Moçambique. “Espero que as eleições sejam livres, justas e pacíficas”: Dom Inácio Saúre
Cidade do Vaticano – com a agência Fides
Realizam-se nesta quarta-feira, 9 de outubro, em Moçambique as eleições gerais para a eleição do Presidente e do Parlamento. Não são esperadas grandes surpresas: a Frelimo (Frente de Libertação Nacional), no poder desde a independência em 1975, deverá manter-se desta vez. Moçambique, que saiu em 1992 da guerra civil que eclodiu em 1975, enfrenta há alguns anos a guerrilha jihadista na província de Cabo Delgado, a mais setentrional daquele país da África Austral.
Em entrevista à agência Fides, Dom Inácio Saúre fez uma análise da situação do país à luz das eleições de hoje.
O que é que espera da votação de hoje?
Antes de tudo, espero que as eleições sejam livres e justas e, acima de tudo, pacíficas. Os preparativos para a votação foram marcados por algumas dificuldades. Sabemos que houve atrasos e problemas na inscrição das pessoas nos cadernos eleitorais, devido a questões burocráticas, mas talvez também a outros problemas políticos. Digamos que não houve interesse de certas pessoas em se inscreverem nos cadernos eleitorais. Há também um certo cansaço e desilusão por parte dos eleitores, porque as primeiras eleições livres tiveram lugar em 1994, há 30 anos, e desde então o voto tem sido seguido de controvérsias e protestos.
A guerra no Norte é atribuída à presença de, pelo menos, uma formação jihadista. Mas não será esta leitura um pouco simplista?
Dizemos que são os jihadistas, mas não creio que sejam a única motivação para esta guerra. Há os recursos da zona; o gás, em primeiro lugar, mas não só: há minas de minerais estratégicos como a grafite, por exemplo, em Balama, que são cruciais para as novas tecnologias e para a transição energética. É por isso que não sabemos, de facto, qual é a verdadeira causa desta guerra. Será apenas de carácter religioso? Penso que não. Por outro lado, o conflito eclodiu mais ou menos coincidindo com o início da exploração do gás natural.
Sua Excelência é arcebispo de Nampula, província que acolheu vários deslocados internos devido à guerra. Pode descrever a situação dessas pessoas?
Depois de Cabo Delgado, a capital da província onde a guerra está a decorrer, Nampula é a província que acolheu a maior parte dos refugiados que fogem da violência. É um desafio, porque Nampula é a província mais populosa do país e o súbito acréscimo de milhares de pessoas tem colocado problemas às estruturas da zona. No início, quando começaram a chegar os primeiros refugiados, várias organizações internacionais intervieram para ajudar. Mas depois a ajuda foi muito reduzida. Esqueceram-se de nós e dos mais de 6.000 refugiados que ainda estavam alojados em Nampula. No início eram até 8.000, mas alguns regressaram a Cabo Delgado, onde ainda há muitos deslocados de aldeias afectadas pela insegurança.
Como Igreja, estamos totalmente empenhados, através da nossa Cáritas diocesana e nacional, em ajudar estas pessoas. O problema é que não dispomos de recursos suficientes, especialmente porque as ajudas internacionais quase desapareceram.
Existe o receio de que o conflito no Norte se possa alastrar a outras zonas de Moçambique?
Grande parte de Moçambique vive em paz, mas existe o receio de que a instabilidade no Norte se possa alastrar ao resto do país, alimentada pela pobreza extrema, especialmente entre os jovens desempregados, sobretudo nas cidades.
O outro grande problema é a pobreza generalizada. De facto ...
Sim, sobretudo entre os jovens. Muitos jovens do campo mudaram-se para as cidades mas não encontraram trabalho. Este é, entre outras coisas, um grande desafio a nível pastoral. O ideal seria criar oportunidades de formação profissional para estas pessoas. A Igreja, por si só, não tem os meios para o fazer. Na nossa anterior visita ad Limina, o Papa Francisco recomendou que nunca esquecêssemos os nossos jovens, proporcionando-lhes lugares de formação.
Na visita deste ano, chamei a atenção do Santo Padre para as dificuldades que temos em ajudar os jovens na formação profissional, porque como Igreja moçambicana não temos meios para o fazer. Tentamos fazer o que podemos, mas de facto os meios são muito limitados. Por outro lado, as escolas católicas são muito apreciadas pela qualidade do seu ensino. No entanto, o Estado aumentou os impostos sobre as nossas escolas, equiparando-as a empresas privadas, e isso colocou-nos em dificuldades.
No meio destes problemas, como é que descreve a situação da Igreja em Moçambique?
É uma Igreja viva. Temos muitas vocações, os Seminários estão cheios. É verdadeiramente uma graça. Os jovens frequentam a Igreja em massa. A maior parte do clero é moçambicano. Temos também alguns padres que vão ser missionários noutros países africanos.
Para além disso, o papel dos leigos é muito importante, porque em 1977 a assembleia pastoral nacional decidiu criar uma Igreja ministerial, isto é, de ministros leigos. Os catequistas desempenham um papel fundamental, sobretudo nas aldeias onde não há uma presença fixa de um sacerdote.
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