Orlanda Amarilis - Uma renovadora na prosa cabo-verdiana
Dulce Araújo - Vatican News
Orlanda Amarilis foi uma das talentosas pioneiras da literatura cabo-verdiana de pendor feminino. Conviveu com grandes figuras literárias do país e deixou vários escritos, nomeadamente contos, como refere o escritor, Filinto Elísio, da Rosa de Porcelana Editora, na sua crónica. Mas, não obstante a qualidade da sua escrita, ela tem sido, segundo a investigadora, Graça de Pina, um pouco esquecida. A hipótese desta estudiosa é que ela tenha estado, de certo modo, a “reboque” do marido Manuel Ferreira, que era também escritor.
Orlanda Amarilis viajou muito pelo mundo, tendo saído cedo de Cabo Verde. Mas, sublinha ainda Graça de Pina “o seu coração não saiu de Cabo Verde e nem sequer a sua atenção para com Cabo Verde foi desviada ou eliminada.” Ela lança um olhar crítico à sociedade cabo-verdiana, que descreve com realismo e coerência, ressaltando e “muito bem” a figura da mulher.
Por todas estas razões, os seus escritos devem ser lidos por forma a “recuperar essa parte da literatura cabo-verdiana” que está um bocado submersa. E não faltam sinais promissores neste sentido. Uma mestranda da Universidade de Pádua - refere Graça de Pina, está a fazer a tese sobre ela e promete traduzir a sua obra “Ilheu dos Pássaros”. O que vem juntar-se à republicação, neste centenário do seu nascimento, em Itália, pela Guaraldi-AIEP, de “Soncente - Racconti d'oltremare”. Esta segunda edição, foi apresentada na Book Pride de 4 a 6 de outubro 2024, em Génova, onde a cabo-verdiana ali residente, Sandra Andrade, que já tinha tido algum contato com escritos de Orlanda Amarilis desde o tempo dos liceus, teve a surpresa de encontrar o livro desta autora de que tanto gosta, em particular dos contos “Os sonhos de Mayra da Luz”, “Jack pé de cabra” e “Bico de lacré” , dos quais leu alguns extratos no programa “África em Clave Cultural: personagens e eventos” que aqui pode ouvir:
Um sinal de estímulo para a redescoberta da escrita de Orlanda Amarilis, falecida em 2014, poderia ser a republicação também em Cabo Verde das suas obras eventualmente esgotadas e a sua inclusão, ao lado do marido, na Academia das Letras de Cabo Verde.
Leia em baixo a crónica do poeta e ensaísta, Filinto Elísio (Rosa de Porcelana Editora) sobre ela:
"Orlanda Amarilis – Centenário de uma Renovadora na Prosa cabo-verdiana
Orlanda Amarílis foi uma notável prosadora cabo-verdiana e seus contos – como os dos livros Cais-do-Sodré té Salamansa (1974), Ilhéu dos Pássaros (1983) e A Casa dos Mastros (1989) - versavam sobre o universo feminino e das ilhas, a infância e a diáspora.
Nasceu a 8 de outubro de 1924, em Assomada, ilha de Santiago, filha de Armando Napoleão Rodrigues Fernandes, que publicou o primeiro dicionário de língua crioula-portuguesa e de Alice Lopes da Silva Fernandes.
Fez os seus estudos primários e secundários na cidade do Mindelo. Como membro da Academia Cultivar, fundada por alunos do Liceu Gil Eanes, colabora na revista cabo-verdiana Certeza em 1944, em torno de uma geração literária que teve, entre outros, escritores como Arnaldo França, Manuel Ferreira, Nuno de Miranda, Tomás Martins, Teixeira de Sousa, António Nunes, Ovídio Martins, Euclides Menezes, Eduíno Brito, Guilherme Rocheteau e José Spencer.
Numa entrevista ao pesquisador francês Michel Laban, Orlanda Amarílis testemunhou que “para nós, os membros da Academia Cultivar, Certeza viria trazer algo de novo. Havia um pulsar diferente dentro de nós, de uma geração posterior, portanto mais recente que os fundadores da Claridade. Fundar Certeza foi dar continuidade ao que a Claridade tinha iniciado”.
Em 1945, casa com o escritor Manuel Ferreira, estudioso das literaturas e culturas africanas lusófonas. Muda-se para Goa onde vive durante seis anos e faz o curso do Magistério Primário.
Já a viver em Portugal, depois de uma permanência de seis anos na Índia, cursaria Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras de Lisboa e completaria o curso de Inspetores do Ensino Básico.
Estreou-se em livro com a coletânea Cais-do-Sodré té Salamansa (1974), e fez êxito a sua primeira incursão na literatura infantil em 1990. De colaboração com Maria Alberta Menéres, é também autora de dois livros de leituras para o primeiro ano de escolaridade (1987).
Promoveu a realização de um antigo projeto em que trabalhava o Prof. Manuel Ferreira, reeditando a coleção completa da revista Mensagem da Casa dos Estudantes do Império.
Colaborou depois em várias revistas literárias e está representada em numerosas antologias em língua portuguesa, alemã e inglesa. Os seus contos foram já traduzidos também em russo, húngaro, holandês e italiano.
Das obras da autora, cabe-nos referir Facécias e Peripécias (1990), A tartaruguinha (1997), livros para o público infanto-juvenil.
Visitou os quatro cantos do mundo, muitas das vezes para intervir em encontros culturais, e tornou-se membro do Movimento Português Contra o Apartheid, do Movimento Português para a Paz e da Associação Portuguesa de Escritores (APE).
A 9 de julho de 1997, foi agraciada com o grau de Comendador da Ordem de Mérito, de Portugal.
Faleceu aos 89 anos no dia 1 de fevereiro de 2014, em Lisboa."
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