente sobre “Cabo Verde, da Descoberta à Independência Nacional (1460 – 1975)”. Éditions L`Harmattan, e dos textos como “Do Mito à História”, “Declínio e Fim da Sociedade Escravista” ou da defesa da condiçãoo feminina em Cabo Verde e nos demais países africanos. Uma intelectual engajada às causas da liberdade.
Cabo-verdiana, nascida na ilha de São Vicente, foi uma das ativas participações femininas na guerra de libertação anticolonial e é membro ativo, galardoada pelo Estado de Cabo Verde a propósitos dos altos serviços prestados à Nação, da Associação dos Combatentes da Liberdade da Pátria.
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